Primeiro hade tornar o brando Lima Que no meu peito novo amor se imprima. Contra este argumento diz Faria e Sousa, que Luiz de Camões ou escreveu a Ecloga quando era ainda amigo de Bernardes, ou que Bernardes para a tornar sua The imprimiu essa allusão da sua personalidade. Fortalece-se com a perda de Parnaso de Camões, e sustenta, que das vinte Eclogas de Bernardes só lhe pertencem genuinamente a II, a XII, a XVI e XVII. Conhecido o caracter pouco integro de Bernardes, a dilação na publicidade dos seus versos, e a intimidade com Pedro de Andrade Caminha, facilmente se comprehende esta falta de probidade litteraria. CAPITULO V Frei Agostinho da Cruz Caracter mystico de Frei Agostinho da Cruz. - Sua primeira educação devida a Diogo Bernardes. — Vem para Lisboa, para a casa do Duque Dom Duarte. Meio fanatico em que viveu até aos vinte annos. Queima os seus versos antes de vestir o habito de capucho. Successos politicos do seculo xvi citados nos seus versos. - Conhece Fernão Rodrigues Lobo Soropita. - Conta a morte de Diogo Bernardes. racter dos seus versos. Ca Na poesia lyrica do seculo XVI, Frei Agostinho da Cruz representa a aliança do mysticismo christão com o platonismo de Petrarcha imitado pelos Quinhentistas. A eschola italiana da Peninsula soffreu esta transformação; a Frei Luiz de Leão em Hespanha, corresponde Frei Agostinho da Cruz em Portugal. (1) Frei Agostinho da Cruz era irmão mais moço de Diogo Bernardes; sabem-se as datas da sua vida por terem sido conservadas no obituario do convento da Arrabida, d'onde em 1771 as recolheu o professor José Caetano de Mesquita. Nasceu em Ponte do Lima em 1540 (2); era seu pae Diogo Bernardes Pimenta; antes da profissão era conhecido pelo nome de Agostinho Pimenta. (1) Estudos da Edade Media, no ensaio sobre a Poesia Mystica amorosa. (2) Mesquita dá-o por natural da Ponte da Barca, o que é inadmissivel, como se vê pela biographia de Bernardes. Nos primeiros annos que viveu em Ponte de Lima entregou-se com seu irmão mais velho á cultura da poesia. Na Elegia á morte de Diogo Bernardes descreve a sua infancia descuidada: Lembra-me d'aquella edade que passava Lembra-me quantas vezes succedia Outros mil pensamentos renovados Que nunca hãode tornar tempos passados. Em uma Carta a seu irmão tambem escreve: Meu mestre, meu irmão, etc. Qual a primeira direcção poetica que seguiu, conhece-se pelos seus versos de redondilha, pelos Vilancetes, Voltas, Endechas e Glosas, que ainda se conservam nas suas obras, apezar de ter queimado todos os versos quando entrou para a ordem da Arrabida: Os versos que cantei importunado Agostinho Pimenta viveu em Ponte de Lima até ao tempo em que Dom João III deu Casa a Dom Duarte, filho do Infante Dom Duarte seu irmão. O pae de Agostinho o accommodou na Casa d'aquelle principe, aonde Pedro de Andrade Caminha era Camareiro-mór. Agostinho contava menos de dezeseis annos quando veiu para Lisboa; Dom Duarte nascera em 1541, e a mesma edade, o seu caracter melancholico e fanatico não pouco influiram para conservar no joven poeta o fervor mystico que trouxera da santidade do lar para a côrte. Protector de Caminha por causa dos seus escriptos poeticos, Agostinho Pimenta encontrou tambem o mesmo favor e distincção em seu amo. Entre os fidalgos que frequentavam a Casa de Dom Duarte, o Duque de Aveiro Dom Alvaro de Alecastro, e seu filho o Duque de Torres Novas amigo de Ferreira, estimavam Agostinho, e por sua intervenção e valimento para com tão poderosos amigos é que conseguiu o alcançar publicidade para o Lima de Diogo Bernardes. Poeta e dotado de uma bondade de criança, Agostinho Pimenta tinha de obedecer fatalmente ás causas que o precipitavam no languor mystico; a Infanta Dona Isabel mãe de Dom Duarte, não era menos fanatica do que seu marido; conhece-se isto pela Vida do Infante que mandou escrever ao Mestre André de Resende. Esse livro milagreiro e quasi insensato devia ser lido pelo imaginoso provinciano. A casa da Infanta Dona Isabel era invadida pelos frades da Arrabida, que aí iam moralisar para alcançarem dotações para o seu Mosteiro de Sam José de Ribamar. Por este tempo falava-se na conversão mara vilhosa de Frei Jacome Peregrino o Tio, que abandonara o seculo por influencia de uma visita ao sitio da Arrabida. O sincero e impressionavel Agostinho Pimenta maravilhava-se com as pregações de Frei Jacome, e allucinado por ellas, apresentou-se á Duqueza, padroeira do convento de Santa Catharina de Ribamar pedindo o habito de Capucho; Frei Jacome tambem pediu licença á Duqueza, e Agostinho tomou o habito a 3 de Maio de 1560, indo passar o noviciado no convento de Santa Cruz da Serra de Cintra. Era triste vêr uma criança de vinte annos anullar uma vida ridente, e precipitar-se no vacuo. Comprehendendo-se esta barbaridade, é que se conhece quão verdadeiros são estes versos de seu irmão Diogo Bernardes, escriptos depois de tomar o habito, e em que se queixa de não lhe haver communicado a sua resolução: Em que te mereci, oh Agostinho, Que n'esta escura selva me deixasses, Eu que te mereci que me negasses Agora sinto, irmão, agora vejo Agostinho Pimenta trocara o seu nome pelo de Frei Agostinho da Cruz; escreveu a seu irmão uma Carta |