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Foi êle o primeiro que notou a beleza da obra da expansão ultramarina da língua, tão amada e espantosa, que como novo apóstolo, na fòrça das mesquitas e pagodes de todas as seitas e idolatrias do mundo, desprega, prègando e vencendo, as Reais Quinas de Cristo, com que muitos povos da gentilidade são metidos em o curral do Senhor.

Foi êle quem primeiro disse que a maior, a mais duradoira conquista, era a transplantação da linguagem:

«O mais certo sinal que o Romano pode dar, de ser a Espanha súbdita ao seu império, não serão suas crónicas e escrituras (porque estas, muitas vezes, são favoráveis ao senhor de quem falam; mas a sua língua, que nos ficou em testemunho de sua vitória... As armas e padrões portugueses postos em África e em Ásia, e em tantas mil ilhas fora da repartição das três partes da Terra, materiais são e pode-os o tempo gastar. Mas nada gastará doutrina, costumes, linguagem, que os Portugueses nestas terras deixarem...»

Apesar do zêlo teórico com que êle próprio procurava filiar o português no latim, e até consubstanciá-lo com êste, for João de Barros o primeiro português do Renascimento que se atreveu a sonhar e a expor o princípio profundamente naciona

lista e progressivo de abrir a instrução infantil com a aprendizagem da língua pátria e não da latina: «Não te pareça trabalho sobejo entender tanto na própria linguagem, porque, se fores bem doutrinado nela, levemente o serás em as alheias.>>

Depois do autor da Ásia muitos escritores clássicos portugueses, nos séculos XVI, XVII e XVIII, se ocuparam em louvar e defender a lingua em que escreviam. Mas nenhum o fêz com a forte originalidade dêste grande adivinho.

A seguir a João de Barros é o Dr. ANTÓNIO FERREIRA (cronológicamente, porque no entusiasmo êste admirável paladino da linguagem não tem quem o exceda) o mais consciente, e ao mesmo tempo o mais comovedor.

È êle quem diz que a única glória a que aspira, para prémio da sua obra, é que a posteridade junte ao seu nome, como título e honra suprema, o apelido de amigo da lingua:

«<! Ah, Ferreira (dirão) da língua amigo!...» É o que primeiro e mais insistentemente se insurge contra o uso dos escritores portugueses

do seu tempo, que todos prosavam ou versejavam em castelhano; e, reforçando a prédica com o exemplo, não escreveu em tôda a sua vida, curta mas meritória, uma palavra que não fosse portuguesa.

A língua é digna; indignos são aqueles que a desprezaram, em vez de a cultivarem quanto

merece:

Floresça, fale, cante, oiça-se e viva
A portuguesa língua, e já onde fòr,
Senhora vá de si, sobêrba e altiva......
Se até aqui esteve baixa e sem louvor,
Culpa é dos que a mal exercitaram,
Esquecimento nosso, e desamor.

Sentindo como ninguém a eternidade da lingua, Ferreira traça à sua geração o caminho verdadeiro e indica-o ainda às gerações seguintes, como o patriarca previdente, zeloso da conservação do seu sangue, e tão preocupado do presente como do futuro:

Mas tu farás que os que a mal julgaram,
E inda as estranhas línguas mais desejam,
Confessem cedo ante ela quanto erraram,
E os que depois de nós vierem vejam
Quanto se trabalhou por seu proveito,
Por que èles para os outros assim sejam.

Palavras de oiro, dignas de figurarem como divisa das nossas aulas secundárias e superiores de Português, e úteis para memento de tantos jovens escritores do nosso tempo, mais apressados em publicar o que escrevem, do que solícitos em aprender a escrever,

VI

RIQUEZAS DA NOSSA LÍNGUA

ABANDO a riqueza da nossa língua disse FRANCISCO DE MORAIS, autor do Palmeirim de Inglaterra, que em copiosidade de palavras nenhuma da Cristandade lhe faz vantagem.

FREI AGOSTINHO DE SOUSA Viu na prosa de Frei Luis de Sousa ser a linguagem portuguesa tão abundante de palavras, tão rica de bons termos e, pela mesma razão, tão perfeita, como as melhores da Europa.

Critério mais complexo é a êste respeito o de JORGE FERREIRA DE VASCONCELOS, autor da Eufrosina. Esse entende que a nossa língua com o seu cabedal é tão rica, que lhe achareis alfaias ricas de que as outras carecem; mas, ao mesmo tempo, declara querer raivar com aqueles Portugueses que a difamam de pobre, não lhe consentindo alfaiar-se do alheio, como se o principal cabedal das copiosas não seja o mais dèle emprestado,

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