Desque passar a via mais que mea, Que ao Antarctico polo vai da Linha, D' huma estatura quasi gigantea Homens verá, da terra alli visinha. E mais avante o Estreito, que se arrea Co'o nome delle agora, o qual caminha Para outro mar, e terra, que fica onde Com suas frias azas o Austro a esconde.
Atéqui, Portuguezes, concedido Vos he saberdes os futuros feitos, Que pelo mar, que já deixais sabido, Virão fazer barões de fortes peitos. Agora, pois que tendes apprendido Trabalhos, que vos façam ser acceitos Ás eternas esposas, e formosas, Que coroas vos tecem gloriosas:
Podeis-vos embarcar, que tendes vento E mar tranquillo para a patria amada. Assi lhe disse: e logo movimento Fazem da ilha alegre e namorada: Levam refresco, e nobre mantimento, Levam a companhia desejada Das nymphas, que hão de ter eternamente, Por mais tempo que o Sol o mundo aquente.
Assi foram cortando o mar sereno Com vento sempre manso, e nunca irado, Até que houveram vista do terreno Em que nasceram, sempre desejado. Entraram pela foz do Tejo ameno, E á sua patria, e Rei temido e amado, O premio e gloria dam, porque mandou, E com titulos novos se illustrou.
No mais, Musa, no mais, que a lyra tenho Destemperada, e a voz enrouquecida; E não do canto, mas de ver que venho Cantar a gente surda, e endurecida.
O favor com que mais se accende o engenho, Non-o dá a Patria, não, que está mettida No gosto da cobiça, e na rudeza D'huma austera, apagada, e vil tristeza.
E não sei porque influxo de destino Não tem hum ledo orgulho, e geral gosto, Que os animos levanta de contino, A ter para trabalhos ledo o rosto. Por isso vós, ó Rei, que por divino Conselho estais no regio solio posto, Olhai que sois (e vede as outras gentes) Senhor só de vassallos excellentes!
Olhai que ledos vam, por varias vias, Quaes rompentes leões, e bravos touros, Dando os corpos a fomes, e vigias, A ferro, a fogo, a settas, e pelouros : A quentes regiões, a plagas frias, A golpes de Idolátras, e de Mouros, A perigos incognitos do mundo,
A naufragios, a peixes, ao profundo :
Por vos servir a tudo apparelhados, De vós tão longe, sempre obedientes, A quaesquer vossos asperos mandados, Sem dar resposta, promptos e contentes: Só com saber que sam de vós olhados, Demonios infernaes, negros, e ardentes Commetterão comvosco, e não duvido Que vencedor vos façam, não vencido.
Favorecei-os logo, e alegrai-os Com a presença, e leda humanidade; De rigorosas leis desalivai-os, Que assi se abre o caminho á sanctidade: Os mais exprimentados levantai-os, Se com a experiencia tem bondade, Para vosso conselho; pois que sabem O como, o quando, e onde as cousas cabem.
Todos favorecei em seus officios, Segundo tem das vidas o talento: Tenham, Religiosos, exercicios De rogarem por vosso regimento; Com jejuns, disciplina, polos vicios Communs; toda ambição terão por vento; Que o bom Religioso verdadeiro Gloria vãa não pretende, nem dinheiro.
Os cavalleiros tende em muita estima, Pois com seu sangue intrepido, e fervente, Estendem não somente a Lei de cima, Mas inda vosso imperio preeminente : Pois aquelles que a tão remoto clima Vos vam servir com passo diligente, Dous inimigos vencem, huns os vivos, E, o que he mais, os trabalhos excessivos.
Fazei, Senhor, que nunca os admirados Alemães, Gallos, Italos, e Inglezes, Possam dizer, que sam para mandados, Mais que para mandar, os Portuguezes. Tomai conselhos só d' exprimentados, Que viram largos annos, largos mezes; Que postoque em scientes muito cabe, Mais em particular o experto sabe.
De Phormion philosopho elegante Vereis como Annibal escarnecia, Quando das artes bellicas, diante Delle, com larga voz, tratava elia. A disciplina militar prestante Não se apprende, Senhor, na phantasia, Sonhando, imaginando, ou estudando; Senão vendo, tratando, e pelejando.
Mas eu que fallo, humilde, baxo e rudo, De vós não conhecido, nem sonhado ? Da boca dos pequenos sei com tudo, Que o louvor sahe ás vezes acabado: Nem me falta na vida honesto estudo, Com longa experiencia misturado, Nem engenho; que aqui vereis presente, Cousas que juntas se acham raramente.
Para servir-vos, braço ás armas feito, Para cantar-vos, mente ás Musas dada, Só me fallece ser a vós acceito, De quem virtude deve ser prezada : Se me isto o ceo concede, e o vosso peito Digna empreza tomar de ser cantada, Como a presaga mente vaticina, Olhando a vossa inclinação divina:
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