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este, com o auxilio de Carnot e de Prieur, fez com que fosse approvada pelo Comité de Salvação publica. Fourcroy foi encarregado de dar-lhe organisação, e instituida com o titulo de Eschola central de Trabalhos publicos foi por decreto de 1 de setembro de 1795 denominada Eschola Polytechnica. Era o campo aberto das sciencias diante da immutabilidade das quatro faculdades que esterilisavam as Universidades. Não admira pois que durante o seculo XIX prevaleça sempre o antagonismo entre as Universidades e as Polytechnicas, umas servindo o conservantismo para aproveitar as reacções do poder temporal, as outras, para não serem sacrificadas ao exclusivismo universitario, esquecendo a sua origem revolucionaria, obtendo o auxilio dos governos retrogrados ou empiricos pela confinação racional das concretas especialidades. A creação da Eschola Polytechnica achou logo professores, como Lagrange para a Analyse, Prouy em Mechanica, Monge e Hachette em Steorotomia, Delorme e Baltard em Architectura, Fourcroy, Vauquelin, Bertholet, Chaptal e Guyton de Morveau em Chimica. Havia o internato para trezentos e quarenta e nove alumnos, que os professores associavam aos seus estudos. A fecunda instituição era admirada na Europa, e sabios como Volta, Rumford e Humboldt visitavam-n'a.

Um mez depois da fundação da Eschola Polytechnica estabeleceu a Convenção a Eschola normal superior, destinada a ensinar aos Professores os melhores methodos pedagogicos. Tambem foi seu relator Lakanal; abriram-se os cursos em 19 de janeiro de 1795, no Museu de Historia natural; summidades como Lagrange, Laplace e Monge eram os professores de Physica; Haüy e Daubanton ensinavam Historia natural; Bertholet, Chimica; Thonin, Agricultura; Buache, Geographia; Volney, Historia; Bernardin de Saint-Pierre, Moral; Sicard, a Grammatica geral; La Harpe, Litteratura; Vandermunde, Economia politica. A obra pedagogica da Convenção completou-se em numerosas Escholas especiaes, no Instituto nacional das Sciencias e das Artes (lei de 24 de outubro de 1795) e na lei de Instrucção publica de 1 de maio de 1802.

As idéas da Convenção sobre as reformas pedagogicas entraram em Portugal em 1799 quando Francisco de Borja Garção Stockler escreveu o seu Plano de Instrucção nacional, que foi mandado apresentar á discussão da Academia real das Sciencias. 1 Tornaram a resplandecer quando Mousinho de Albuquerque em 1823 enviou de Paris ás

1 Vidè Historia da Universidade, t. ш, p. 746.

Côrtes portuguezas, em fórma de carta, um plano com as Idéas sobre o estabelecimento da Instrucção publica dedicadas á Nação portugueza; e em 1833 quando Almeida Garrett, como secretario da Commissão encarregada de formar um Plano geral de Estudos, de Educação e Ensino, redigiu um projecto que serviu tacitamente de base a todas as reformas pedagogicas da Revolução de setembro em 1836 e 1837. A resistencia tenaz que a Universidade de Coimbra oppoz á implantação do regimen polytechnico, embaraçando o estabelecimento do Instituto de Sciencias physicas e mathematicas em Lisboa em 1835, era a continuação d'aquelle exclusivismo com que em 1799 fez localisar em Coimbra a Junta da Directoria geral dos Estudos e Escholas do Reino. Confessava-o o proprio vice-reitor Monteiro da Rocha; de Coimbra se annullou o Plano pedagogico de Stockler, influindo no animo do marquez de Ponte de Lima com o terror do espirito revolucionario diante da agitação da Europa. Stockler queixa-se amargamente d'esta cabala em uma nota de uma carta em verso ao visconde de Condeixa:

Novo ataque intentei contra os funestos
Erros fataes, que o homem degradando
Tem a misera especie degradado

