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quebrar minha fé, ně mayor pera vos que terdes rey mětiroso, contra quem lhe tem dado tanto proueito, como me tem dado os frangues. E porque el rey de Calicut sabe que ho ouuera de ter se eles teuerão feytoria em sua terra, com enueja busca estes achaques pera me fazer guerra: & porque lhe parece que posso pouco quer vingar em mim a magoa que te do q perdeo: q se ele quisesse laçar da India os frangues & pelejar co quem os tem em sua terra, primeyro auia de começar em el rey de Cananor que está primeyro. Mas nå he se não com enueja de meu proueito, & com soberba de lhe parecer que não poderey tanto como ele: & porque eu isto sey, & sey que faço o que deuo em lhe não entregar os frangues, espero em Deos que me ha de dar vitoria contrele, & vos assi ho esperay se soys meus amigos. E vendo todos sua determinação, espantados de sua grande constancia: lhe pedirão perdão do medo que teuerão, prometendolhe que ho não terião mais, & que morrerião todos por seu seruiço. O que lhes ele agradeceo muyto, & mandou logo chamar ho feytor & os nossos: & deulhe conta do que fizera, & perante eles fez. seu capitão moor ao principe Naramuhim que era seu irmão & seu herdeyro, & mandou a todos que lhe obedecessem como a ele mesmo: & mandoulhe que com cinco mil & quinhetos Naires fosse assentar arrayal junto de hum passo: que se chama ho passo do vao, por onde sabia que el rey de Calicut determinaua dentrar na ilha de Cochim. E neste passo com maré vazia da agoa pelo giolho.

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CAPITOLO LII.

De como ho pricipe de Calicut cometeo muytas vezes dểtrar na ilha de Cochim pelo passo do vao.

Sabedo el rey de Calicut que Naramuhim tinha seu arrayal no passo do vao per onde determinaua de entrar sua gente em Cochim receouho, porque sabia que era hum dos mais esforçados caualeyros que auia em todo Malabar, & muyto ditoso na guerra: & coeste receyo mais que com vontade de fazer comprimentos co el rey de Cochi, lhe madou esta carta.

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Muyto trabalhei por escusar esta guerra contigo, se quiseras temperar tua soberba com fazer o que te pedi, pois era tão justo & proueitoso pera todos: & porque esta nossa rotura se não acrecente mais, te faço saber que sou vindo a Repelim com grande exercito pera entrar em tua terra a tomar os fragues com todas suas mercadorias. Porem querote primeyro auisar, pera q mos mandes : & se ho fizeres perderey ho odio que te tenho pelo passado: & se não prometote de te tomar a terra, & meter a espada todos os seus moradores. "

ΕΙ rey de Cochim posto que estaua tão mingoado de gente, & via que poderia ser o que el rey de Calicut dizia não se mudou de sua determinação, & respondeolhe esta carta.

« Se o que me pedes com tanta soberba, me reqreras por mais bradas palauras não te teuera por menos esforçado do que cuydas que te poderey ter, porque onde ha saber ou esforço não ha descortesia nem mao insino: estas samn as cousas que Deos não sofre, nem eu ho tenho tão agrauado q cosinta tato è meu dano, qa vitoria deste feyto na seja minha, & destes esforçados homes que estão comigo, tu sejas muy bem vindo com todas tuas soberbas, que eu creo que elas com a justa causa que tenho abastarão pera me defender de ti, &

doutros meus immigos: que não acharas nunca tão fraco que faça cousa tão vergonhosa como me pedes: & se tu costumas tais entregas, eu as não costumey nunca, nem as ey dacostumar, dos frangues, nem de cousa sua não faças conta, porque os hey de defender: por isso não me mandes mais recado. »

