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INTRODUÇÃO

I

PRELIMINARES

P

RETENDE êste livro ser colecção, homenagem

e incitamento: colecção de lugares selectos

de escritores lusitanos já mortos, e que de qualquer maneira se referiram à nossa língua para a glorificar, para a defender e para a conservar ou fazer progredir; homenagem à memória ou aos serviços de muitos dêsses paladinos da linguagem, amorosos dela cada um a seu modo: alguns com paciente e miúda inteligência de sábios e outros com instinto de poetas, ardente e apaixonado;-incitamento, em-fim, aos moços portugueses de hoje, para que, de olhos postos no exemplo de tantos escritores nossos de outrora e de sempre, aprendam com êles a amar, a venerar, a defender a fala que herdámos dos maiores, e que nos cumpre transmitir aos vindouros rejuvenescida, sim, mas não desraïzada: -- capaz de

acompanhar o desenvolvimento e avanço das ideias, dos factos ou das artes, mas sem perder o Norte da sua origem e da sua tradição, da sua autonomia e da sua individualidade.

Como homenagem ou como incitamento, justificar-se hão por si próprios o valor e a eficácia do volume; como colecção, porém, não lhe será fácil livrar-se inteiramente das pechas que acompanham tôdas a colecções: a de serem pueris ou arbitrárias, e a de ficarem sempre incompletas.

Contra a eventual acusação de puerilidade escudar-nos há não só o exemplo douto e sério da velha Academia Real das Sciências de Lisboa, que abriu o seu Dicionário com um capítulo de Memórias e louvores da lingua portuguesa que se achão em diversos autores, mas também o de José Silvestre Ribeiro, que nos seus Primeiros Traços apresenta um catálogo de intuito e sentido idênticos.

Arbitrária é certamente a escolha de muitos dos autores apresentados e dos trechos transcritos, que poderiam ser estes ou outros, dada a impossibilidade de se apresentar ou transcrever tudo e todos, a não ser numa publicação muito extensa, que logo alienaria, pelo excessivo pêso e espessura, o carácter leve e fácil que queremos manter nestas nossas compilações de vulgarização e propaganda.

Supomos todavia que, apesar da relativa brevi

dade com que foi feita

e por culpa da qual nos

terá de-certo escapado

aqui e ali matéria mais

apropriada ao nosso intuito do que alguma da que colhemos- a colecção de Paladinos de Linguagem servirá ao intuito que a fêz nascer.

Se tivéssemos nos limites regulamentares dêstes volumes folga para tanto, não deixaríamos de incluir na série das transcrições algum trecho" de Barbosa Machado, Luiz António Verney, Santa Rosa de Viterbo, Frei Fortunato de S. Boaventura, Cunha Rivara, Evaristo Leóni, Borges Carneiro, Inocêncio Francisco da Silva, Latino Coelho, Silva Túlio, Sousa Viterbo, Gonçalves Guimaraes e vários outros eruditos que muito trabalharam pela vernaculidade e boa conservação da nossa língua. A sua ausência do corpo do volume não significa esquecimento ou ingratidao, nem tira a esta selecta o seu principal valor, que é o de suscitar e agitar uma longa série de problemas, sempre insolutos, e portanto sempre actuais, relativos à língua nacional.

Nenhuma ideia preconcebida, ou antes: nenhum exclusivismo fanático nos guiou a mão e forçou a escolha dos trechos apresentados e dos autores que os assinam. Por isso incluímos entre estes Eça de Queiroz e Fialho de Almeida, prosadores acusados de graves delitos contra a vernaculi

dade, mas que nem por isto deixaram de muito amar a língua em que escreveram e de lhes prestar a seu modo serviços de altíssima valia. Por isso, também, tirámos de Camilo um passo que à primeira vista parecerá contraditório com a sua invariável atitude de mestre exímio da linguagem.

Dissemos que o principal valor dêste livro consiste na ocasião que proporciona, de suscitar e agilar muitos problemas concernentes ao estudo da língua nacional.

A latinidade do português, comparado com a das linguagens suas irmãs; a história das invasões francesas no domínio da língua; a luta contra o galicismo no léxico e na sintaxe; a interminável contenda entre puristas e progressistas; o confronto dos dotes prosódicos e estilísticos da nossa língua e da francesa, sua inimiga e rival; o inventário objectivo das belezas e riquezas do português; o traçado de um plano de conservação e defesa da linguagem, desde a escola à literatura, ao jornalismo e às publicações administrativas e legislativas; a observação e confissão serena dos defeitos do português como língua

culta e moderna, se é que os há; a sua capacidade expressiva como veículo de ideias gerais e filosóficas; a sua concisão ou prolixidade; a sua aptidão para instrumento de música vocal; o seu presente e o seu futuro no Brasil: - todos êstes tópicos (e são apenas citados os que de momento nos ocorrem) designam cada um de per si matéria vasta e funda para outras tantas relevantíssimas teses académicas ou universitárias, e até para volumosos tratados doutorais.

Depois, e a propósito de cada um dos nomes de muitos autores adiante seleccionados, impôr-se há naturalmente a todos os espíritos curiosos dêstes assuntos a pregunta seguinte: ¿ Porque não temos, e quando teremos, uma série razoável de monografias sôbre os serviços prestados à língua portuguesa por um Sá de Miranda, um João de Barros, um António Ferreira, um Camões, um Filinto, um Castilho, um Camilo, e tantos outros?...

E' um mar de assunto, aberto à curiosidade, ao estudo e ao trabalho das autoridades já formadas e das gerações que, agora aínda sem asas para voarem, um dia breve receberão o encargo de erguer tão alto quanto possam e nunca será de maiso legado mais precioso que nos herdaram os nossos grandes séculos e os nossos grandes homens: a chave mestra da nossa individualidade colectiva; a fiança mais sólida da autono

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