As antigas epopeias nos descrevem os escudos dos seus heroes, a propria mythologia nos mostra Minerva adornando o seu com a cabeça de Medusa, e quando se descobriu o Novo Mundo, en. controu-se já usado como distinctivo entre os selvagens. Em Coimbra, se por ventura devemos acreditar a conhecida lenda das armas municipaes, vemos nellas o leão, symbolo da força de Ataces, e a serpente, emblema da astucia e prudencia de Hermenerico. Mas na palavra brazão não se indicam somente as figuras emblematicas dos escudos da nobreza, mas a propria sciencia heraldica, que os considera como provas hereditarias de nobreza e dignidade. Neste sentido podemos marcar-lhe a origem desde o 'seculo xi, proveniente ou dos torneios, ou das cruzadas, ou da emulação entre as nobrezas antiga e noderna. Na sua historia tem o brazão duas phases distinctas, que são o seu zenith e nadir. Elevado na edade media a proporções exaggeradas, chegou a decabir em indifferente apathia. Era outrora a base da escala aristocratica, fundamento da maxima distincção social; hoje é quasi um mytho, e tornou-se um absurdo no meio é da moderna egualdade politica. Então, assim como a lingua latina era a lingua das sciencias e a franceza o é da diplomacia, formava elle uma linguagem viva e allegorica para toda a nobreza christã, unindo em confraternidade geral os nobres de todas as nações. Hoje o sopro da revolução crestou-lhe a importancia antiga e converteu-o em lenda. D'aquelles que a sorte colheu nos braços e encontraram por acaso um escudo insculpido no berço, passam uns obscuros e desapercebidos na sociedade que não comprehendem por defeito de educação; outros retemperam e avigoram com a nobreza do coração ou do talento as lettras já gastas e obliteradas de seus volhos pergaminhos. Os primeiros são um anachronismo, os segundos duplamente nobres. D'antes gloriavam-se os reis da sua fidalguia mais que da coroa, pospondo-lhe o proprio titulo de monarcha; hoje que a aristocracia se não escreve no papel mas se justifica com factos, bonram-se com o buril e com os premios que galardoam & vir tude. É este o pensamento do nosso seculo, porque hoje nobilitam todas as condições honestas. «A condição (diz algures A. Herculano) que pode distinguir o individuo nobre do individuo plebeu é uma só e está nelle; é o ser eminente. A materia não importa, o que importa é o obreiro.) Acceitando e professando os principios do presente, não devemos comtudo renegar o passado, em que predominava o amor da gloria creando cidadãos illustres. As distincções individuaes dos bene meritos da patria estendiam-se aos seus descendentes com o sancto fim de nelles excitar novos brios e emulação. Encadeiava-se assim em cada familia uma serie gloriosa de heroes, que recebiam com o nascimento a obrigação natural de serem grandes. Cada epocha tem character seu proprio; e se é absurdo subjeitarmos o presente a prescripções antigas, não é menos injusto avaliarmos o preterito pelas leis e principios da sociedade moderna. Ponhamos balizas entre os tempos, e concedamos a todos os seculos o seu quinhão de gloria no progresso da humanidade. Deixemos porém as nossas observações, e cedamos logar ao sr. Seabra d'Albuquerque para começar os seus estimaveis esbocetos dos brazões portuguezés. A. A. DA FONSECA PINTO. Tem por armas em campo azul pé de agua; d'esta sahindo, a mão, que se gura uma corôa real de ouro; em chefe estrella de prata de oito raios. Elmo de prata aberto e guarnecido de ouro. Paquife dos metaes e côres das armas. I É pequeno este brazão; mas, no seu todo, uma pagina de historia contém, que nos mostra fidelidade, amor da patria, honra e brios de um homem, votado á independencia da terra que o viu nascer, e