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o commissario Rolland ás exigencias das bravas legiões da trôlha.— Querem camaras constitucionaes? Vem livrinho do regimen municipal. Querem responsabilidade de ministros, que nem ás partes respondem? Vem livrinho sobre responsabilidade ministerial, e d'isto em logar de um vêm dois. Querem Conselho de estado? Vem livrinho do Conselho de estado. Querem todos ser Abrantes, isto é, altos diplomatas? Vem livrinho, Annaes diplomaticos. Querem todos fazer cadastros, circulos, departamentos? Vem livrinho, a População. Querem todos fazer Constituições? Podem escolher; vem livrinho, Constituição de França. Querem todos o Ministerio da fazenda, onde pode ir o braço até ao cotovelo? Vem livrinho e vêm tres: vem Malthus, vem Ricardo e vem Say. Querem jury? Vem livrinho sobre o jury. Querem ainda gritar mais alguma coisa contra o governo feudal? Vem livrinho e vem livrão, porque é o Diccionario dos abusos feudaes. Querem depois d'isto que os gabem e louvem muito como pedaços d'asno ou asnos inteiros? Pois vem tambem Erasmo com o Elogio da Loucura. Gritam alguns do mais interior da pocilga legisladora que é preciso sermos republica como os Estados Unidos? Vem livrinho, Estatistica dos Estados Unidos. Embirram alguns com a Hespanha, que não sei o que lhe querem? Pois vem fechar a quadrilha aquelle bispo de Malines ou de Malignas, que devia ser transferido para Elvas, chamado de Pradt, Garantias que se devem pedir á Hespanha. Que tal é o fornecedor Rolland? Isto não são étapes frios e crús; isto é comer feito e bem guisado. O conego magro Castello Branco ficou mudo e ficou nullo quando se lhe acabou Filangieri.» (Ib., p. 77.)

O padre caracterisa este estado com uma phrase da época—o frenesim regenerador.

Ao mesmo tempo que José Agostinho de Macedo queria servir o legitimismo fugindo de Bentham e de Benjamin Constant e de todos os escriptores politicos que motivaram a revolução liberal, mostra-se contrario aos Jesuitas, que eram então o baluarte do retrocesso; escreve elle em uma Censura datada de 15 de agosto de 1828:

«Esta impertinente questão dos Jesuitas, que chega a occupar e dividir o gabinete francez, é a cousa mais ociosa que ha e que podia estar acabada em duas palavras. A Sé apostolica approvou a Companhia; a Sé apostolica dissolveu a Companhia; acabou-se. Tanto jesuita! Isto é fraqueza! Pois a Religião catholica, que se dilatou no mundo antes que o soldado navarro Ignacio de Loyola cahisse ferido com uma bala de arcabuz no cêrco de Pamplona, para se conservar no mundo até á consummação dos seculos precisa dos Jesuitas? Oh!

que eram o exercito de linha do papa! Pois remedeie-se o papa com a segunda linha, ou os milicianos, se quizerem dar este nome aos outros frades. E nós tambem, estes pobres guerrilheiros clerigos seculares, estes cachapuzes, mas sem capuz, tambem podemos fazer alguma coisa. Se ao nome ou se ao instituto jesuitico pertencesse exclusivamente e in solidum a herança ou o patrimonio da virtude, da aptidão, do talento, e sobretudo da litteratura, sendo preciso ser jesuita para ser tudo! Se ao vestir ou enfiar da roupeta, Deus nosso Senhor, por um pacto de familia, désse ainda mais sabença do que déra a Salomão, muito bem, então haja padres da Companhia, e ainda mais do que ha entre nós officiaes passados ao exercito ou direcções de amanuenses pelas seis secretarias; mas, se os outros frades podem ser e têm sido o mesmo e mais que os Jesuitas, para que é esta birra de Jesuitas como remedio unico e heroico dos achaques da Egreja e do Estado.» (Ib., p. 92.)

Depois d'isto desencadêa uma pagina de erudição comparando casuistas e prégadores; mas o que interessa é a clareza com que José Agostinho separa as ideias do conservantismo do sophisma jesuitico, que explorava a reacção temporal como sendo o orgão essencial d'ella. O bom senso trouxe-o, é verdade, depois de ter um outro escripto explicado o grandioso phenomeno da Revolução franceza como motivado pela suppressão da Companhia!

Apesar da mudez das escholas, Coimbra absolutista teve a ventura da visita de D. Miguel em 20 de outubro de 1832, acompanhado das Infantas D. Isabel Maria e D. Maria da Assumpção; ahi foi festejado o seu anniversario no dia 26, pomposamente, com Te-Deum e prestito e os mais symbolos de um passado que estava prestes a apagar-se. A presença de D. Miguel devia inspirar dedicações vehementes, como se viu pelos seus effeitos.

