Imagens das páginas
PDF
ePub
[ocr errors]
[ocr errors]
[ocr errors]

U

[ocr errors]

171 * , :ITIS 1 CANÇA Ő II.

:) Inftabilidade da fortuna A

Os cnganos fuaves de amor cego
( Suaves se duráramlongamente)
Direi , por.dar á vida algum frezzo, /
Quc pois a grave pena me importuna
Importune meu canto a röda gere.
E le o partida bein co’ó mal presente
Me endurecer a voz no peito frio ;
O grande desvario
Dará de minha pena fignał certo Z..
Que hum erro em tantos erros he concerto.
E pois nesta verdade me confio :';
(se verdade fe achar no mal que digo )
Saiba o Mundo de amor o delengano
Que já com a razaó fe fez amigo
So por nað deixar culpa fem castigo.

Já amor fez leis, fem ter comigo alguma:
Já se tornou de cego razoado ,

por usar comigo femrazões.
E se em alguma coufáo tenho errado ,
Com fiso grande dor nað vi nenhuma :
Nem elle deo sem erros atfeições)!.
Mas por usar de frias isenções,
Buscou fingidas causas de marår-me.
Que para derribar-me..
A este abysino infernal de meu tormerito,
Nunca foberbo foi meu pensamento:

I Nem pertendco mais alto levantat-me

De

[ocr errors]
[ocr errors]

De aquillo que elle quiz; e se elle ordena
Que cu pague feu ousado atrevimento,
Saibam que o mesmo amor que me condena
Me fez cahir 'na culpa , e mais na pena.

Os olhos que eu adoro , aquelle dia
Que desceram ao baixo penfamento,
Na alma os aposentoi suavemente ;
E pertendendo mais, como avarento ,
O coraçao lhe dei por iguaria
Que a meu mandado tinha obediente:

:
Mas como lhes esteve alli presentes
E entenderam o fim do nieu desejo",
Ou por outro despejo ,
Que a lingua descobrio por defvario
Morto de fede estou pofto em hum rio
Onde de meu servir o fructo vejo ;
Mas logo se alça fe a colhê-lo venho ;
E foge-me a agua se em beber porfio :
Affi que em fome , e fede me mantenho;
Naó tem Tantalo a pena que eu foftenho.

Despois q aquella em quem minha alma vive,
Quiz alcançar o baixo atrevimento',
Debaixo de este engano a alcancei.
A nuvem do contino pensamento
Ma figurou nos braços e affi a 'tive
Sonhando o que acordado defejei.
E porque a meu desejo' me gabci
De conseguir hum bem de tanto preço';
A’lém do que padeço,
Atado em huma roda estou penando,

1 Que em mil mudanças me anda rodeando; wid

On

[ocr errors]

Onde , se a alguini bem fubo, logo deço ;
E asfi ganho e affi perco a confiança :
E affi de mi fugindo traz mim ando :
E affi me tem atado huma vingança ,
Como Ixiao, tao firme na mudança.

Quando a vista suave, e inhumana,
Meu humano desejo , de atrevido
Commerteo , fem saber o que fazia ;
(Que da sua belleza foi nascido
O

cego moço, que com fétta insana
O peccado vingou desta ousadia)
Afora este penar, que eu merecia
Me deo ouita maneira de tormento.
Que nunca o pensamento,
Voando sempre de huma a outra parte,
Deftas entranhas tristes bem fe farte;
Imaginando como , c famulento,
Que come mais, e a fome vai crescendo;
Porque de atormentar-me nao fe aparte:
Affi

que para a pena estou vivendo. :
Sou outro novo Ticio, e nao me entendo,

De vontades alheas que eu roubava,
E que enganosamente recolhia
Em meu fingido peito me mantinha;
O

engano de maneira Ihes fingia ,
Que despois que a meu mando as fobjugava,
Com amor as matava, que eu nao tinha.
Porém logo o castigo que convinha
O vingativo amor me fez sentir,
Fazendo-me subir
Ao monte da, afpereza que em vós vejo,

Co

Co'o pezado penedo do desejo,
Que do cume do bem me vai cahir.
Torno a subi-lo ao desejado aflento :
Torna a cahir-me ; em váo , em fim pelejo.
Sisypho, nao te espantes deste alento,
Que as costas o subi do foffrimento.

Defta arte o summo bem se me offerece
Ao faminto desejo, porque

finta A perda de perdê-lo mais penosa: Bem como o avaro , a quem o sonho pinta O achado de hum thesouro, onde enriquece ,

farta a sua sedc cobiçosa ;
E acordando , com furia presurosa
Vai o sitio cavar com que

sonhava :
Mas tudo o que buscava
Lhe converte em carvaó a desventura :
Alli sua cobiça mais se apura ,
Por lhe faltar aquillo que esperava :
O amor assi me faz perder o siso ;
Porque aquelles que estao na noite escura
Nao sentiriam tanto, o triste abisso,
Se ignorallem o bein do Paraiso.

Cançao, nao mais ; que já nao sei que diga:
Mas porque a dor me seja menos forte,
Diga o pregaó a causa desta morte.

CANÇA Õ III.

A’a roxa manháa clara

do Oriente vinha abrindo, Dos montes descobrindo

J ,

А

[ocr errors]
[ocr errors]

A negra escuridao da 'luz avára: Cine
O sol, que, nunca parar ,
Da sua alegro vista faudoso,ossi
Traz ella presurofo
Nos cavallos cansados do trabalho
Que respiram nas hervas fresco orvalho
Se estende claro, alegre , e luminofo.
Os pallaros voando,

we
De raminho em raminho vaó faltando ;
E com suave, e doce melodia
O, claro dia estao manifestando.

A manháa bella , amena,
Seu rosto descobrindo', a espessura:
Se cobre de: verdura
Clara , suave, angelica, serena...).
Oh deleitosa pena!
Oh effeito de amor alto

e potente !
Pois permitte', e consente ,
Que ou donde quer q eu ande , ou donde esteja,
O seraphico gesto fempre veja ,
Por quem de viver triste fou contente.
Mas tu , Aurora pura,
De tanto bem dá

á ventura,
Pois as foi pôr em ti tao excellentes,
Que representes tanta formosura.
A luz suave

[ocr errors]

graças

e leda, A meus olhos me mostra, por quem mouro; Com os cabellos de ouro Que nenhum ouro iguala, se os remeda. Elta a luz he que arreda A negra escuridao do sentimento,

wa Ао

>

« AnteriorContinuar »