Não co' os manjares novos e exquisitos, Não co' os passeios molles e ociosos, Não co' os varios deleites e infinitos, Que affeminam os peitos generosos; Não co' os nunca vencidos appetitos, Que a fortuna tem sempre tão mimosos, Que não soffre a nenhum, que o passo mude Para alguma obra heroica de virtude :
Mas com buscar co' o seu forçoso braço As honras, que elle chame proprias suas; Vigiando, e vestindo o forjado aço, Soffrendo tempestades, e ondas cruas; Vencendo os torpes frios no regaço Do Sul, e regiões de abrigo nuas; Engolindo o corrupto mantimento, Temperado c'hum arduo soffrimento:
E com forçar o rosto, que se enfia, A parecer seguro, ledo, inteiro, Para o pelouro ardente, que assovia, E leva a perna ou braço ao companheiro. Desta arte, o peito hum callo honroso cria, Desprezador das honras, e dinheiro; Das honras, e dinheiro, que a ventura Forjou, e não virtude justa, e dura.
Desta arte, se esclarece o entendimento, Que experiencias fazem repousado; E fica vendo, como de alto assento, O baixo trato humano embaraçado : Este, onde tiver força o regimento Direito, e não de affeitos occupado, Subirá (como deve) a illustre mando, Contra vontade sua, e não rogando.
A se viam chegados junto á Que desejada já de tantos fora, Que entre as correntes Indicas se encerra, E o Ganges, que no ceo terreno mora. Ora sus, gente forte, que na guerra Quereis levar a palma vencedora; Já sois chegados, já tendes diante A terra de riquezas abundante.
A vós, o geração de Luso, digo, Que tão pequena parte sois no mundo; Não digo inda no mundo, mas no amigo Curral de quem governa o ceo rotundo: Vós, a quem não somente algum perigo Estorva conquistar o povo immundo; Mas nem cobiça, ou pouca obediencia Da Madre, que nos Ceos está em essencia:
Vós, Portuguezes poucos, quanto fortes, Que o fraco poder vosso não pesais; Vós, que á custa de vossas varias mortes A Lei da vida eterna dilatais:
Assi do ceo deitadas são as sortes, Que vós por muito poucos que sejais, Muito façais na sancta Christandade: Que tanto, ó Christo, exaltas a humildade !
Vede-los Alemães, soberbo gado,
Que por tão largos campos se apascenta, Do successor de Pedro, rebellado, Novo pastor, e nova seita inventa: Vede-lo em feas guerras occupado, Que inda co' o cego error se não contenta; Não contra o superbissimo Othomano, Mas por sahir do jugo soberano.
Vede-lo duro Inglez, que se nomea Rei da velha e sanctissima Cidade, Que o torpe Ismaelita senhorea, (Quem vio honra tão longe da verdade!) Entre as Boreaes neves se recrea, Nova maneira faz de Christandade; Para os de Christo tem a espada nua, Não por tomar a terra que era sua.
Guarda-lhe por entanto hum falso Rei A cidade Hierosolyma terreste, Em quanto elle não guarda a sancta lei Da cidade Hierosolyma celeste.
Pois de ti, Gallo indigno, que direi? Que o nome Christianissimo quizeste, Não para defende-lo, nem guarda-lo, Mas para ser contra elle, e derriba-lo.
Achas que tens direito em senhorias De Christãos, sendo o teu tão largo e tanto; E não contra o Cinypho e Nilo, rios Inimigos do antiguo nome santo? Alli se hão de provar da espada os fios, Em quem quer reprovar da Igreja o canto. De Carlos, de Luïs, o nome e a terra Herdaste, e as causas não da justa guerra!
Pois que direi daquelles, que em delicias, Que o vil ocio no mundo traz comsigo, Gastam as vidas, logram as divicias, Esquecidos de seu valor antigo? Nascem da tyrannia inimicicias, Quo o povo forte tem de si inimigo: Comtigo Italia fallo, já submersa Em vicios mil, e de ti mesma adversa.
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