No delirio politico, organisou-se na Universidade um bando de caceteiros, que era formado pelos archeiros e commandado pelo secretario da Universidade, Luiz Paulino de Figueiredo Fragoso de Almeida, e do meirinho das Escholas, José Maria d'Assa. Aggregaram-se os miguelistas da companhia dos urbanos com o meirinho do crime, o celebre caceteiro Custodio Joaquim Xavier, e assaltavam as casas dos lentes da Universidade que andavam fugidos por causa das suas ideias politicas, e outros individuos nos arredores de Coimbra. Todo esse scenario de horrores teve uma transmutação em Evora Monte, com o triumpho decisivo do constitucionalismo, que através de expedientes teve de cooperar na reorganisação social e mental d'este paiz.

CAPITULO III

A Universidade sob o regimen da Carta outorgada

A revolução liberal convertida em uma restauração da Carta outorgada de 1826. -Consequencias d'este equivoco nas agitações politicas e na governação.Comprehende-se a necessidade de reforma e adaptação da Universidade ao novo regimen.-Demissão dos lentes absolutistas.-A extincção da Junta da Fazenda da Universidade.-Extincção dos Collegios, componentes do organismo universitario medieval.-Vida dissoluta e de insubordinação dos estudantes de Coimbra, consequencia das perturbações politicas.-Reacção da Universidade contra a creação do Instituto das Sciencias physicas e mathematicas. Carta de D. Maria 11 sobre o assumpto.-A Republica do Carmo e os crimes na Academia.- Carta do antigo reitor D. Fr. Francisco de San Luiz sobre a situação moral do meio academico.—Os dois partidos politicos Setembristas e Cartistas servem-se das reformas da Universidade como arma: 1836 e 1844.-Edital do Marquez de Loulé, chamando os estudantes em 1846 a formarem o Batalhão academico.—Saudação dos Estudantes de Coimbra aos de Paris, em 1848, pela proclamação da segunda Republica.-O Theatro academico e a Sociedade Philantrophica academica em 1850.- Representação dos lentes a favor da liberdade de ensino envolvida nas leis repressivas em 1850.-Os estudantes e a Regeneração em 1851.-As doutrinas socialistas entre os estudantes.-A Thomarada e a Liga academica de 1854. -Morte do estudante Lazaro em 1855.-Herculano consulta a Faculdade de Direito sobre a sua Historia de Portugal: inconsequencia.-Disposição sobre trajos academicos em 1858.-Commissão para ser escripta a Historia litteraria da Universidade em 1860.—Entrada de um espirito novo em Coimbra. O Partido historico trata de apoderar-se da Universidade.—Deserção dos lentes de mais valor intellectual para o parlamentarismo.-A Sociedade do Raio em 1861, sem ideal, dissolve-se no partido historico: a Evacuação da Sala dos Capellos em 1862: o Protesto dos Estudantes.-Transformação do Exame privado em 1863.-Situação decadente da Faculdade de Direito. --Necessidade de alliar a Litteratura com a Jurisprudencia.-Movimento de iniciativa intellectual no meio academico: A Questão de Coimbra.-Seu aspecto litterario, determinando a dissolução de Ultra-Romantismo.-Seu aspecto philosophico e politico.-Determinação de um elemento germanico no Direito portuguez.-Theses de 1867, patenteando este espirito historico. -Impressão contemporanea do Dr. Alves de Sá.-O Codigo Civil, em 1867,

e a Faculdade de Direito.-Descripção de um curso completo na Universidade. O Centenario da reforma pombalina, em 16 de outubro de 1872.— As Memorias commemorativas.-A synthese de um seculo pedagogico.-A perpetuidade dos Estatutos proclamada pelo reitor Villa Maior.-Esgotamento do regimen universitario.

