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SEGUNDA ÉPOCA

(SECULOS XVI E XVII)

A UNIVERSIDADE SOB A INFLUENCIA DA RENASCENÇA E DA REACÇÃO CONTRA O PROTESTANTISMO

SECÇÃO 2."

Reacção dos Jesuitas contra o Protestantismo
ou emancipação intellectual da Reforma

CAPITULO I

A crise religiosa e politica, e o estabelecimento da Companhia de Jesus

A crise de reacção do seculo xvi é religiosa e politica, determinada pela confusão dos dois Poderes: Os Papas procuram collocar-se acima dos Concilios, e libertar-se das Egrejas nacionaes, tornando subalterno o poder dos Bispos.Os Reis procuram nas suas luctas realisar o sonho da Monarchia universal, e tentam promover a Reforma religiosa, tornada necessaria pela situação dos papas como principes italianos. Os papas resistem á necessidade da convocação de um Concilio.-Impossibilidade das ordens monasticas de defenderem o Papado.-Necessidade de uma corporação não ascetica para luctar contra os assaltos á hierarchia ecclesiastica.-Na crise religiosa o Jesuitismo apparece como uma nova phase do Catholicismo.-Loyola e os seus companheiros obedecem a uma corrente que não comprehendem.-A fundação de Collegios como meio de sequestração da mocidade, e o assalto ás Universidades.-Paulo III, que se submette á convocação de um Concilio, faz concessões excepcionaes á Companhia de Jesus.-Dissidencia entre D. João e Paulo ш explorada por Ignacio de Loyola e Simão Rodrigues. Como os Jesuitas se impõem a Paulo III: Laynez e Salmeron, corypheus no Concilio de Trento, vindicando a infallibilidade do papa-Como na rivalidade da França, Hespanha e Allemanha, o papado liberta-se no Concilio de Trento do espirito democratico dos Concilios de Constança e Basilêa.-Portuguezes no Concilio de Trento: Diogo de Paiva de Andrade, D. Jorge de

Athayde, D. Fernando Martins Mascarenhas, Frei Francisco Foreiro, Diogo de Gouvêa e João Paes.-O caracter pedagogico da Companhia de Jesus, conservado sob os Geraes hespanhoes, é substituido pelo caracter politico, sob os Geraes italianos.-A alliança dos dois poderes temporal e espiritual para a defeza mutua determina as perseguições religiosas: Carranza, Sanches Brocense, Damião de Goes, Carnesechia, etc.- A mortandade da SaintBarthélemy; como foi recebida em Portugal a noticia.-A situação dos Jesuitas entre a politica da Casa de Austria e da França.-Trabalham por conta de Carlos v para a incorporação de Portugal na Hespanha; e depois contra Filippe 11, e a favor da independencia de Portugal, em beneficio dos Braganças. A theoria da Rebellião. Apoiam-se na Universidade para a questão dos direitos ao throno nacional.- Filippe I mostra-se hostil á Universidade de Coimbra.-Expoliação do Paço das Escholas.-A Universidade fica jurando annualmente as determinações do Concilio de Trento.

Ao encetarmos o estudo da grande época da Renascença, que se estende, segundo Lange, dos fins do seculo XV a meados do seculo XVII, vimos como a crise mental europêa se manifestou sob o caracter philologico, seguindo as correntes do humanismo italiano, allemão e francez, sendo este ultimo o que actuou de um modo directo na pedagogia portugueza. Do conhecimento mais completo das linguas classicas e do exame critico dos textos biblicos resultou essa emancipação de consciencia, que veiu tornar systematica a decomposição do regimen catholico-feudal no seu duplo aspecto religioso e politico. Esta segunda phase da Renascença, que se dispende em questões theologicas sobre os dogmas da graça e da justificação pelas obras, sobre a communhão nas duas especies, sobre a supremacia do papa diante dos concilios, tornou-se extremamente grave pela agitação politica, quando as doutrinas da Reforma foram combatidas, exploradas ou protegidas pelas tres monarchias da Europa, cujos chefes aspiravam á monarchia universal. Vêmos n'esta crise, da parte dos papas, uma ambição desvairada para se tornarem principes italianos, decaíndo profundamente do ascendente moral, desde Alexandre vi e Julio II a Leão X, e tornando, pelos seus crimes, reconhecida geralmente necessaria uma reforma na Egreja, que elles foram procrastinando até Paulo III. Da parte das monarchias temporaes vêmos a realeza intervir directamente nas Egrejas nacionaes, envolver os papas ora na politica imperial ora na politica franceza, que se debatiam nas suas intrigas nas deliberações do concilio geral, por onde foram arrastadas aos morticinios do mais exaltado fanatismo, desde o exterminio dos Valdenses até á noite sangrenta da Saint-Barthélemy. Tal era a anarchia social provocada pelo simples phenomeno da confusão dos dois poderes, e que veiu tornar odiosa a

