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... A doçura e harmonia da língua portuguesa é manifesta, não só aos nacionais mas tambêm aos estranjeiros; e para tratar amores, e tôdas as mais qualidades de afectos, nenhuma se lhe iguala. Procede isto não só do génio da Nação Portuguesa, por ser naturalmente inclinada à paixão do amor, e mui desejosa de o publicar em frase de extrema suavidade, mas tambêm por ser a língua mui cheia de rimas de suavíssima harmonia, e letras consoantes de mui doce pronunciação, como bb, dd, ll, mm, nn, ss, zz. E talvez que à sobredita paixão se deva em grande parte a beleza e ordem natural da nossa sintaxe; porque quem se sente possuído dêste afecto põe tôda a diligência em o manifestar com clareza ao objecto que lho faz sentir, donde só espera o remédio do mal que sente. E se o amor não foi o que inventou as línguas, foi certamente quem as aperfeiçoou e puliu.

(Obras Poéticas, pág. 277 e ss.)

XXXVI

António Pereira de Figueiredo

H

(1725-1797)

AVENDO de tratar da eloquência de João de Barros, escritor hoje mais conhecido pelo nome do que por lição que haja das suas obras, é-me necessário protestar logo no princípio que não é minha tenção censurar, e muito menos reprovar um estilo que, sendo inteiramente diverso daquele que há cinquenta anos falaram entre nós os que se reputavam falar bem, é hoje todavia o que mais reina nos papéis de todos os nossos sábios. Um estilo onde os oradores se não distinguem dos poetas, segundo uns imitam dos outros as mesmas frases, os mesmos epítetos, as mesmas translações, as mesmas imagens. Um estilo onde tudo o que é do uso comum de falar se evita estudadamente, como plebeu e sórdido.

Um estilo, finalmente, cuja época se deve deduzir daquele tempo em que, preferida a lição dos escritores estranjeiros à dos pátrios, começou a dar-se por um português rasteiro e insulso tudo o que não tivesse muitos e mui sensíveis ressaibos do dialecto francês.

Não é da minha tenção, torno a dizer, nem tambêm da minha competência, censurar e muito menos reprovar um tal estilo. Tenho advertido por uma parte que, por uma natural inclinação que todos temos à novidade, sempre nos agrada mais o que é mais moderno; e que, pelo pouco aprêco que de ordinário fazemos das nossas cousas, sempre o que vem de fora nos parece mais admirável do que o que temos de.

casa.

Por outra parte eu não presumo, nem devo presumir tanto de mim, que me queira erigir em mestre de uma língua que ainda até o presente ando aprendendo pelos nossos livros. Esta alta qualidade só poderia competir, quando muito, a uma corporação inteira, ou de censores régios, ou de outros homens académicos.

Mas, não se me podendo negar que tôdas e cada uma das línguas cultas da Europa formam de si uma eloquência

própria delas, a que podemos chamar eloquência nacional; e que tanto é mais nacional esta eloquência quanto ela participa menos da estranha passo já a mostrar que, entre todos os nossos escritores, é João de Barros aquele em que mais reluz a eloquência da língua portuguesa, considerada no seu fundo; e que assim merece Barros ser o escritor de cuja lição mais se aproveitem todos os que aspiram a falar bem a mesma língua.

Falar bem uma língua é dizer o que se tem para dizer, explicando-se cada um pelos termos mais análogos e mais naturais da mesma língua, ou êstes sejam dos que chamam próprios, ou sejam dos que chamam translatícios ou metafóricos.

Alêm disto requere-se uma tal perspicuidade e uma tal fluidez de estilo, que aquela remova tôda a hesitação na inteligência do que se diz; esta todo o embaraço da leitura.

Ora, começando pelos termos ou vocábulos próprios da língua portuguesa, ¿ quem melhor do que Barros os empregou escrevendo, e escrevendo em tantas matérias?

Tende por certo que tôda aquela naturalidade. formosura e desfastio de dizer.

que ainda hoje tanto admiramos e tanto envejamos, os que lemos por um Lucena, por um Sousa, por um Vieira tôda essa a aprenderam e tiraram êles de Barros...

(João de Barros, exemplar da mais sólida eloquência portuguesa, in Memórias de Lit. da Acad. R. das Sc., Tomo IV, Lisboa, 1798, pág. 5 a 7.)

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