mas pelos elementos positivos que se foram accumulando desde as duas renascenças, pelo desenvolvimento das sciencias naturaes e pela elevação do proletariado pelo trabalho livre, as novas bases da ordem foram entrevistas pela Convenção: prevalecia a liberdade politica e a liberdade de consciencia. O seculo findava esboçando apenas a sua obra fundamental; uma edade nova começava cheia de germens fecundos, de esperanças. Quem fizesse então vaticinios sobre o auspicioso seculo xix não ousaria prevêr a falencia fraudulenta que o fez mentir á sua missão social, entregando as instituições politicas aos partidos medios e esgotamento do systema parlamentar, e as instituições pedagogicas a uma fragmentação de sciencias especiaes divorciadas de toda a dependencia e destino philosopbico. É por isso que a a instabilidade social e a incoherencia mental, que tanto revolucionaram a sociedade europea em todas as suas crises historicas do seculo XII ao XVIII, encontraram n'este nosso seculo que finda somente soluções provisorias: as reacções conservadoras dos ministerios de resistencia, sustentadas pelos ideologos politicos, e uma instrucção publica monopolisada pelo estado com o fim de actuar sobre as concepções, mantendo á custa do orçamento os estereis declamadores metaphysicos. Acompanhando a marcha do seculo xix observa-se que as instituições politicas, depois da Revolução franceza, soffreram nos estados da Europa modificações profundas no intuito de regressarem ao passado ou de reagirem contra as crises economicas que surgiam. Na Instrucção publica europêa reflecte-se a agitação d’esta instabilidade, chegandosa ao ponto de serem reintegrados os Jesuitas nas suas funcções docentes, e de se adoptarem as fundações pedagogicas da Convenção nas Escholas polytechnicas como forma definitiva da instrucção superior coexistindo com as esgotadas Universidades. Contra a reorganisação dos dois Poderes estabeleceu-se na Europa a reacção das monarchias para a restauração do absolutismo, e a reacção religiosa contra a liberdade de consciencia cooperando com a auctoridade temporal para conseguir-se a rehabilitação da Companhia de Jesus. Estas duas reacções imprimiram á marcha social movimentos que determinaram resultados imprevistos; assim a França republicana, achando colligada militarmente a Europa, viu-se força da a crear o seu exercito para a defeza nacional, mas os seus triumphos incomparaveis foram causa de que um general se investisse de uma dictadura soberana e se arrojasse ao desvairamento das conquistas. A intervenção de Bonaparte na marcha inicial d'este seculo foi uma perturbação eternamente deploravel para o progresso humano, porque dif solução definitiva da forma de governo. As idéas scientificas sobre o phenomeno politico foram sempre tratadas por pensadores alheios a toda a acção temporal; e aquelles que exerceram o poder, ministros ou chancelleres, da inconsciencia do seu empirismo e ausencia de plano, consideraram sempre com supremo desdem todas as doutrinas sociologicas como estereis senão perigosas. Veremos como sob esta apprehensão os governos empiricos do nosso seculo trataram de apoderarse da Instrucção publica, de centralisal-a, monopolisando-a, regulamentando-a e imprimindo-lhe um espirito mais ou menos conservantista ou reaccionario. Quando a Revolução franceza chegara ao ponto decisivo em que proclamava com sublime coherencia a nova forma politica que vinha logicamente após a ruina do regimen absoluto, tambem creou a nova fórma da Instrucção publica dos tempos modernos nos seus tres gráos: primario, abrangendo os conhecimentos indispensaveis a todos os operarios em qualquer actividade; secundario, comprehendendo os conhecimentos mais geraes; e terciario, ou superior, em que novas sciencias vulgarisavam conhecimentos especiaes de applicação immediata. (Decreto de 15 de setembro de 1793.) Apesar de todas as perturbações que soffreu a Europa estes tres gráos do ensino ficaram constituindo bases fundamentaes de toda a organisação pedagogica. Com o mesmo espirito revolucionario, em que se reconhecia por onde se podia reorganisar o Poder espiritual, a Convenção decretou em 25 de dezembro de 1793 a instrucção obrigatoria para o primeiro gráo, dando-lhe sancção pela lei de 7 de novembro de 1794, no prologo da qual, escripto por Lakanal, se estabelece o principio, tambem hoje unanime, da instrucção gratuita. É impossivel comprehender a organisação da instrucção publica do seculo