dictadura monarchica, activando assim a decomposição temporal. Comte synthetisa em luminosas phrases o aspecto d'esta crise: «A reacção directa da explosão negativa consistiu por toda a parte a desenvolver mais a confusão dos dois poderes, resultada espontaneamente da phase inicial. Esta unanime alteração do principal progresso da Edade média foi primeiramente systematisada pelo Protestantismo, cujo successo dependeu sobretudo da sua tendencia necessaria a subordinar o sacerdocio ao governo. Tendo rejeitado toda a auctoridade espiritual, fazendo prevalecer o exame individual, elle não podia evitar uma inteira anarchia senão submettendo a Egreja ao Estado, cujo poder representava a supremacia material emanada do numero, em virtude da egualdade. Mas, o Catholicismo soffreu tambem uma submissão quasi equivalente, posto que a separação fundamental dos dois poderes nunca fosse rejeitada. A differença real entre os dois modos de degradação reduz-se a que, entre os catholicos, os principaes gráos do sacerdocio emanaram unicamente do governo, conservando a influencia hierarchica; emquanto que os protestantes estenderam a usurpação temporal até aos minimos gráos. Esta diversidade achou-se determinada pela tendencia natural de cada clero para o systema de dictadura que melhor pudesse consolidar a sua existencia material. Assim, o Catholicismo foi levado a secundar o ascendente monarchico, e o Protestantismo a favorecer a supremacia aristocratica.» N'esta lucta da confusão dos dois poderes, o Catholicismo dos papas carecia de reorganisar-se para resistir ao conflicto da existencia social: tinha de contrapôr ao absolutismo das monarchias o absolutismo da theocracia, como a sonharam Gregorio VII e Innocencio III; e á corrente do livre-pensamento uma disciplina que submettesse as intelligencias ás concepções theologicas. Era um plano chimerico de restauração do passado; rasoavelmente não podia surgir do seio da propria Egreja. Sómente um hallucinado, um cerebro desvairado por incompletas idéas é que atacaria o problema de frente, na sua simplicidade. Concebeu esse plano chimerico Ignacio de Loyola, estabelecendo a Companhia de Jesus, isto é, um pontificado activo junto de um pontificado espiritual, cujo perstigio tradicional servia para exercer uma mais vasta influencia politica. Na essencia, o desenvolvimento rapido da Companhia de Jesus correspondia á necessidade e ao esforço do espirito theologico, que, luctando pelo catholicismo, reagia contra a dissolução inevitavel do mo

1 Système de Politique positive, t. 1, p. 557.

notheismo occidental. Comte caracterisa com o maior rigor historico esta missão retrograda: «Consistiu na tentativa do Jesuitismo para regenerar o passado, cujo officio espiritual se tornara vacante desde a sua transformação temporal. Centro necessario do systema catholico, aberta ou tacitamente, tinha suscitado todas as alterações que soffreram por toda a parte o regimen, o culto, e mesmo o dogma. Profundamente convencido d'esta connexidade, o eminente fundador do Jesuitismo esforçou-se, sob um titulo modesto, de instituir ao lado do principe romano, um verdadeiro papa, livre chefe de um novo clero, capaz de sobrepujar o protestantismo, reorganisando o catholicismo. Um tal destino torna-se irrecusavel, estudando a natureza e a marcha d'esta instituição, não sómente no seu inicio, mas tambem durante toda a sua primeira geração, bastante confundida actualmente com o resto da sua carreira. O nobre enthuziasta que a fundou, annunciando-se simultaneamente o defensor do catholicismo e o adorador da Virgem, merece ser erigido sociologicamente como digno continuador da reforma do seculo XIII, cujo abortamento quiz reparar. Vivamente indignado da degradação que o poder espiritual soffria por toda a parte, sob diversas fórmas, desde o fim da Edade média, elle tentou sustar a dissolução religiosa, reconstruindo o catholicismo segundo a deusa occidental. Attribuindo a impotencia da reforma franciscana a que os seus esforços tinham sido muito dispersos e muito subalternos, elle instituiu a sua ordem com o fim de reunir a prédica á confissão, e desprendeu-a do chefe nominal da Egreja para melhor a subordinar ao chefe real. Elle esforçou-se para lhe ser transferido por toda a parte o verdadeiro sacerdocio, apoderando-se da direcção geral de uma educação adaptada aos desejos da época, e a superintendencia das missões exteriores, que a universal expansão do Occidente parecia então motivar.» Depois de ter claramente caracterisado esta missão historica da Companhia de Jesus, Comte, explicando a sua impotencia diante da corrente da reforma do seculo XVI, conclue: «deve-se reconhecer que a instituição jesuitica emanou de uma necessidade sincera e profunda de restabelecer dignamente a auctoridade espiritual, tornando-a propria a preencher, melhor do que na Edade média, o seu destino social. A energia das doutrinas iniciaes contra a usurpação temporal bastaria para constatar a tendencia sociocratica d'esta grande tentativa.»

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A necessidade de uma reforma da Egreja ou do Catholicismo era

1 Système de Politique positive, t. 111, p. 553.

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