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CCLXXIII.
S ,

Ustenta meu viver húa esperança
Que quando nella estou mais confiado
Mór dúvida me põe qualquer mudança :

E quando inda este bem na mór pujança
De seus goftos me tem mais enlevado ,
Me atormenta entao ver eu, que alcançado
Será por quem de vós nao tem lembrança.

Afli, que nestas redes enlacado ,
Apenas dou a vida, fuftentando
Húa nova materia a meu cuidado :

Suspiros d'alma tristes arrancando
Dos liivos de hũa pedra acompanhado ,
Estou materias tristes lamentando.

J

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CCLXXIV.
A’ nao finto, Senhora , os desenganos, ,
Nem ver o galardao, que me negaltes ,
Merecido por fé ha tancos anos.

A magoa chóro só, só chóro os danos,
De ver por quem, Senhora, me trocaftes;
Mas em tal caso vós só me vingaftes
De volla ingratidao:, vossos enganos.

Dobrada gloria da a qualquer vingança.
Que o offendido roma do culpado ,
Quando se fatisfaz com causa justa. s

Mas eu de vollos males, e esquivança , ,
De que agora mo, vejo bem vingado ,
Naó o quizera cu tanto á volla cufta.

CCLXXV.

Q

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CCLXXV.
Ue póde já fazer minha ventura
Que seja para meu contentamento?

Ou como fazer devo fundamento
De cousa que o nao tem, nem he segura ?

Que pena póde ser taó cerra, e dura,
Que posla fer maior que meu' tormento?
Ou como receará meu pensamento
Os males, se comclles mais se apura ?

Como quem se costuma de pequeno
Com peçonha criar por máo sciente,
Da qual o uso já o tem seguro :

Mas eu acostumado ao veneno,
E uso de soffrer meu mal presente
Me faz nað sentir. já nada o futuro.",

)

Q

CCLXXVI.
Uando cuido no tempo, que contente
Vi as pérolas , neve, rosa, e ouro

Como quem vê por fonhos hũ thesouro , Parece tenho tudo aqui presente.

Mas tanto que se pafia este accidente, E vejo o quao distante de vós mouro, Temo quanto imagino por agouro , Porque de imaginar tambem me ausente.

Já foram diasem que por ventura
Vas vieg Senhora , se dize-lo pollo
Com o coração seguro estar sem medo.

Agora em tanto nial naó mo aflegura
A propria phantasia ,' e nojo volto :
Eu nao poslo entender cíte fegredo.

Ն

CCLXXVII.

Q

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CCLXXVII.
Uaodo, Senhora, quiz amor q amafle
Esa gráo perfeição, e gentileza,

Logo do por sentença, que a crueza
Em vollo peito amor accrescentaffe.

Determinou , que nada me apartafle , Nein desfavor cruel, nem aspereza ;) Mas que em ininha rarissima: firmeza. Volla isençao cruel se executaffe.

E pois tendes aqui offerecida Efta alma volla a voflo facrificio Acabai de fartar volla vontade.

Nao lhe alargueis , Senhora, mais a vida, Acabará morrendo em seu officio, Sua fé defendendo , e lealdade.

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CCLXXVIII. Eu

'U vivia de lagrimas isento',

N’hum engano tao doce, é deleitoso
Que em q outro amante folle mais ditoso,
Naó valiam mil glorias hum tormento.

Vendo-me posluir tal pensamento,
De nenhúa riqueza era invejoso;
Vivia bem , de nada receoso,
Com doce amor, e doce sentimento.

Cobiçosa a fortuna, me tirou,
Defte meu tao cantente

e alegre estado , E passou-se este bem , que nunca fora :

Em troco do qual bem, só me deixou Lembranças , qué me matam cada hora , Trazendo-me a memoria o bem passado.

CCLXXIX

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CCLXXIX.
Ndo o triste Paftor todo embebido

Na sombra de seu doce pensamento
Taes queixas espalhava ao leve vento ,
Co’hum brando suspirar da alma sahido:

A quem me queixarei , cego perdido, Pois nas pedras naó acho sentimento? Com quem fallo ? A quem digo meu tormento? Que onde mais chamo, sou menos ouvido.

O'bella Nympba , porque nao respondes? Porque o olhar-me , tanto me encareces? Porque queres que sempre me querelle ?

Eu quanto mais te vejo , mais te escondes ! Quanto mais mal me vês, mais te endureces ! Altim que co' o mal cresce a causa delle.

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CCLXXX.
De hum taó felice engenho, produzido
E

outro, , He trazer cousas altas no sentido, Todas dignas de espanto, e de louvor.

Museo foi antiquiffimo Efcriptor ,
Philofopho , e Poera conhecido,
Discipulo do Musico Amador,
Que co' o som teve o inferno suspendido.

Efte pode abalar o monte mudo
Cantando aquelle mal, que eu já paffei
Do mancebo de Abydo mal fisudo.

Agora contam já segundo achei ) Taflo e o nosso Boscaó', que disse tudo : Dos fegredos que move o cego Rei.

CCLXXXI. CCLXXXI.

da ;

Para fazerdes efle aureocrino,
Onde fostes buscar efie ouro fino ,
De que escondida mina , ou de que vea ?

Dos vossos olhos efla luz Phebéa,
Esse respeito, de hum Imperio dino,
Se o alcançastes com saber divino
Se com encantamentos de Medea ?
De que escondidas conchas escolhestes

,
as perlas preciosas Orientaes ;
Que fallando mostrais no doce riso?

Pois vos formastes tal, como quizestes
Vigiai-vos de vós, nao vos vejais,
Fugi das fontes, lembre-vos Narciso.

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N

e

CCLXXXII.
A ribeira do Euphrates assentado,

Discorrendo me achei pela memoria
Aquelle breve bem , aquella gloria ,
Que em ti doce Siao tinha passado.

Da causa de meus males perguntado
Me foi ; como naó cantas a hiltoria
De teu paslado bem e da victoria,
Que sempre de teu mal has alcançado ?

Naó fabes, que a quem canta fe lhe esquece
O mal, indaque grave, e rigorofo ?
Canta, pois, e nao chores deffa forte.

Respondi com suspiros : Quando crece
A muita saudade, o piedoso
Remedio he naó cantar , senao a morte

CCLXXXIII.

XXIII.

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