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destar coele em quanto esteuesse em terra, & leuaua sua cozinha, copa & cama, porque auia destar com grande estado, conforme ao cargo que leuaua, & acompanhauano todos os capitães da frota em seus bateys, que yão todos de festa. E ao mar ho forão receber por mandado del rey de Calicut muytos nayres com muytas trombetas & outros instormentos alegres & era todo ho mar cuberto de bateys, tones & almadias. E nisto forão leuados os arrefens á nao de Sancho de thoar, que chegados entrarão com grande difficuldade pelo receo que tinhão de os catiuare, & chegado Pedraluarez a terra achou gente sem conto que ho estaua esperando: & do batel foy tomado em hû andor que el rey mandou pera isso, & foy leuado a hû çarame, que he casa terrea de madeyra que el rey mandou fazer pera se verem, por Pedraluarez não ir aos seus paços que era longe. Ho çarame estaua todo alcatifado, & no cabo estaua hua capela pequena em que el rey estaua assentado em hum estrado rico com hu dossel de veludo carmesim. Tinha eingido hum pano dalgodão branco finissimo, com muytas rosas douro que ho cobria da cinta ate os giolhos, & todo ho mais estaua nú, tinha na cabeça hua cousa de brocado feyta a modo de capacete antigo, nas orelhas tinha arrecadas de diamães & perolas finas, os braços cheos de manilhas douro dos cotouelos ate as mãos com pedraria sem coto de muyto preço, & ho mesmo tinha nas pernas, & cubertos daneis os dedos das mãos & dos pés de fina pedraria. E por grandeza tinha no dedo polegar de hum pé hù anel com hû robi grande, que luzia como brasa. E toda esta pedraria não era nada em comparação da que tinha em hua cinta que era cousa sem preço. E de todos os mêbros de seu corpo em se bolindo reberuerauão rayos. Estaua junto coele hữa cadeira real antiga toda de prata & douro laurada de pedraria, & da mesma maneira era hum andor em que el rey fora leuado ao çarame, ho cospidor em que cospia era de ouro, & do mesmo ouro estauão ali muytos per

fumadores, de que saya muyto suaue cheyro. E por estado tinha acesas seys tochas mouriscas douro. Estauão no çarame vinte trombetas, de a dez & sete erão de prata & tres douro. Seys passos deste lugar em que el rey estaua, estauão dous irmãos seus que se chamão principes, porque herdão ho reyno: & mais afastados estauão Caymaeis Panicaeis & outros grandes, & todos em pé.

CAPITOLO XXXV.

De como Pedraluarez Cabral falou a el rey de Calicut.

Entrado

ntrado Pedraluares cabral neste çarame onde el rey estaua foy espantado de seu grande estado, & feyta sua reuerecia ao nosso modo, fezlhe el rey muyto gasalhado com ho rosto, & mandouho assentar junto dos Principes, que era a mayor honrra que se lhe podia fazer. E assentado deu hua carta ao lingoa que a desse a el rey, que lha mandaua el rey dom Manuel escrita em lingoa Arabica, & em Portugues, feyta por hû fidalgo chamado Duarte galuão.

E dezia.

Grande & de muito poder Principe çamorim, per

merce rey de Calicut. Nos dom Manuel por sua diuina graça rey de Portugal Daquem & dalem, mar em A frica Senhor de Guiné. &c. Vos enuiamos muyto saudar, como aquele que muyto amamos & prezamos. Deos todo poderoso, começo, meo & fim de todas as cousas, por cuja ordenança cursam os dias, tempos & feytos humanos, assi como por sua infinita bondade criou ho můdo & ho remio per Christo Iesu nosso saluador. Assi em seu grande & infinito saber ordenou muytas cousas pera os tempos que auião de vir, pera bem & proueito da geração humana, inspirando polo Spirito sancto nos corações dos homes, quando aquelas cousas q por homes auia de ser feitas fossem postas em obra em tem

pos por ele limitados, & não antes nem despois. E por isto ser assi verdade & conhecida por experiencia, se com são & verdadeyro juyzo quiserdes considerar a grandeza & nouidade & misterio da ida de nossas gentes & nauios que forão a vos & a essas vossas terras. Deueys de fazer nessas partes Doriente, o que todos fazemos nestas do ponente, que he darmos muytos louuores ao senhor Deos, porque em vossos dias & nos nossos fez tanta merce ao mudo, que por vista nos podessemos saber & ver & conhecer, & ajuntar & vizinhar por conuersação, estado as gentes dessas terras & destas tão afastadas huas das outras do começo do mundo ategora, & tão sem cuydado nem esperança disto, que ho senhor Deos quis que fosse, inspirando auera sessenta annos em hů nosso tio vassalo nosso chamado ho Iffante dom Anrrique, Principe de virtuosa vida & sanctos costumes, que por seruiço de Deos tomou proposito inspirado por ele de fazer esta nauegação, & polos Reys nossos antecessores foy ategora prosseguida. E querendo nosso senhor darlhe ho fim por nos desejado, quis que estes nossos que ora la forão de hua só viagem fizessem outro tanto caminho ate chegar a vos, quanto estaua feito nas viagens passadas de sessenta annos, sendo eles os primeiros que pera la mandamos tanto que por graça de Deos tomamos ho regimento de nossos Reynos & senhorios. Assi que ainda que esta cousa seja feyta per homens, não se deue de julgar se não por obra de Deos a cujo poder he possiuel o que os homes não podem fazer. Porque do principio do mudo ouue em oriente & em occidente muy poderosos reys & principes, de que contão estoriadores terem grandes desejos pera fazerem esta nauegação: & leuarão nisso muyto trabalho: & não quis nosso senhor darlhe poder pera isso como agora nos deu, por ser assi sua vontade. E poys em quanto deos não quis que isto fosse não teuerão os passados poder pera ho fazere, não deue ningue de cuydar que agora que ho ele quis ho possam homes contrariar, sen