xix em todos os estados da Europa se forem desconhecidas as fundações pedagogicas da Convenção; tudo deriva d'aquelle genial impulso, que não foi fecundado porque a creação de escholas ou de institutos subsequentes obedeceu apenas a um mesquinho espirito de especialidades scientificas. Combateu-se e extinguiu-se a fórma do poder temporal fundada pela Convenção; mas seguiu-se inconscientemente e inevitavelmente a forma esboçada para o poder espiritual, copiando ou reproduzindo as suas instituições pedagogicas. Torna-se necessario apontar estes novos typos, que são a norma da instrucção publica moderna. Pela lei de 27 de setembro de 1794 foi creada a Eschola Polytechnica; Lomblardie, director da Eschola de Pontes e Calçadas, tivera a idea inicial da creação de um ensino scientifico geral destinado a engenheiros; communicada a idéa a Monge, a este, com o auxilio de Carnot e de Prieur, fez com que fosse approvada pelo Comité de Salvação publica. Fourcroy foi encarregado de dar-lhe organisação, e instituida com o titulo de Eschola central de Trabalhos publicos foi por decreto de 1 de setembro de 1795 denominada Eschola Polytechnica. Era o campo aberto das sciencias diante da immutabilidade das quatro faculdades que esterilisavam as Universidades. Não admira pois que durante o seculo xix prevaleça sempre o antagonismo entre as Universidades e as Polytechnicas, umas servindo o conservantismo para aproveitar as reacções do poder temporal, as outras, para não serem sacrificadas ao exclusivismo universitario, esquecendo a sua origem revolucionaria, obtendo o auxilio dos governos retrogrados ou empiricos pela confinação racional das concretas especialidades. A creação da Eschola Polytechnica achou logo professores, como Lagrange para a Analyse, Prouy em Mechanica, Monge e Hachette em Steorotomia, Delorme e Baltard em Architectura, Fourcroy, Vauquelin, Bertholet, Chaptal e Guyton de Morveau em Chimica. Havia o internato para trezentos e quarenta e nove alumnos, que os professores associavam aos seus estudos. A fecunda instituição era admirada na Europa, e sabios como Volta, Rumford e Humboldt visitavam-n'a. Um mez depois da fundação da Eschola Polytechnica estabeleceu a Convenção a Eschola normal superior, destinada a ensinar aos Professores os melhores methodos pedagogicos. Tambem foi seu relator Lakanal; abriram-se os cursos em 19 de janeiro de 1795, no Museu de Historia natural; summidades como Lagrange, Laplace e Monge eram os professores de Physica; Haüy e Daubanton ensinavam Historia natural; Bertholet, Chimica; Thonin, Agricultura; Buache, Geographia ; Volney, Historia; Bernardin de Saint-Pierre, Moral; Sicard, a Grammatica geral; La Harpe, Litteratura; Vandermunde, Economia politica. A obra pedagogica da Convenção completou-se em numerosas Escholas especiaes, no Instituto nacional das Sciencias e das Artes (lei de 24 de outubro de 1795) e na lei de Instrucção publica de 1 de maio de 1802. As idéas da Convenção sobre as reformas pedagogicas entraram em Portugal em 1799 quando Francisco de Borja Garção Stockler escreveu o seu Plano de Instrucção nacional, que foi mandado apresentar á discussão da Academia real das Sciencias. Tornaram a resplandecer quando Mousinho de Albuquerque em 1823 enviou de Paris ás 1 Vidé Historia da Universidade, t. , p. 746. Côrtes portuguezas, em forma de carta, um plano com as Idéas sobre o estabelecimento da Instrucção publica dedicadas á Nação portugueza; e em 1833 quando Almeida Garrett, como secretario da Commissão encarregada de formar um Plano geral de Estudos, de Educação e Ensino, redigiu um projecto que serviu tacitamente de base a todas as reformas pedagogicas da Revolução de setembro em 1836 e 1837. A resistencia tenaz que a Universidade de Coimbra oppoz á implantação á do regimen polytechnico, embaraçando o estabelecimento do Instituto de Sciencias physicas e mathematicas em Lisboa em 1835, era a continuação d'aquelle exclusivismo com que em 1799 fez localisar em Coimbra a Junta da Directoria geral dos Estudos e Escholas do Reino. Confessava-o o proprio vice-reitor Monteiro da Rocha; de Coimbra se annullou o Plano pedagogico de Stockler, influindo no animo do marquez de Ponte de Lima com o terror do espirito revolucionario diante da agitação da Europa. Stockler queixa-se amargamente d'esta cabala em uma nota de uma carta em verso ao visconde de Condeixa: Novo ataque intentei contra os funestos de novo Os furiosos ventos assoprando |