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CCLVII.

Embranças de meu bem, doces lembranças, Que taó vivas eftais nefta alma minha, Nao queirais mais de mi, fe os bées que tinha Em poder vedes todos de mudanças.

Ai cego amor! Ai mortas efperanças,
De que eu em outro tempo me mantinha!
Agora deixarels quem vos foftinha,
Acabarão coa vida as confianças."

Co' a vida acabaraó, pois a ventura
Me roubou n'hum momento aquella gloria,
Que quando tao grande he', tao pouco dura.
Oh fe apoz o prazer fora a memoria !
Ao menos eftivera a alma fegura

De ganhar-fe com ella máis victoria.

CCLIX.

Formofos olhos, que cuidado dais

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A' mefma luz do Sol, mais clara, e pura! Que fua efclarecida formofura,

Com tanta gloria vofla atraz deixais!
Se por ferdes tao bellos defprezais
A fineza de amor que vos procura,
Pois tanto vedes, vede que nao dura
O voflo refplandor quanto cuidais.

Colhei, colhei do tempo fugitivo,
E de voffa belleza o doce fruto,
Que em vão fóra de tempo he desejado.

E a mi, que por vós morro, e por vós vivo, Fazei pagar a amor o feu tributo,

Contente de por vós lho haver pagado.

CCLX.

Ues fiempre fin ceffar, mis ojos triftes
En lagrimas tratais la noche, el dia,
Mirad fi es lagrima efta que os embia
Aquel Sol por quien vós tantas vertistes.
Si vós me affegurais, pues ya la viftes,
Que es lagrima, fera ventura mia;
Por empleadas bien defde oy tendria
Las muchas que por ella fola diftes.
Mas qualquier cofa mucho defeada,
Aunque viendo fe eftè nunca es creida;
Y menos efta, nunca imaginada.

Pero della affeguro, fi es fingida,
Que bafta fer por lagrima embiada
Para qué fea por lagrima tenida.

CCLXI.

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Em feito os olhos nefte apartamento
Hum mar de faudofa tempeftade

Que póde dar faudade à faudade
Sentimentos ao proprio fentimento.

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,

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Em dor vai convertido o foffrimento Em pena convertida a piedade'; A razaó taó vencida da vontade ? Que escravo faz do mal o entendimento. A lingua nao alcança o que a alma fente; E affi, fe alguem quizer em algum'hora Saber que coufa he dor não comprehendida Parta-fe do feu bem, porque exprimente, Que antes de fe partit, melhor me fora Partir-fe do viver para ter vida.

CCLXII.

CCLXII.

Peregrinaçao de hum penfamento,
Que dos males fez hábito, e coftume,
Tanto da trifte vida me confume
Quanto crefce na caula do tormento.

Leva a dor de vencida ao foffrimento;
Mas a alma efta de entregue tao fem lume
Que elevada no bem que haver prefume,
Não faz cafo do mal que eftá de affento.
De longe receei, fe me valêra,
O perigo que tanto á porta vejo
Quando não acho em mi coufa fegura.

Mas já conheço, (oh nunca o conhecera!)
Que entendimentos prefos do defejo,
Naó tem remedio mais que o da ventura.

A

CCLXIII.

Cho-me da fortuna falteado
O tempo vai fugindo prefurofo,
Deixando-me da vida duvidofo,

E cada inftante mais defefperado.

Trocou-fe o meu defcuido em tal cuidado Que donde a gloria he mais, he mais penofo: Nem vivo, de perder-me, receofo; Nem, de poder ganhar-me, confiado. Qualquer ave nos montes mais agreftes, Qualquer fera na cova repoufando Tem horas de alegria; eu todas triftes. Vós, faudofos olhos, que o quizestes, (Pois com tormento amor me eftá pagando) Chorai, como que vedes, o que viftes.

,

CCLXIV.

E no que tenho dito vos offendo,

Que inda que nao pertenda merecer-vos,
Não vos defmerecer fempre pertendo.

Mas he meu fado tal, fegundo entendo,
Que por quanto ganhava em entender-vos,
Nao me deixa até agora conhecer-vos
Por a mi proprio me ir defconhecendo.
Os dias ajudados da ventura,
A cada qual de fi daó defenganos
E a outros fae dá-lo a defventura.

Qual deftas firva a mi, diraó os danos,
Ou goftos que eu tiver, em quanto dura
Esta vida, taó larga, em poucos anos.

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Atéqui os Sonetos que fe acham na edição de Ma. noel de Faria e Soufa. Jofeph Lopes Ferreira, imprimindo em Lisboa, no anno de 1720, em hum volume, de folba, todas as Obras de Luis de Camões accrefcentou os que fe feguem, fem nos dizer onde baviam fido achados. Na edição Parifienfe do anno de 1759, e na que pofterior a ella fe fez em Lisboa, fe acham tambem os mesmos; mas nem por iso ficamos por fiadores de que todos fejam de Luis de Ĉamões: os Leitores intelligentes, que forem verfados na lição das Obras do Poeta, farao feu juizo.

CCLXV.

Doce contentamento já paffado

Em que todo o meu bem fó consistia; Quem vos levou de minha companhia E mé deixou de vós tao apartado ? Quem cuidou que fe vifle nefte estado Naquellas breves horas d'alegria, Quando minha ventura confentia, Que de enganos vivefle meu cuidado? Fortuna minha foi cruel, e dura, Aquella que caufou meu perdimento, Com a qual ninguem póde ter cautella. Nem fe engane nenhuma creatura Que nao póde nenhum impedimento Fugir do que lhe ordena fua eftrella.

CCLXVI.

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Empre cruel, Senhora, receei
Medindo voffa grão defconfiança,
Que défle em defamor voffa tardança,
E que me perdelle eu, pois vos amei.
Perca-fe, em fim, ja tudo o que efperei,
Pois n'outro amor já tendes efperança.
'Tao potente ferá voffa mudança,

Quanto cu encobri fempre o que vos dei.
Dei-vos a alma, a vida, e o fentido ;
De tudo o que em mi ha vos fiz fenhora;
Prometeis, e negais o mesmo amor,
Agora tal eftou, que de perdido
Nao fei por onde vou, mas algum hora
Vos dará tal lembrança grande dor.

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