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do agora muy to mayor injuria contra Deos querer resistir aa sua vontade tam manifesta do que dantes era perfiar contrela, que não era sabida, & antre as causas porque principalmente damos muytos louuores a nosso senhor neste feyto, he por nos ser dito que ha nessas partes gentes Christaas, que foy & he ho nosso principal desejo, perà nos concertarmos com vosco em amizade, amor & conformidade, como ha antre os reys Christãos, porque be he de crer q não ordenou ho senhor deos ta marauilhosa cousa como he esta nossa nauegação pera ser somète seruido nos tratos & proueitos temporays dantre nos: mas tambe nos spirituaeis & saluação das almas que mais deuemos de estimar & de que ele he mais seruido, pera que a sua sancta fé seja cõmunicada antre nos como ho foy por todo ho mundo be seyscentos annos despois da vinda de lesu Christo seu filho ate q por peccados dos homes nacerão alguas seytas & heresias contra a fé Christaa, que Iesu Christo disse primeiro que viessem, pera proua dos bõs & pera codenação dos maos que não auião de crer a verdade pera serem saluos. E estas seytas & heresias occupara antre essas vossas & nossas terras muyta parte da terra, por onde se impedio a auer por terra communicação das gêtes de ca com as de lá, que agora se pode ter coesta nauegação, que foy descuberta por Deos a que nada he impossiuel. E conhecendo nos tudo isto. & desejado de prosseguir & comprir como deuemos o que nos ho muy alto deos todo poderoso mostra ser tanto sua vontade, madamos agora lá nosso capitão co naos & mercadorias, & nosso feytor pera q la fique, & esté com vosso aprazimento. E mandamos pessoas religiosas & doutrinadas na fee & religião Christaa, pera que celebrem ho officio diuino, & menistrem os sacramentos, pera que possais ver a religião & fé q temos, que foy instituyda per lesu christo nosso saluador: & dada a doze apostolos & a seus discipolos, per q foy geralmente pregada despois de sua sancta resurreição & recebida e

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todo ho müdo. E dous destes apostolos. s. sam Thome & sam Bertolameu pregarão nessas vossas partes da India, fazendo muytos grades milagres, tirando essas gentes do erro da gentilidade & idolatria e que todo mundo estaua dates, & côuertendoas á verdade da sancta fé Christaa, que tambe ca foy pregada por algûs de seus apostolos: & consideradas estas cousas & as rezões q ha pera crermos que esta nossa nauegação & ida de nossas getes a vos foy por vontade do muyto alto deos: vos rogamos como irmão q vos queirais conformar co seu querer & vontade, & por fazerdes vosso proueito & de vossas terras assi spiritual como temporal tenhais por be de receber nossa amizade, & de ajuntar a vossa com nosco, & assi trato & conuersação que vos tão pacificamête apresentamos pera seruiço de nosso senhor: & queirais receber & tratar a nosso capitão & gête cô aquele são & verdadeiro amor que volos mandamos: porq em rezão domes cabe folgardes muyto co gente q de tão longe vay buscar vossa amizade, couersação & trato, & q vos leua tato proueito de nossas terras, que não podereis auer mais doutras nenhuas, posto que por algûas vontades danadas, que nunca falecem achassemos em vos ho contrairo: o que per toda rezão não podemos esperar de vossa virtude. E com tudo nosso proposito he seguir a vontade de nosso senhor Deos todo poderoso, antes que a dos homes, & não deixarmos por nenhuas contrariedades de prosseguir & côtinuar esta nauegação, trato & conuersação nessas terras, tendo esperança em nosso senhor que nosso trabalho não seja debalde, porque firmemente cremos & esperamos, que pois ele fez essas terras & volas deu a possuir & a gente dela, ele ordenará como no seu se faça sua vontade. E como não faleça que nelas acolha & receba nossa amizade, & nossas gentes que la vão tanto por sua vontade, & aque marauilhosamente abrio caminho & deu poder pera ire a elas & ele mesmo he sabedor quanto desejamos que seja antes por boa paz & amizade, E a ele praza daruos

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