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P

CXXXVIII.

Refença bella, Angelica figura,

Em quem, quanto o Ceo tinha, nos té dado; Gefto alegre de rofas femeado,

Entre as quaes fe efta rindo a formofura:
Olhos, onde tem feito tal miftura
Em crystal puro o negro marchetado,
Que vemos já no verde delicado,
Nao efperança, mas inveja efcura :)

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Brandura, avifo, e graça, que augmentando A natural belleza co hum defprezo,

Com que mais defprezada mais fe augmenta, Sao as prizões de hum coraçao, que prezo Seu mal ao fom dos ferros vai cantando Como faz a serêa ña tormenta. 101

CXXXIX.

و.

Or cima deftas aguas forte, e firme
Per aonde os fados o ordenaram
Pois por cima de quantas derramaram
Aquelles claros olhos pude vir-me.

Já chegado era o fim de defpedir-me'; ~
Ja mil impedimentos fe acabaram
Quando rios de amor fe atravellaram
A me impedir o pallo de partir-me.
Paflei-os eu com animo obftinado, bu
Com que a morte forçada, e gloriofa,
Faz o vencido já defefperado.

P

Em qual figura ou gefto defusado, del

Póde já fazer medo a morte irofa,

A quem tem a feus pés rendido, e atado?

T

CXXXX.

Al moftra de fi dá vofla figura,
Sibela, clara luz da redondeza,
Que as forças, e o poder da natureza,
Com fua claridade mais apura.

Quem confiança ha vifto taó fegura,
Tao fingular efmalte da belleza,
Que nao padeça mal de mais graveza,
Se refiftir a feu amor procura ?

Eu, pois, por efcufar tal efquivança,
A razao fujeitei ao penfamento,
A quem logo os fentidos fe entregáram.
Se vos offende o meu atrevimento
Inda podeis tomar nova vingança
Nas reliquias da vida que ficaram.

CXXXXI.

A defefperação já repoufava
O peito longamente magoado;
E com feu damno eterno concertado,
Já naō temia, ja nao defejava.

Quando huma fombra vãa me afsegurava
Que algum bem me podia eftar guardado
Em tao formofa imagem, que o traslado
Na alma ficou, que nella fe elevava.
Que credito que dá tao facilmente
O coração a aquillo que defeja,
Quando the efqueće o fero feu deftino!

Ah! Deixem-me enganar; que eu fou contente: Pois poftoque maior meu damno feja, Fica-me a gloria já do que imagino.

CXXXXII.

CXXXXII.

DIverfos dões reparte o Ceo benino,

E quer que cada húa alma hú fó possua ; Por iffo ornou de cafto peito a Lua, Que o primeiro orbe illuftra, crystallino. De graça a mái formofa do menino, Que neffa vifta tem perdido a fua; Pallas, de fciencia nao maior que a tua, Tem Juno da nobreza o Imperio dino. Mas junto agora o largo Ceo derrama Em ti o mais que tinha e foi, o menos Em refpeito do Author da natureza.

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Que a feu pezar te daó, formofa Dama,
Seu peito a Lua, fua graça Venos,
Sua fciencia Pallas, Juno fua nobreza.

G

CXXXXIII.

Entil Senhora, fe a fortuna imiga
Que contrà mi com todo o Ceo confpira,
Os olhos meus de ver os voffos tira,
Porque em mais graves cafos me perfiga.
Comigo levo efta alma, que fe obriga
Na mór preffa de mar, de fogo, e d'ira,
A dar-vos a memoria, que fufpira,
Só por fazer comvofco eterna liga.

Nefta alma, onde a fortuna póde pouco,
Tao viva vos terei, que frio, e fome,
Vos nao poffam tirar, nem mais perigos.
Antes com fom de voz trémulo, e rouco

Por vós chamando, fó com voffo nome
Farei fugir os ventos, e os imigos.

Q

CXXXXIV.

Ue modo taó fubtil da natureza

Para fugir ao Mundo, e feus enganos!
Permitte que se esconda em tenros anos
Debaixo de hum burel tanta belleza.
Mas nao póde efconder-fe aquella alteza,
E gravidade de olhos foberanos,

A cujo refplandor entre os humanos,
Refiftencia naó finto, ou fortaleza.
Quem quer livre ficar de dor, e pena,
Vendo-a já, já trazendo-a na memoria
Na mefma razao fua fe condena.

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Porque quem mereceo ver tanta gloria, Captivo ha de ficar; que amor ordena, Que de juro tenha ella efta victoria.

Q

CXXXXV.

,

Uando fe vir com agua o fogo arder,
Juntar-fe ao claro dia a noite efcura,
E a terra collocada lá na altura
Em que fe vem os Ceos prevalecer.
Quando amor á razaó obedecer,
E em todos for igual huma ventura
Deixarei eu de ver tal formofura,
E de a amar deixarei depois de a ver.
Porém nao fendo vista esta mudança
No Mundo, porque, em fim, naó póde ver-se,
Ninguem mudar me queira de querer-vos..
Que bafta eftar em vós minha esperança

E o ganhar-fe a minha alma, ou o perder-fe,"
Para dos olhos meus nunca perder-vos.
G

Tom. II.

CXXXXVI

Q

CXXXXVI.

Uando a fuprema dor muito me aperta Se digo que defejo efquecimento, He força que fe faz ao penfamento, De que a vontade livre defconcerta. Afli de crro tao grave me desperta A luz do bem regido entendimento, Que moftra fer engano, ou fingimento, Dizer que em tal defcanfo mais fe acerta.

Porque effa propria imagem, que na mente Me reprefenta o bem de que careço, Faz-mo de hum certo modo fer prefente. Ditofa he, logo, a pena que padeço Pois que da caula della em mi fe fente Hum bem que inda fem ver-vos reconheço.

CXXXXVII.

A margem de hum ribeiro, que fendia
Com liquido cryftal hum verde prado,

O trifte Paftor Lifo debruçado

Sobre o tronco de hum freixo affi dizia :
Ah Natercia cruel! Quem te desvia
Effe cuidado teu do meu cuidado?
Se tanto hei de penar defenganado,
Enganado de ti viver queria.

Que foi de aquella fé que tu me déste?
De aquelle puro amor que me mostraste ?
Quem tudo trocar pode tao afinha?

Quando effes olhos teus n'outro puzeste,
Como te nao lembrou que me jurafte
Por toda a fua luz, que eres fó minha ?

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