Da corrupção no abysmo; tem do mundo
As sociaes virtudes desterrado. *
A nova Geração árdido intento
Subtrahir ao cahos, vergonhosas,
Com que a ignorancia estolida prendia
Em ocio inerte, em odiosos vicios
Seus desgraçados paes. Foram perdidos
Da Razão os esforços e as fadigas.
Debalde derrubar a infecta planta
Da errada educação com rijos golpes
De afiada segure me proponho.
Da sa Philosophia em vão pretendo
Fazer brilhar a reluzente tocha
No seio da lethal medonha noite,
Que a Lusitania em trevas envolvia.
Assustada a Ignorancia irada freme
Já lhe parece vêr seu vasto Imperio
Ao sceptro da Razão avassalado.
A baixa Intriga, a sórdida Calumnia,
A vil, dissimulada Hypocrisia
Em seu soccorro chama. O negro bando
Dos feios, asquerosos, torpes monstros
Filhos do Averno, em barbaro conselho
Contra mim se congrega. ** Eis que de novo
Os furiosos ventos assoprando

As espalhadas nuvens conglomeram
Em pavorosos, horridos castellos.
A tempestade horrisona troando,
De toda a parte sobre mim desfere
Abrazadores, incendidos raios. ***
Impavido affrontei com firme rosto
As injurias, as féras ameaças,
Que contra mim vomita a poderosa
Embravecida insania. Vendo inuteis
Seus violentos esforços, em meu damno
Sómente dirigidos, novos meios

A fraude astuciosa lhes suggere.

Stockler acompanhou os versos indicados com com elucidativas notas, que transcrevemos pelo seu valor historico:

* «Allude ao Plano de Instrucção nacional, que por insinuação superior compuzera, e que por ordem de Sua Magestade, o soberano actual do Reino unido e Portugal, Brasil e Algarve, foi mandado examinar pela Academia real das Sciencias.»-** «Foi mui publica a cabala que contra o Auctor se formou por occasião do mencionado projecto. O seu primeiro passo foi alliciar e attrahir ao seu partido um varão benemerito do Estado, pela sua honra e virtudes, que então occupava um distincto logar no ministerio portuguez. Este respeitavel fidalgo, a quem o auctor aliás devera muita consideração e estima, mas que formava muito superior conceito da litteratura e prudencia de alguns dos principaes membros da cabala, illudido pelas apparentes rasões com que estes souberam surprehender a sua piedade e excitar o temor que as circumstancias do tempo lhe inspiravam para com todo o genero de novidades que podiam interessar de algum modo a ordem social, se constituiu incessantemente o principal instrumento de uma intriga particular destramente urdida e disfarçada debaixo da capa do publico interesse.»-*** «Foi por extremo notavel a Sessão extraordinaria da Academia real das Sciencias, em a qual o Plano e projecto de que se trata foi reprovado por uma mal pronunciada maioria de votos influidos, ou antes extorquidos pelos descompassados clamores do Ministro de estado mencionado em a nota precedente, e dados em consequencia da rapida leitura de uma obra que para ser justamente avaliada carecia de uma vagarosa e reflectida meditação.» 1

Referem-se estas palavras ao marquez de Ponte de Lima, influen

1 Stockler, Poesias lyricas, p. 184 a 186.

ciado pelo erudito Antonio Ribeiro dos Santos, que junto do governo cooperava por parte da Universidade de Coimbra com o Principal Castro e D. Francisco de Lemos, e na Academia das Sciencias era auxiliado por Frei Joaquim de Foyos com outros mais frades. O Plano de Instrucção nacional foi boçalmente reprovado pela Academia, que servia inconscientemente a reacção contra o novo espirito pedagogico; e Stockler, apontado como sectario das idéas francezas, ficou exposto a perseguições pessoaes, pela sua exclusão de Lente da Academia real de Marinha, e á illegal e indevida reforma que lhe fôra dada pelos Governadores do Reyno de Portugal em o anno de 1810.» Os versos e as notas em que Stockler refere esta sua lucta vêm datados do Rio de Janeiro, 13 de abril de 1813; de facto alli fôra pedir justiça a D. João VI contra tantos aggravos. A sua presença n'aquelle paiz foi logo aproveitada pelo espirito de iniciativa que alli se manifestava no go

verno.

