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persiste, e quando, chegada ao fim da fibra muscular, a onda ase esvae, o encurtamento desapparece com ella 1.»

«Pareceu-nos que as influencias modificadoras da intensidade ce duração do abalo muscular (a fadiga muscular, o resfriamento, «a suspensão da circulação no musculo, etc.) modificam a inten«sidade e velocidade da propagação da onda 2.»

Quando a excitação, longe de ser simples, é multipla e repetida, chegando a tetanizar o musculo, então, como a cada excitação corresponde uma nodosidade, ha uma serie d'ellas que percorrem todo o musculo com uma rapidez tal, que, antes de desapparecer a primeira, um grande numero d'ellas avançam já pelo musculo, seguindo-se de perto umas ás outras.

Este resultado das experiencias de Marey sobre um conjuncto de fasciculos primitivos está de perfeito accordo com o que se observa ao microscopio em fasciculos musculares ainda vivos: no acto da contracção (a qual póde ser provocada pela applicação da electricidade ao liquido que os banha) nota-se sobre a superficie do fasciculo um movimento ondulatorio.

Para que o fasciculo muscular conserve a sua vitalidade e possa ser observado a contrahir-se no campo do microscopio, é preciso empregar precauções, que têm sido realisadas pelo emprego da camara humida e estufa do microscopio.

A camara humida tem sido aperfeiçoada, consistindo o aperfeiçoamento mais usado em fazer cahir dentro d'ella gottas de agua, que vêm d'um reservatorio a uma temperatura constante e sahem immediatamente pelo outro lado. Dispensam-se estas precauções, fazendo a experiencia com os musculos da perna do gafanhoto, os quaes se vêem ainda contrahir no campo do microscopio, sem empregar aquelles cuidados.

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Em todas estas experiencias o estimulo que geralmente se emprega é a electricidade dynamica; e como uma corrente continua, a não ser muito energica, não tem acção sobre o musculo, faz-se actuar uma corrente de inducção inicial ou terminal.

1 Marey, Machine animale, pag. 35.

2 Idem, pag. 37.

Para a intensidade do resultado convém mais a segunda, por ser mais rapida e deve sel-o, porque no fio inductor a extra-corrente inicial, achando-se num circuito fechado em que circula á vontade, e sendo de sentido contrario ao da corrente da pilha, faz com que esta vá subindo pouco e pouco e gaste um certo tempo para chegar desde zero até á intensidade maxima; e emquanto é variavel a corrente inductora, dura a corrente induzida.

Já se não dão as mesmas condições quando se interrompe a

corrente.

Para que a excitação do nervo tenha logar (é o nervo que se excita, porque a contracção é assim mais forte) não é forçoso collocar sobre elle os dois extremos do fio induzido de modo a fechar o circuito; basta um só, semelhantemente com aquillo que acontece com qualquer dos rheophoros d'uma pilha forte, e principalmente com o polo negativo. A esta excitação chamam Wundt e Budge-por inducção unipolar.

Ao estimulo rapido corresponde um effeito rapido tambem: não é elle a verdadeira contracção, que os musculos executam sob a acção da vontade: e por isso (como já tive occasião de dizer) 08 allemães lhe chamam convulsão, e Marey abalo (secousse).

Mas nada ha que nos indique, nem de leve, que aquella convulsão ou abalo não é o acto elementar da verdadeira contracção.

Não podemos nós por excitações seguidas obter, em vez d'um simples abalo, uma contracção um pouco persistente e até a tetanisação do musculo?

Ha alguma cousa que se opponha a admittirmos que no estado physiologico a vontade tetanisa, semelhantemente ao tetanisador de Heidenhain, o musculo ou grupo de musculos, que pretendemos conservar em contracção persistente?

Que outra cousa significam as oscillações rapidas que se observam directamente na mão, com a qual apertamos energicamente uni corpo, sem ligações que o fixem?

A respeito da transmissão da onda muscular, vou citar, ainda que a medo, um facto que tenho observado.

Por vezes me acontece que na passagem da vigilia para o somno

me apparecem nos musculos dos membros contracções, ao mesmo tempo que energicas, tão rapidas, que bem lhes cabe o nome de convulsão dos allemães ou abalo de Marey.

Deitado sobre o lado direito, com o antebraço do mesmo lado flectido sobre o braço segundo um angulo de 90° e apoiado sobre o abdomen, com o antebraço esquerdo cruzando transversalmente o peito de modo a applicar a face palmar da mão esquerda sobre a face anterior do antebraço direito, tenho notado que a cada contracção (involuntaria) me apparece na parte inferior do bicipete brachial uma como nodosidade, a qual caminha por debaixo da mão até se perder na parte superior do musculo.

Tem-se-me afigurado uma differença notavel entre o phenomeno observado nestas condições e aquelle augmento de volume, que numa contracção voluntaria e prolongada apparece (é verdade) a caminhar da extremidade inferior para a extremidade superior, mas que se fixa na parte media.