Terminada a guerra fratricida por motivo dos inauferiveis direitos de D. Miguel e da restauração da Carta outorgada por D. Pedro, a victoria dos liberaes não podia ficar em feitos de armas; era necessario transformar as instituições do antigo regimen do absolutismo reorganisando-as segundo o espirito da civilisação moderna. A emigração dos homens mais eminentes do liberalismo para Inglaterra e França foi como uma eschola, iniciando-os no conhecimento da administração, da justiça, da instrucção e da economia publicas, e mesmo da litteratura e da arte. Esta é que era verdadeiramente a revolução liberal; foi na emigração, em 1824, que Garrett comprehendeu o Romantismo, que lhe suscitou o pensamento da reorganisação da Litteratura portugueza. Da emigração de 1829 a 1832 resultou o conhecimento da organisação social moderna, que na Regencia da ilha Terceira elaborou os Decretos dictatoriaes de 16 de maio de 1832, que aboliam os Foraes e os Dizimos, que estabeleciam um systema de Administração, que organisavam a Fazenda publica, e creavam tribunaes e melhores formulas de justiça, chegando mesmo ao reconhecimento por parte do poder da liberdade de ensino. Era isto o que tinha de tornar-se effectivo pelo triumpho; se não fosse feito no primeiro momento da pressão dos acontecimentos, viriam as transigencias e illudir-se-iam as reformas, e por certo a medida decisiva e de incalculavel alcance da extincção dos Frades, em maio de 1834, não encontraria um ministro que ousasse apresental-a. Não fazemos a historia do Constitucionalismo senão no seu reflexo nos modos de existencia da Universidade, e na sua situação mental. A Universidade entrou em uma reorganisação fundamental inevitavel e immediatamente necessaria; acabava o estado autonomo da Universidade medieval, que possuia bens proprios, fóros, titulos, acções e rendimentos que eram administrados por uma Junta de Fazenda, incorporando-se isso tudo nos Proprios nacionaes por decreto de 5 de maio de 1835. Tambem perdeu a Universidade o seu fôro privilegiado de jus

1 Pelo decreto de 5 de maio de 1835 se transformava a administração da Fazenda da Universidade:

«Convindo centralisar a administração de todos os rendimentos do Estado,

tiça, sendo por Portaria de 23 de maio de 1834 extincto o Juizo da Conservatoria da Universidade como excepção á egualdade perante a lei consignada na Carta e incompativel com o decreto n.o 24 de 16 de maio de 1832. Pela extincção dos Dizimos e Foraes os bens das Collegiadas entravam nos Proprios nacionaes, cessando portanto esses premios dos lentes nomeados para Conezias magistraes e doutoraes, e commendas rendosas. Pelas reformas dos tribunaes de justiça acabavam tambem os logares de honra na magistratura, em que os lentes subiam ás Relações e Desembargo do Paço. Uma vez tocado o velho systema universitario o desmoronamento era consequente; assim pela extincção dos Dizimos e Foraes acabaram por falta de recursos os dois celebrados Collegios de S. Pedro e de S. Paulo, que eram o alfôbre aonde os Oppositores esperavam vez para entrarem no magisterio pela antiguidade ou longa opposição. Com a extincção das Ordens monachaes, em 1834, acabaram os Collegios que ellas alli mantinham, em volta da Universidade, como os ramos parasitarios que deformam o tronco de uma arvore. Estabelecia-se o principio do concurso para todos os empregos da Universidade, e o proprio regimen pedagogico ficava na dependencia do ministro do reino sob a sua direcção immediata.

Quando ainda se não tinham dado as batalhas decisivas de Almos

na conformidade do que dispõe o decreto n.o 22 de 16 de maio de 1832: Hei por bem ordenar que todos os bens, direitos, acções e titulos da Universidade de Coimbra sejam encorporados desde já nos Proprios nacionaes, ficando a Junta da Fazenda da mesma Universidade, emquanto se não derem a este respeito outras providencias, debaixo das immediatas ordens do Tribunal do Thesouro publico, para o qual passam todos os encargos da mesma Junta..

10 liberalismo trazia a Universidade á norma commum; o absolutismo respeitara-lhe a sua autonomia medieval porque via n'ella um orgão do systema theologico-feudal. Tendo o Conselho de Decanos apresentado alguns lentes para diversas Commendas da Universidade, foi por portaria de 7 de outubro de 1835 declarado que taes propostas eram inexequiveis por terem acabado os dizimos d'onde provinha a dotação das Commendas.

Por outro lado tambem aproveitava á Universidade a liquidação do antigo regimen; assim por portaria do ministro da fazenda de 27 de outubro de 1836 ordenou-se que se incorporasse no Jardim Botanico da Universidade a cêrca do extincto Collegio dos Bentos, e a parte do extincto Collegio dos Carmelitas descalços, da collina até á estrada da Alegria. Foram tambem entregues á Universidade os edificios dos Collegios de S. Pedro, de S. Paulo, dos Venturas, dos Loyos, da Trindade, dos Jeronymos, de S. Bento, dos Militares, da Pedreira, dos Grillos, dos Cruzios, e todos os que ficavam do arco de Almedina para cima. Accresciam tambem os predios urbanos que pertenciam a estes Collegios, podendo ser alugados a lentes, oppositores e estudantes, ou empregados da Universidade.

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