O mesmo o falзo Mouro determina, Que o seguro Christão lhe manda, e pede; Que a ilha é possuida da malina Gente, que segue o torpe Mafamede; Aqui o engano, e morte lhe imagina, Porque em poder e forças muito excede A Moçambique esta ilha, que se chama Quíloa, mui conhecida pela fama.
Para lá se inclinava a leda frota: Mas a deosa em Cythere celebrada, Vendo como deixava a certa rota, Por ir buscar a morte não cuidada; Não consente, que em terra tão remota Se perca a gente d'ella tanto amada; E com ventos contrarios a desvia, D'onde o piloto falso a leva, e guia.
Mas o malvado Mouro, não podendo Tal determinação levar avante, Outra maldade iniqua commettendo, Ainda em seu proposito constante; Lhe diz, que pois as aguas discorrendo, Os levaram por força por diante Que outra ilha tem perto, cuja gente Eram Christãos com Mouros juntamente.
Tambem n'estas palavras lhe mentia, Como por regimento em fim levava; Que aqui gente de Christo não havia, Mas a que a Mafamede celebrava. O capitão, que em tudo o Mouro cria, Virando as velas, a ilha demandava: Mas, não querendo a deosa guardadora Não entra pela barra, e surge fóra.
Estava a ilha á terra tão chegada, Que um estreito pequeno a dividia; Uma cidade n'ella situada,
Que na fronte do mar apparecia, De nobres edificios fabricada, Como por fóra ao longe descobria, Regida por um Rei de antigua idade, Mombaça é o nome da ilha, e da cidade.
E sendo a ella o Capitão chegado, Estranhamente ledo; porque espera De poder ver o povo baptisado, Como o falso piloto lhe dissera: Eis vem bateis da terra com recado Do Rei, que já sabia a gente que era; Que Baccho muito de antes o avisara, Na forma d'outro Mouro, que tomara.
O recado, que trazem, é de amigos, Mas debaixo o veneno vem coberto; Que os pensamentos eram de inimigos, Segundo foi o engano descoberto. Oh grandes, e gravissimos perigos! Oh caminho da vida nunca certo! Que aonde a gente põe sua esperança, Tenha a vida tão pouca segurança !
No mar tanta tormenta, e tanto damno, Tantas vezes a morte apercebida ! Na terra tanta guerra, tanto engano, Tanta necessidade aborrecida!
Onde pode acolher-se um fraco humano, Onde terá segura a curta vida?
Que não se arme, e se indigne o Ceo sereno Contra um bicho da terra tão pequeno?
Instigado do Demonio pretende El-Rei de Mombaça destruir os navegantes: dispõe-lhes traições debaixo de fingida amizade: apparece Venus a Jupiter, e intercede pelos Portuguezes; e elle lhe promette favorecel-os, e lhe refere, como em prophecia, algumas façanhas dos mesmos no Oriente em sonhos apparece Mercurio ao Gama, e lhe adverte, que evite o perigo de Mombaça: leva ancoras, chega a Melinde, cujo Rei o recebe, e hospéda benignamente.
Dar El-Rei de Mombaça o fim prepara Ao Gama illustre, com mortal engano; Desce Venus ao mar, a frota ampara, E a fallar sobe ao Padre soberano: Jove os casos futuros lhe declara; Apparece Mercurio ao Lusitano;
Chega a frota a Melinde; e o Rei potente Em seu porto a recebe alegremente.
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