Sou o primeiro a reconhecer que este facto, apresentado assim, não tem valor nenhum.

A applicação d'um apparelho registrador poderia talvez encontrar aqui o facto physiologico d'uma contracção simples, elementar (secousse)?

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Não sei porque a difficuldade da occasião, e a incerteza de que o phenomeno se dê, quando se espera, são outras tantas condições desfavoraveis para a sua observação graphica. Sómente assevero que a observação directa pela applicação da mão (meio imperfeitissimo) me tem accusado differenças entre esta contracção rapida e a contracção mais ou menos persistente operada pela vontade; havendo uma como transmissão da onda muscular no primeiro caso, fixando-se a nodosidade no segundo.

É preciso tambem dizer que aquellas contracções involuntarias apparecem bem longe do momento, em que o somno invade, abafa, tolhe ou quasi supprime as faculdades intellectuaes, embotando os sentidos que as animam; e isto para que não possa attribuir-se o facto referido áquella chimerica lucidez, com que nos parece, quando dormitamos, chegar a resolver problemas, que ao despertar surgem tão insoluveis, como d'antes.

É

Poderia ainda, para confirmar que mesmo no estado physiologico ha formação e transmissão da onda muscular, lembrar o que em todos os livros de Physiologia se lê sobre tal assumpto. o zunido muscular, cuja tonalidade cresce com a energia da contracção, como se observa no masseter: e no campo experimental tem-se observado que a tonalidade corresponde a um numero de vibrações egual ao das excitações que se applicam ao nervo em cada segundo 1.

Este facto da propagação do movimento contractil por ondas é aquelle que primeiro se póde observar sem descer á natureza intima d'este movimento: -já nos indica que o musculo não se encurta simplesmente como um cylindro elastico, que foi distendido; Marey chega a fazer contrahir um cylindro de caoutchouc, não vulcanisado, por nodosidades, faltando apenas a propagação d'estas para que a analogia com a contracção muscular se transforme em identidade 2.

Mas isto não basta ainda.

«Não é evidentemente possivel (diz Longet) chegar a conhecer da natureza e mechanismo do movimento muscular, sem que se «tenha primeiro uma noção completa da constituição, estructura «e fórma do agente essencial da contractibilidade no tecido com«plexo, que se chama- tecido muscular.»

É uma verdade incontestavel.

Mas da incerteza e fraqueza da base resulta o vacillar do edificio. Se até aqui apresentamos conhecimentos positivos, agora que pretendemos entrar mais profundamente no mechanismo da contracção muscular, perdemo-nos nos atoleiros das hypotheses.

A histologia ainda não disse a ultima palavra; ainda não declarou d'um modo decisivo e com um certo exclusivismo qual a estructura e textura dos musculos.

Apresenta theorias, ou antes hypotheses; passemol-as em re

1 Helmhotz.

2 Machine animale, pag. 39.

:

vista. Qualquer das duas ou a theoria fibrillar, que suppoc o fasciculo primitivo formado de muitas fibrillas, que o acompanham em seu comprimento, e cada fibrilla formada de pequenos cylindros que se empilham;-ou a theoria discoide, que imagina o fasciculo formado de discos d'um diametro egual ao d'elle, encastellados uns sobre outros; nada adeanta na explicação da contracção muscular: porque resta saber como se contrahem os

elementos que constituem a fibrilla ou o disco.

Ha uma outra theoria de Rouget-é a theoria espiroide: separei-a, porque realmente não tem ganho terreno nem o póde ganhar. Do movimento, pelo qual o vorticello ora aproxima as espiras do seu appendice espiroide, ora as afasta, encurtando assim ou distendendo esse appendice, não póde concluir-se que seja de natureza muscular, em quanto o microscopio não estudar a estructura do appendice.

Tambem encontramos movimentos nas celhas vibrateis, nos espermatosoides, etc. sem que se possa dizer que são movimentos musculares.

Debaixo do ponto de vista physiologico não podemos senão receber das mãos dos Histologistas as theorias, que elles nos offerecerem sobre a estructura e textura dos musculos, e ver qual d'ellas nos explica melhor a contracção muscular, ou se todas são egualmente impotentes.

A theoria de Rouget fica por sua natureza fóra do combate; assenta sobre um facto isolado, e, esse, incompletamente conhecido é de tristes consequencias na parte physiologica, porque do antagonismo admittido por M. Rouget entre a elasticidade do musculo, que tende a encurtal-o, e a sua nutrição, que o faz distender, resulta, como faz lembrar Longet, que a falta de nutrição deve produzir a contracção muscular. E, se esta depende da ruptura do equilibrio d'aquellas duas forças, como se ha de explicar o facto do augmento da nutrição no musculo contrahido, tendendo esta força a distendel-o?

A estructura fibrillar e discoide apparecem ambas, conforme os reagentes a que sujeitarmos o tecido muscular; e se a decomposição do fasciculo primitivo em discos é mais rara do que em

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