Sahe Vasco da Gama de Melinde, e em quanto navega prosperamente, desce Baccho ao mar; descripção do palacio de Neptuno: convoca o mesmo Baccho os deoses maritimos, e lhes persuade destruam aos navegantes: em quanto isto se passa, refere o Velloso, por entreter aos seus companheiros, a historia dos doze de Inglaterra; levanta-se horrorosa tormenta: é aplacada por Venus, e pelas Nymphas: com bonança chegam finalmente a Calecut, ultimo e desejado termo d'esta navegação.
Parte-se de Melinde o illustre Gama, Com pilotos da terra, e mantimento: Desce Lyeo ao mar, Neptuno chama Todos os deoses do humido elemento: Conta Velloso, aos seus dando honra, e fama, Dos doze de Inglaterra o vencimento: Soccorre Venus a affligida armada, E á India chega tanto desejada.
Não sabia em que modo festejasse O Rei pagão os fortes navegantes; Para que as amizades alcançasse
Do Rei christão, das gentes tão possantes: Peza-lhe, que tão longe o aposentasse Das Europeas terras abundantes
A ventura, que não no fez visinho
D'onde Hercules ao mar abrio o caminho.
Com jogos, danças, e outras alegrias, A segundo a policia Melindana, Com usadas e ledas pescarias,
Com que a Lageia Antonio alegra, e engana, Este famoso Rei todos os dias
Festeja a companhia Lusitana,
Com banquetes, manjares desusados, Com fructas, aves, carnes, e pescados.
Mas vendo o Capitão, que se detinha Já mais do que devia, e o fresco vento O convida, que parta, e tome asinha Os pilotos da terra, e mantimento; Não se quer mais deter, que ainda tinha Muito para cortar do salso argento: Já do Pagão benigno se despede, Que a todos amizade longa pede.
Pede-lhe mais, que aquelle porto seja Sempre com suas frotas visitado; Que nenhum outro bem maior deseja, Que dar a taes barões seu reino e estado: E que emquanto o seu corpo o esp'rito reja, Estará de contino apparelhado
A pôr a vida, e reino totalmente Por tão bom Rei, por tão sublime gente.
Outras palavras taes lhe respondia O Capitão; e logo, as velas dando, Para as terras da Aurora se partia, Que tanto tempo ha já que vai buscando: No piloto, que leva, não havia Falsidade, mas antes vai mostrando A navegação certa; e assim caminha Já mais seguro do que d'antes vinha.
As ondas navegavam do Oriento
Já nos mares da India, e enxergavam Os thalamos do Sol, que nasce ardente; Já quasi seus desejos se acabavam.
Mas o máo de Thyoneo, que na alma sente As venturas, que então se apparelhavam gente Lusitana, d'ellas dina,
Arde, morre, blasphema, e desatina.
Via estar todo o Ceo determinado De fazer de Lisboa nova Roma: Não no pode estorvar: que destinado Está d'outro poder, que tudo doma. Do Olympo desce em fim desesperado, Novo remedio em terra busca, e toma: Entra no humido reino, e vai-se á corte D'aquelle, a quem o mar cahio em sorte.
No mais interno fundo das profundas Cavernas altas, onde o mar se esconde, Lá d'onde as ondas sahem furibundas; Quando ás iras do vento o mar responde, Neptuno mora, e moram as jocundas Nereas, e outros deoses do mar, onde As aguas campo deixam ás cidades, Que habitam estas humidas deidades.
Descobre o fundo nunca descoberto As areas alli de prata fina;
Torres altas se vêm no campo aberto Da transparente massa crystallina: Quando se chegam mais os olhos perto, Tanto menos a vista determina, Se é crystal o que vê, se diamante; Que assi se mostra claro, e radiante.
As portas d'ouro fino, e marchetadas Do rico aljofar, que nas conchas nace, De esculptura formosa estão lavradas, Na qual do irado Baccho a vista pace: E vê primeiro em cores variadas Do velho chaos a tão confusa face: Vêm-se os quatro elementos trasladados, Em diversos officios occupados.
Alli sublime o Fogo estava em cima, Que em nenhuma materia se sostinha, D'aqui as cousas vivas sempre anima, Depois que Prometheo furtado o tinha. Logo apoz elle leve se sublima
O invisibil Ar, que mais asinha Tomou lugar, e nem por quente, ou frio, Algum deixa no mundo estar vazio.
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