que hoje, máo grado ás ideas da epocha, bem pode ser tomado como exemplo a muitos, que tão pouco timbram de verdadeiros portuguezes. Não se vêem no seu campo brilhar os Lizes de França, a Aguia bipartida dos imperadores, o Leopardo da soberba Albion, nem tão pouco o Leão da orgulhosa Castella; mas vê-se a mão vigorosa e forte de um portuguez, que, com a maior abnegação, fez por alcançar para a patria a sua independencia, para um principe o throno de seus maiores. Vê-se a mão que não se estendeu a Christovão de Moura, e que retirou de si essas cedulas, que compraram tanto traidor á patria, e que depois se descontentaram com o novo rei; porque, como diz um historiador, as mercês foram muito menos do que as promessas, ainda as feitas aquelles mesmos que, vencidos d'ellas, quizeram da escravidão da sua patria fabricar a esperança vă de suas melhoras, tão vãs, que, não chegando a ver das melhoras mais do que as promessas, com in. faustos fins acabaram todos a vida, da sua propria infamia castigados. Este brazão, em tudo portuguez, é um episodio da vida d'esse infeliz e ephemero reinado do filho do duque de Beja, e que bem merecia que nelle continuasse a nobre dynastia portugueza. II Os campos de Alcacer Quibir acabavam de sepultar um rei, e com elle a flor da nobreza de uma nação de beroes (4 de agosto de 1578). A occupar o throno, ainda coberto de negro crepe, sobe o velho cardeal, cuja edade e molestias mal podiam sustentar o peso de uma corôa, e que morreu deixando o reino cheio de ambiciosos pretendentes, que todos queriam ter o primeiro direito, sem que elle tivesse coragem, como o senhor D. João II, para nomear quem lhe deveria succeder. Ou, o que mais verdadeiro é, Christovão de Moura, já desde muito vendido a Filippe de Hespanha, tinha tudo apparelbado para que este succedesse no reino, porque de todos os pretendentes era de quem esperava mais conveniencia. Morreram o reino e o rei onde tinham nascido, o reino em a Henrique, e o rei em Almeirim : e, coincidencia notavel, em 1112 fundou a monarchia um forte Henrique, em 1512 um fraco Henrique, cavando a sua ruina durante o seu curto reinado, a sepulta no abysmo ! Foi difficil aos governadores poder sopear a onda popular; esta nunca esquece as suas antigas tradições. Foi ella que no campo de Ourique, desembainhando a valente espada, e ainda quente do sangue mauritano, ao grito de -- somos livres, e o nosso rei tambem é livre — collocou a corôa na cabeça do primeiro Affonso: nas côrtes de Coimbra egual grito se fez ouvir com o primeiro João, consolidada a corôa em Aljubarrota. Com a morte do cardeal D. Henrique a nobre e sempre memoravel villa de Santarem acclama rei a D. Antonio. É a onda popular que põe nelle os olhos como o unico principe capaz de defender a liberdade e independencia do reino: é o povo que lança de si as algemas, com que lhe pretende roxear os pulsos Christovão de Moura: é a canalha, como diz um historiador, que, vendido a Castella, até de escrever na sua propria lingua se envergonhou!, que em Setubal fez sabir pela janella os governadores, D. Jorge d'Almeida, arcebispo de Lisboa, D. Francisco de Sá, D. João Telles, D. João de Mascarenhas e D. Diogo Lopes de Sousa, os quaes, medrosos, só pararam em Ayamonte, e ahi aos 17 de julho de 1580 declararam rei de Portugal a D. Filippe II. Infeliz, e bem infeliz foi D. Antonio, que por toda a parte só encontrou traidores! Dos portuguezes, já degenerados da nobre e valorosa raça dos de Aljubarrota, só quatro mil lhe foram fieis; mas fizeram parar vinte mil na ponte de Alcantara, que eram commandados pelo maior cabo de guerra da Hespanha -Sancho de Avila. е Furia Sousa - Epitome de las historias portuguesas, |