Quando se tratou de fundar no Brasil um grande numero de instituições de instrucção publica, visto achar-se alli estabelecida a côrte de D. João vi e generalisar-se a aspiração a um estado independente, o conde da Barca encarregou Garção Stockler de formular um Plano geral systematico de instrucção para levar-se à pratica na nova situação em que se achava o Brasil. Por certo o conde da Barca teria conhecimento do Plano reprovado pela Academia real das Sciencias de Lisboa, e apreciando o alto merito de Stockler, que em Portugal fôra perseguido pelos Governadores do Reino, recorria agora a elle, alliando a sua rasgada iniciativa ao generoso pensamento que o animava. Stockler considerava as differentes escholas europeas como restos de um systema atrazado, que se remodelavam sem pensamento fundamental ás situações occorrentes; carecia-se de uma concepção geral, e é este reconhecimento que destaca o illustre sabio entre os pedagogistas portuguezes do seculo XIX. Depois das Universidades, que tinham paralysado na época da renascença, seguiam-se as Academias, como corporações especulativas interessadas em coordenar todos os conhecimentos humanos e accolher os novos descobrimentos. Era d'este centro, como gráo ultimo da instrucção, que deviam partir todas as disposições reguladoras e organisadoras das disciplinas do ensino publico. Para este fim, que elle reservara para a Academia real das Sciencias de Lisboa, e que suscitou a reacção da Universidade de Coimbra, queria que no Rio de Janeiro se fundasse uma Sociedade real de Sciencias e Artes, que fosse o corpo dirigente de toda a instrucção publica no Brasil. Dividia-se a instrucção nacional em quatro gráos:

1.°-Pedagogias: Escholas gratuitas para ambos os sexos, para o ensino dos conhecimentos necessarios em qualquer estado social ou profissão individual, taes como: leitura, escripta, arithmetica, e rudimentos de physica, economia e moral.

2.o Institutos: Desenvolvimento mais intenso dos anteriores conhecimentos por meio de escholas especiaes de applicação a agricultores, industriaes e commerciantes. Idéas geraes de physica, botanica e zoologia; Chimica applicada ás Artes; Agricultura; Algebra ordinaria e Geometria rectilinea; principios de Mechanica; noções de Economia politica, de Commercio, Moral e Direito natural (em Escholas subsidiarias). Cursos triennaes.

3.0-Lyceus: Escholas preparatorias para o estudo geral ou especial das Sciencias. Comprehende os elementos humanisticos: Analyse das faculdades e operações do Entendimento; Grammatica geral, Rhetorica; Linguas classicas, Linguas vivas, europêas e oriertaes; Diplo matica, Numismatica, Hermeneutica, Geographia, Chronologia e Historia.

4.o-Academias: Comprehendendo o conjuncto de Escholas especiaes ou de applicação, e das Escholas das Sciencias abstractas nas suas relações com a sociedade, ou Sciencias sociaes. Essas Academias correspondiam ás classes da Sociedade real das Sciencias e das Artes, assim divididas:

ciaes:

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Correspondiam-lhes as seis corporações docentes geraes e espe

1.- Academia de Mathematica, com seis cadeiras: 1. Geometria analytica, transcendente; Trigonometria espherica e espheroidal; Analyse ou Calculo superior. 2.a Statica; Dynamica; Hydrostatica; Hydrodynamica. 3. Mechanica celeste ou Astronomia physica. 4. Stereotomia; Geodesia; Optica; Dioptrica; Catoptrica; Perspectiva e theoria da polarisação da luz. 5. Astronomia pratica; Geographia racional. 6. Calculo das probabilidades e suas applicações.

2.- Academia de Sciencias naturaes, com cinco cadeiras: 1. Zoologia; Philosophia botanica. 2.a Chimica geral; Mineralogia. 3.a Physica; Geognosia. 4.a Chimica applicada; Meteorologia; Technologia.

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