Imagens das páginas
PDF
ePub

LXXXIV

Nem creais, Nymphas, não, que fama desse
A quem ao bem commum, e do seu Rei
Antepuzer seu proprio interesse,
Imigo da divina e humana lei;
Nenhum ambicioso, que quizesse
Subir a grandes cargos, cantarei,
Só por poder com torpes exercicios
Usar mais largamente de seus vicios.

LXXXV

Nenhum, que use de seu poder bastante
Para servir a seu desejo feio,

E que, por comprazer ao vulgo errante,
Se muda em mais figuras, que Proteio;
Nem, Camenas, tambem cuideis, que cante
Quem com habito honesto e grave veio,
Por contentar ao Rei no officio novo,
A despir, e roubar o pobre povo.

LXXXVI

Nem quem acha, que é justo, e que é direito
Guardar-se a lei do Rei severamente,
E não acha, que é justo, e bom respeito,
Que se pague o suor da servil gente;
Nem quem sempre com pouco esperto peito
Razões aprende, e cuida que é prudente
Para taxar com mão rapace, e escassa,
Os trabalhos alheios, que não passa.

LXXXVII

Aquelles sós direi, que aventuraram
Por seu Deos, por seu Rei, a amada vida,
Onde, perdendo-a, em fama a dilataram,
Tão bem de suas obras merecida :
Apollo, e as Musas, que me acompanharam,
Me dobrarão a furia concedida,

Em quanto eu tomo alento descansado,
Por tornar ao trabalho, mais folgado.

OS LUSIADAS

CANTO OITAVO

ARGUMENTO

DO CANTO OITAVO

Vê o Governador de Calecut varias pinturas nas bandeiras da Armada, e ouve a declaração que d'ellas lhe faz Paulo da Gama: origem do nome Lusitania: feitos gloriosos dos Reis de Portugal (e de seus vassallos) até El-Rei D. Affonso V: manda o Samori aos Haruspices, que especulem o futuro a respeito da Armada: elles o informam contra os navegantes: pretendem destruir o Gama, o qual satisfaz ao Rei com uma notavel falla.

OUTRO ARGUMENTO

Vêm-se de Lusitania os fundadores,
E aquelles que por feitos valerosos,
De alta memoria são merecedores,
De hymnos, e de versos numerosos:
Como de Calecut os Regedores
Consultam os Haruspices famosos,
E corruptos com dadivas possantes,
Tratam de destruir os navegantes.

OS LUSIADAS

CANTO OITAVO

I

Na primeira figura se detinha
O Catual, que vira estar pintada,
Que por divisa um ramo na mão tinha,
A barba branca, longa, e penteada:
«Quem era, e por que causa lhe convinha
A divisa, que tem na mão tomada?
Paulo responde, cuja voz discreta
O Mauritano sabio lhe interpreta.

II

Estas figuras todas, que apparecem,
Bravos em vista, e feros nos aspeitos,
Mais bravos e mais feros se conhecem
Pela fama nas obras, e nos feitos :
Antigos são, mas inda resplandecem
Co'o nome, entre os engenhos mais perfeitos:
Este, que vês, é Luso d'onde a fama
O nosso reino Lusitania chama.

« AnteriorContinuar »