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– É.

«E D. Quitéria escreveu jubylo.

«Recomendações à mana Anica e muitos beijos à Laurinha e façam por vir o mais cedo que puderem.

<- Puderem.

«-- Suas manas que muito o estimam e muito reconhecidas aos seus obséquios.

«- Obséquios. Agora assine, mana.....

«D. Genoveva aproximou-se da mesa e, depois de ter puxado a escrita, assinou com a mão trémula: Genoveva Martins.

«Depois seguiu-se a colocação das vírgulas, tarefa importante de que as boas senhoras se saíram sofrivelmente, colocando vírgulas quási de duas em duas palavras, sistema de ortografia tão bom como outro qualquer, visto que não temos nenhum.

«Antónia foi chamada para ouvir a leitura e tôdas três admiraram a redacção da carta, que não duvidaram em considerarar um modelo no género.

Esta descrição é cheia de colorido e de verdade. Dá bem a impressão das dificuldades que deviam ter tido as duas venerandas senhoras, em presença do grave problema da redacção de uma carta, pois passavam anos sem ter que recorrer a êsse meio de comunicar com o próximo.

Não foi esta parte do manuscrito revista pelo autor. Isso se depreende mesmo da troca constante dos nomes Jerónima e Quitéria, ambos atribuidos à mesma senhora e que nós uniformizamos, preferindo o segundo.

Se o autor tivesse de rever o interessante diálogo, talvez modificasse uma ou outra frase. Mas nem por isso deixa de ser esta descrição uma das mais belas que conhecemos do romancista.

V

ORIGENS DO ROMANCE
«A MORGADINHA DOS CA-

NAVIAIS »

II

O estudo do romance A Morgadinha seguiremos ainda, por mais algum tempo, as passagens do manuscrito que vimos examinando. Apreciá-las minuciosamente é o dever de quem se propõe estudar a maneira como Júlio Denis levava a têrmo a urdidura dos seus romances e como dos apontamentos primitivos fazia sair a forma definitiva da obra.

Tôda a documentação referente aos outros romances, com excepção do segundo volume dos Fidalgos, que existe com emendas, mas já na última forma, nada mais encontramos que

possa servir de base a um estudo similar ao que vimos fazendo.

Profundar êstes elementos é possivelmente determinar a maneira como Júlio Denis elabo

rou todos os seus romances. Nas Pupilas, sabemos nós, por confissão do autor, seguiu um processo parecido:

«Principiei a escrever as Pupilas em Ovar (1863), diz Júlio Denis (1), durante os meses de Julho a Agosto. Terminei-as no Pôrto em Setembro ou Outubro. Ficaram-me na gavêta até ao ano de 1866, em que resolvi publicá-las. Alterei bastante o romance e ampliei-o introduzindo-lhe personagens e capítulos novos. Publicou-se em 1866 de Março a Julho (2). Publicou-se em volume em Outubro de 1867. O primeiro exemplar brochado em 20 de Outubro» (3).

Que pena não se ter encontrado o manuscrito do primitivo romance tal como saíu na sua primitiva fase vareira!

Que interessantes notas interpretativas do

(1) Júlio Denis, Inéditos e Esparsos, ed. cit., vol. I, pág. 7.

(2) Publicadas no Jornal do Pôrto, em folhetins.

(3) Esta nota, publicada nos Inéditos, e que vimos num dos seus livros de apontamentos, foi a única que encontrámos referente às Pupilas.

modo de ser artistico de Júlio Denis nos não daria! Que de elementos nos forneceria para a exacta identificação das suas personagens !

Mas voltemos ao manuscrito em questão. Em seguida à scena da carta, preocupa-se Júlio Denis em delinear a figura de Valentim, surpreendendo-o nos passeios ao cemitério da aldeia que, pela descrição, deve ser o de Ovar, no seu carácter triste e meditativo, no combate contra um íntimo desgôsto que êle disfarçava em placidez e em sorrisos complacentes.

Procura o isolamento, diz o romancista, para sondar a sua consciência. Vivia na agitação do dilema terrível: «Num momento sentia o coração a chamá-lo ao mundo; noutro a consciência a apontar-lhe o caminho do altar». Noutra passagem explana mais a tese:

«É a consciência a desconfiar ainda de si; é a imaginação ainda a não poder dizer de todo adeus a algumas risonhas ficções que a acalentavam em sonhos. Triste a juventude para a qual êstes sonhos são quási um crime!

«Quando o pensamento tem de evitar estas imagens que volteiam em tôrno dèle como em enfeitiçados círculos, e os olhos ávidos de luz têm de se fechar à vista dêsses deslumbrantes países que a fantasia oferece; triste da juventude que não consegue o descanso que procura, senão após a extenuação que produz a luta».

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