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CCLXVII.

Fortuna em mim guardando feu direito

Em verde derrubou minha alegria.
Oh quanto fe acabou naquelle dia,
Cuja trifte lembrança arde em meu peito!
Quando contemplo tudo, bem fufpeito,
Que a tal bem, tal defcanfo se devia,
Por nao dizer o Mundo, que podia
Achar-fe em feu engano bem perfeito.
Mas fe a fortuna o fez por defcontar-me
Tamanho gosto, em cujo fentimento
A memoria nao faz fenaō matar-me :
Que culpa póde dar-me o foffrimento,
Se a caufa que elle tem de atormentar-me
Eu tenho de foffrer o feu tormento?

CCLXVIII.

E a fortuna inquieta, e mal olhada, Que a jufta Lei do Ceo comfigo infama, A vida quieta, que ella mais defama, Me concedêra honefta, e repousada : Pudera fer que a Mufa alevantada Com luz de mais ardente, e viva flama Fizera ao Tejo lá na patria cama Adormecer co' o fom da lyra amada: Porém, pois o deftino trabalhofo, Que me efcurece a Mufa fraca, e laffa. Louvor de tanto preço nao fuftenta : A vofla de louvar-me pouco escafla Outro fogeita bufque valerofo,

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Tal qual em vos ao Mundo fe apresenta.

CCLXIX.

CCLXIX.

Este amor, que vos tenho limpo, e puro,

De penfamento vil nunca tocado,
Em minha tenra idade começado,
Tê-lo dentro nefta alma fó procuro.
De haver nelle mudança eftou feguro
Sem temer nenhum cafo, ou duro fado
Nem o fupremo bem, ou baixo eftado,
Nem o tempo prefente, nem futuro.
A bonina, e a flor afinha passa,
Tudo por terra o Inverno, e Eftio deita,
Só para meu amor he fempre Maio.
Mas ver-vos para mim Senhora efcaffa,
que effa ingratidao tudo me engeita,
Traz efte meu amor sempre em defmaio.

E

CCLXX.

SE grande gloria me vem fó de olhar-te,
He pena defigual deixar de ver-te,

Se prefumo com obras merecer-te,
Grande paga do engano he defejar-te.

Se quero, por quem es, talvez louvar-te, Sei certo, por quem fou, que he offender-te. Se mal me quero a mi por bem querer-te, Que premio quero eu mais que fo o amar-te? Extremos faó de amor os que padeço,

O' humano thefauro, ó doce gloria;
E fe cuido que acabo, entaó começo.
Affi te trago fempre na memoria;
Nem fei fe vivo, ou morro, mas conheço,
Que ao fim da batalha he a victoria.

A

.CCLXXI.

Formofura defta fresca ferra,

E a fombra dos verdes caftanheiros;
O manfo caminhar deftes ribeiros,
Donde toda a tristeza se defterra:

O rouco fom do mar, a estranha terra,
O efconder do Sol pelos outeiros
O recolher dos gados derradeiros,
Das nuvées pelo ar a branda guerra:

Em fim, tudo o que a rara natureza,
Com tanta variedade nos offrece,
Me eftá (fe nao te vejo) magoando:
Sem ti tudo me enoja, e me aborrece;
Sem ti perpétuamente eftou paffando
Nas móres alegrias; mór tristeza.

CCLXXII.

Sofpechas, que en mi triste phantafia
Pueftas hazeis la guerra a mi fentido,
Bolviendo y rebolviendo el afligido
Pecho con dura mano noche, y dia:
Ya fe acabò la refiftencia mia;

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Y a la fuerça del alma ya rendido
Vencer de vós me dexo arrepentido
De averos contrastado em tal porfia:
Llevadme a aquel lugar tan efpantable,
Que por no ver mi muerte alli efculpida,
Cerrados hafta aqui tuve los ojos.

Las armas pongo ya, que concedida
No es tan larga defenfa al miferable
Colgad en vueftro carro mis defpojos.
Tom. II.

L.

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CCLXXII.

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CCLXXIII.

Setenta meu viver

Uftenta meu viver hua efperança Derivada de hum bem tao defejado, Que quando nella eftou mais confiado, Mór dúvida me põe qualquer mudança :

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E quando inda efte bem na mór pujança De feus goftos me tem mais enlevado, Me atormenta entao ver eu, que alcançado Será por quem de vós nao tem lembrança. Affi, que neftas redes enlaçado Apenas dou a vida, fuftentando Húa nova materia a meu cuidado: Sufpiros d'alma triftes arrancando, Dos filvos de húa pedra acompanhado, Eftou materias triftes lamentando.

CCLXXIV.

JA' nao finto, Senhora

A' nao finto, Senhora, os defenganos, Com a minha affeiçao fempre trataftes, Nem ver o galardaó, que me negastes, Merecido por fé ha tantos anos.

A magoa chóro fó, fó chóro os danos, De ver por quem, Senhora, me trocaftes; Mas em tal cafo vós fo me vingaftes De voffa ingratidao, voffos enganos. Dobrada gloria dá a qualquer vingança Que o offendido toma do culpado, Quando fe fatisfaz com caufa jufta.

Mas eu de voflos males, e esquivança, De que agora me vejo bem vingado, Nao o quizera cu tanto á vofla cufta.

Q

CCLXXV.

Ue póde já fazer minha ventura
Que feja para meu contentamento?
Ou como fazer devo fundamento,

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De coufa que o nao tem nem he fegura?
Que pena póde fer taó cerra, e dura
Que poffa fer maior que meu tormento?
Ou como receará meu penfamento
Os males, fe com elles mais fe apura?
Como quem fe coftuma de pequeno
Com peçonha criar por mão fciente,
Da qual o ufo já o tem feguro :
Mas eu acoftumado ao veneno,
E ufo de foffrer meu mal prefente
Me faz nao fentir. já nada o futuro."

Q

CCLXXVI.

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Uando cuido no tempo, que conténte Vi as pérolas, neve, rofa, e ouro, Como quem vê por fonhos hú thefouro Parece tenho tudo aqui prefente. Mas tanto que fe paffa efte accidente, E vejo o quao diftante de vós mouro, Temo quanto imagino por agouro Porque de imaginan tambem me aufente. Já foram dias,uem que por ventura Vos vi, Senhora, fe dize-lo potlo Com o coração feguro eftar fem medo. Agora em tanto nial nao mo affegura A propria phantafia, e nojo voflo: Eu não poffo entender cfte fegredo. Lii

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CCLXXVII.

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