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Júlio Denis previu a scena íntima da luta entre o adolescente que quere e deseja a vida com todos os seus encantos e a prisão voluntária à vida sacerdotal, que êle só admitia quando uma vocação segura a impusesse. E não teve ânimo bastante para enfrentar o seguimento do drama iniciado na passagem transcrita.

Pôr em conflito o filho e a mãe-e, de facto, mesmo pela cedência desta, êle havia de dar-se, -repugnava ao seu carácter: era superior às suas forças.

No romance definitivo, Augusto, que substitui Valentim, é órfão de mãe. Afastou, assim, e de vez, a luta em que impensadamente ia a envolver-se.

VI

ORIGENS DO ROMANCE
«A MORGADINHA DOS CA-
NAVIAIS »

III.

A sala da Casa de Alvapenha reüniam-se, muitas vezes, com tôda a família, algumas pessoas das imediações que, na frase do romancista, vinham cumprir os seus deveres de civilidade» com os ilustres hóspedes. Laura, seu pai e um pouco forçadamente Valentim, conversavam em literatura, fugindo, assim, às conversas anódinas e insonsas destas reuniões aldeas. Valentim patenteava, sem querer, aos olhos de Laura todo o drama intimo da sua vida.

«Foi num dêsses momentos »

escreve Júlio

Denis «em que a idea de Valentim seguia a sua malancólica propensão, que Laura, tentando arrebatá-lo daquele desconfôrto em que o via mergulhado, lhe disse sorrindo:

«- Vamos, senhor Valentim, eu e meu pai já explanámos as nossas predilecções literárias; queremos saber as suas. Recite-nos alguma coisa. Não lhe ocorre nada?

«Valentim ergueu a cabeça a estas palavras

e sorriu.

«Havia naquele sorriso uma expressão de amargura sensível aos olhos menos perspicazes. Laura observou-o atentamente.

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(- - Agora mesmo me estava ocorrendo» disse Valentim com o tom melancólico que lhe era habitual- «umas estâncias irregulares cujo autor ignoro. Quero-lhes pelo assunto.

α

-Qual é ?»-preguntou Laura com interêsse. «-E uma elegia sôbre o túmulo de um padre.

« Ah!» — disse Laura fixando os seus olhares sobre o rosto do mancebo. «Recite, recite...

«Valentim correu a mão pela fronte, que deixou ficar encostada, emquanto que, com a voz vagarosa e repassada de tristeza, o olhar perdido no espaço, recitou as singelas quadras que, na véspera, lhe haviam sido ditadas pelo coração junto ao túmulo onde tantas vezes parou, a meditar no seu destino.

O BOM REITOR

«Sabem a história triste

Do bom Reitor?

Mísero! Tôda a vida

Levou com dor.

«Fêz quanto bem podia...

Mas, afinal,

Morre, e na pobre campa,

Nem um sinal!

«Nem uma cruz, ao menos,
Se ergue do chão!
Geme-lhe só no túmulo
A viração.

«Vêdes além, no vale (1),

Junto ao rosal,

Flores que há desfolhado
O vendaval?

(1) Esta poesia foi publicada por Júlio Denis no Jornal do Porto de 1 de Agosto de 1864 (vol. I, cap. XI). Intercalou-a na primeira carta a Cecília sôbre Impressões do campo, com o pseudónimo de Diana de Aveleda. Faremos, em breve, larga referência a essa carta. Por agora notaremos a variante dêste verso.

Vêdes além... na relva.

Quer uma, quer outra, se adaptam ao scenário do

velho cemitério de Ovar.

«Cobrem-lhe a lousa fria.

A criação

Só lhe venera as cinzas
Co'ignota mão (1).

«Pobres que tanto amava

Nunca, ao passar,
Curvam a fronte e ajoelham
Para rezar (2).

«Nunca, ao nascer do dia (3)

O lavrador

Passa e lamenta a sorte

Do bom Reiror.

«Nem, do cair da tarde,
Á ténue luz,

(1) Na carta a Cecília escreveu:

«Paga-lhe assim a dívida

De compaixão.>>

(2) Esta quadra aparece assim modificada no Jornal do Porto:

«Pobres que amava tanto

Nunca, ao passar,
Choram, curvando a fronte,

Para rezar.»>

(3) Júlio Denís alterou para:

Nunca, ao romper do dia.......

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