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111.

Já a vista pouco e pouco se desterra
Daquelles patrios montes que ficavam :
Ficava o charo Tejo, e a fresca serra
De Cintra, e nella os olhos se alongavam.
Ficava-nos tambem na amada terra
O coração, que as magoas lá deixavam;
E já despois que toda se escondeo,
Não vimos mais em fim que mar, e ceo.

IV.

Assi fomos abrindo aquelles mares
Que geração alguma não abrio,
As novas ilhas vendo, e os novos ares,
Que o generoso Henrique descobrio:
De Mauritania os montes, e lugares,
Terra que Antheo n'hum tempo possuïo,
Deixando á mão esquerda; que á direita
Não ha certeza d'outra, mas suspeita.

v.

Passamos a grande ilha da Madeira,
Que do muito arvoredo assi se chama;
Das que nós povoamos a primeira,
Mais celebre por nome, que por fama
Mas nem por ser do mundo a derradeira
Se lhe avantajam quantas Venus ama;
Antes sendo esta sua, se esquecera
De Cypro, Gnido, Paphos, e Cythera.

VI.

Deixamos de Massylia a esteril costa,
Onde seu gado os Azenegues pastam;
Gente que as frescas aguas nunca gosta,
Nem as hervas do campo bem lhe abastam :
A terra a nenhum fructo emfim disposta,
Onde as aves no ventre o ferro gastam,
Padecendo de tudo extrema inopia,
Que aparta a Barbaria de Ethiopia.

VII.

Passamos o limite aonde chega
O Sol, que para o Norte os carros guia,
Onde jazem os povos, a quem nega
O filho de Clymene a cor do dia.
Aqui gentes estranhas lava, e rega
Do negro Sanagá a corrente fria,
Onde o cabo Arsinario o nome perde,
Chamando-se dos nossos Cabo-verde.

VIII.

Passadas tendo já as Canarias ilhas,
Que tiveram por nome Fortunadas,
Entramos navegando pelas filhas
Do velho Hesperio, Hesperidas chamadas;
Terras por onde novas maravilhas
Andaram vendo já nossas armadas :
Alli tomamos porto com bom vento,
Por tomarmos da terra mantimento.

IX.

Áquella ilha aportamos, que tomou
O nome do guerreiro Sanct-Iago;
Sancto, que os Hespanhoes tanto ajudou
A fazerem nos Mouros bravo estrago.
Daqui, tanto que Boreas nos ventou,
Tornamos a cortar o immenso lago
Do salgado Oceano, e assi deixamos
A terra, onde o refresco doce achamos,

x.

Por aqui rodeando a larga parte
De Africa, que ficava ao Oriente,
A provincia Jalofo, que reparte
Por diversas nações a negra gente;
A mui grande Mandinga, por cuja arte
Logramos o metal rico e luzente,
Que do curvo Gambea as aguas bebe,
As quaes o largo Atlantico recebe :

XI.

As Dorcadas passamos, povoadas
Das irmãas, que outro tempo alli viviam,
Que de vista total sendo privadas,
Todas tres d'hum só olho se serviam.
Tu só, tu cujas tranças encrespadas
Neptuno lá nas aguas accendiam,
Tornada já de todas a mais fea,
De viboras encheste a ardente area!

XII.

Sempre em fim para o Austro a aguda proa, No grandissimo golfam nos mettemos,

Deixando a serra asperrima Leoa,

Co'o cabo, a quem das Palmas nome demos: O grande rio, onde batendo soa

O mar nas praias notas, que alli temos,

Ficou, co' a ilha illustre que tomou

O nome d'hum, que o lado a Deos tocou.

ΧΙΙΙ.

Alli o mui grande reino está de Congo,
Por nós já convertido á fé de Christo,
Por onde o Zaire passa claro e longo,
Rio pelos antiguos nunca visto.
Por este largo mar em fim me alongo
Do conhecido polo de Callisto,
Tendo o termino ardente já passado,
Onde o meio do mundo he limitado.

XIV.

Já descoberto tinhamos diante,

Lá no novo hemispherio, nova estrella,
Não vista de outra gente, que ignorante
Alguns tempos esteve incerta della:
Vimos a parte menos rutilante,
E por falta d' estrellas mehos bella,
Do polo fixo, onde inda se não sabe
Que outra terra comece, ou mar acabe.

xv.

Assi passando aquellas regiões,
Por onde duas vezes passa Apolo,
Dous invernos fazendo, e dous verões,
Em quanto corre d'hum ao outro polo;
Por calmas, por tormentas, e oppressões,
Que sempre faz no mar o irado Eolo,
Vimos as Ursas, a pezar de Juno,
Banharem-se nas aguas de Neptuno.

XVI.

Contar-te longamente as perigosas

Cousas do mar, que os homens não entendem, Subitas trovoadas, temerosas,

Relampagos, que o ar em fogo accendem; Negros chuveiros, noites tenebrosas, Bramidos de trovões, que o mundo fendem, Não menos he trabalho, que grande erro, Aindaque tivesse a voz de ferro.

XVII.

Os casos vi, que os rudos marinheiros,
Que tem por mestra a longa experiencia,
Contam por certos sempre, e verdadeiros,
Julgando as cousas só pela apparencia;
E que os que tem juizos mais inteiros,
Que só por puro engenho, e por sciencia,
Vem do mundo os segredos escondidos,
Julgam por falsos, ou mal entendidos.

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