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XCVI.

Não co' os manjares novos e exquisitos,
Não co' os passeios molles e ociosos,
Não co' os varios deleites e infinitos,
Que affeminam os peitos generosos;
Não co' os nunca vencidos appetitos,
Que a fortuna tem sempre tão mimosos,
Que não soffre a nenhum, que o passo mude
Para alguma obra heroica de virtude :

XCVII.

Mas com buscar co' o seu forçoso braço
As honras, que elle chame proprias suas;
Vigiando, e vestindo o forjado aço,
Soffrendo tempestades, e ondas cruas;
Vencendo os torpes frios no regaço
Do Sul, e regiões de abrigo nuas;
Engolindo o corrupto mantimento,
Temperado c'hum arduo soffrimento:

XCVIII.

E com forçar o rosto, que se enfia,
A parecer seguro, ledo, inteiro,
Para o pelouro ardente, que assovia,
E leva a perna ou braço ao companheiro.
Desta arte, o peito hum callo honroso cria,
Desprezador das honras, e dinheiro;
Das honras, e dinheiro, que a ventura
Forjou, e não virtude justa, e dura.

227 XCIX.

Desta arte, se esclarece o entendimento,
Que experiencias fazem repousado;
E fica vendo, como de alto assento,
O baixo trato humano embaraçado :
Este, onde tiver força o regimento
Direito, e não de affeitos occupado,
Subirá (como deve) a illustre mando,
Contra vontade sua, e não rogando.

Os Lusiadas.

CANTO SEPTIMO.

J

I.

terra,

A se viam chegados junto á
Que desejada já de tantos fora,
Que entre as correntes Indicas se encerra,
E o Ganges, que no ceo terreno mora.
Ora sus, gente forte, que na guerra
Quereis levar a palma vencedora;
Já sois chegados, já tendes diante
A terra de riquezas abundante.

II.

A vós, o geração de Luso, digo,
Que tão pequena parte sois no mundo;
Não digo inda no mundo, mas no amigo
Curral de quem governa o ceo rotundo:
Vós, a quem não somente algum perigo
Estorva conquistar o povo immundo;
Mas nem cobiça, ou pouca obediencia
Da Madre, que nos Ceos está em essencia:

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Vós, Portuguezes poucos, quanto fortes,
Que o fraco poder vosso não pesais;
Vós, que á custa de vossas varias mortes
A Lei da vida eterna dilatais:

Assi do ceo deitadas são as sortes,
Que vós por muito poucos que sejais,
Muito façais na sancta Christandade:
Que tanto, ó Christo, exaltas a humildade !

IV.

Vede-los Alemães, soberbo gado,

Que por tão largos campos se apascenta,
Do successor de Pedro, rebellado,
Novo pastor, e nova seita inventa:
Vede-lo em feas guerras occupado,
Que inda co' o cego error se não contenta;
Não contra o superbissimo Othomano,
Mas por sahir do jugo soberano.

v.

Vede-lo duro Inglez, que se nomea
Rei da velha e sanctissima Cidade,
Que o torpe Ismaelita senhorea,
(Quem vio honra tão longe da verdade!)
Entre as Boreaes neves se recrea,
Nova maneira faz de Christandade;
Para os de Christo tem a espada nua,
Não por tomar a terra que era sua.

VI.

Guarda-lhe por entanto hum falso Rei
A cidade Hierosolyma terreste,
Em quanto elle não guarda a sancta lei
Da cidade Hierosolyma celeste.

Pois de ti, Gallo indigno, que direi?
Que o nome Christianissimo quizeste,
Não para defende-lo, nem guarda-lo,
Mas para ser contra elle, e derriba-lo.

VII.

Achas que tens direito em senhorias
De Christãos, sendo o teu tão largo e tanto;
E não contra o Cinypho e Nilo, rios
Inimigos do antiguo nome santo?
Alli se hão de provar da espada os fios,
Em quem quer reprovar da Igreja o canto.
De Carlos, de Luïs, o nome e a terra
Herdaste, e as causas não da justa guerra!

VIII.

Pois que direi daquelles, que em delicias,
Que o vil ocio no mundo traz comsigo,
Gastam as vidas, logram as divicias,
Esquecidos de seu valor antigo?
Nascem da tyrannia inimicicias,
Quo o povo forte tem de si inimigo:
Comtigo Italia fallo, já submersa
Em vicios mil, e de ti mesma adversa.

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