Coesta reposta jurou el rey de Calicut que auia de destruyr el rey de Cochim, & partiose logo de Repelim, que foy ho derradeyro dia de Março, & entrou em terra del rey de Cochim, em que não fez nhữ dãno por os senhores daquelas comarcas ho ajudarem. E aos dous Dabril estando ja muyto perto do vao onde estaua Naramuhim algus capitães esforçados na muyta gente que tinhão quiserão entrar ho passo, & ele lhes defendeo a entrada, matãdolhe muyta gente. O que el rey de Calicut teue a mao sinal: & com tudo despois dassentar seu arrayal, mandou ao outro dia ho senhor de Repelim com dobrada gente da que fora ho dia passado, & muyta outra por mar em paraós, parecendolhe que tomaria ho passo, mas não foy assi, porque Naramuhim ho defedeo co muyto esforço, & ajudouho Lourenço moreno com algus dos Portugueses, que tambem ho fez como muy valente caualeyro: & assi em outras muytas pelejas que despois ouue Naramuhim com os immigos, em que sempre foy vencedor, fazendolhes muyto grande danno de mortos & de feridos. O que vendo el rey de Calicut, como era incostante arrependiase de ter começada a guerra que cuydaua de logo em chegado ao passo ho entrar. E por isto mandou algus recados a el rey de Cochim sobre lhe entregar os nossos. Ao q lhe ele respodeo, que pois fora constante em lhos não dar quando tinha rezão de recear seu poder, que faria então que estaua muyto dauantajem, que oulhasse por si: porque se não auia de contentar com defender sua terra, se não com ho desbaratar de todo, o que ouuera de ter effeito, se os desleais de seus vassalos ho não deixarão: coesta reposta ficou el rey de Calicut assombrado, &

quasi que perdeo a esperança da vitoria, & se não fora por amor dos seus deixara a guerra, & conselharanlhe que mandasse saltear algus lugares de Cochim que estauão ao derredor, porque Naramuhim lhe mandasse acodir, & ficasse com menos gente, & que assi ho poderião desbaratar. E com todos estes ardis não pode ser, porque Naramuhim era de marauilhosa diligècia. nestas cousas, & assi acodia a tudo que parecia que nunca faltaua onde era necessario, & de todas estas vezes el rey de Calicut perdeo muyta gente.

CAPITOLO LIII.

De como foy morto Naramuhim principe de Cochim por treyção del rey de Calicut.

Vendo el rey de Calicut q não podião os seus capitães

etrar ho passo a Naramuhim ordenou de ho fazer entrar por treição: pera o que se concertou secretamente com hu Naire pagador do soldo dos Naires de Naramuhim a que deu muyto dinheiro, porque não mandasse ao arrayal a paga do soldo que mãdaua cada certo dia, porque os Naires a fossem buscar, & ficando Naramuhim com menos gente ele cometesse ho passo & ho êtrasse. E assi ho fez ho Naire, mandando dizer aos do arrayal de Cochim que fossem receber ho soldo porque lho nã podia mandar, & eles forão hua noyte com licença de Naramuhim, encomendadolhe muyto que tornassem ante manhaa, o que eles não poderão fazer por lhe não pagare se não bem de dia. E entretanto que estauão em Cochim cometeo elrey de Calicut ho passo com toda sua gête por mar & por terra, & com muyta artelharia que trazia: & como Naramuhim estaua com menos ametade da gente que tinha & ho poder del rey de Calicut era mór do q nunca fora, etrou por força ho passo. E deste impeto leuou Naramuhim ate os palmares: onde ele fez todos os seus em hu corpo & rompeo

muytas vezes os immigos matando muytos, mas como tinha poucos cercarano. E despois de fazer muytas brauezas, foy morto de frechadas co dous seus sobrinhos tambem especiais caualeyros, & os seus se desbaratarão logo, & ficarão no campo muytos mortos. E el rey de Calicut na quis seguir os viuos por ser quasi noyte que ate então durou a batalha, & tambe dos seus forão mortos boa parte. E sabida esta noua por el rey de Cochi, esteue hû pedaço fora de si, & quasi q ho teuerão por morto principalmete os Portugueses que estauão coele, & os Naires não entenderão neles por acudire a el rey, que doutra maneyra segundo todos ficarão com aquelas nouas, & com ho mal que lhes querião nã fora el rey poderoso de os liurar da morte. E nisto tornou el rey a si arrebentando em choro, & dizendo palauras que os nossos não entenderão. E tão desacordado estaua que os não via, & preguntou por eles: & eles se leuantarão então chorado com dó dele: que vendoos, lhes disse que não ouuessem medo, porque nem aquela desauentura auia de ter poder pera ho fazer mudar do que lhes tinha dito, polo que lhe eles quiserão beijar a mão, & ele nã quis & sentindo ho aluoroço que tinhão os seus contra os nossos, pera os assessegar lhes disse. Agora que a fortuna se mostra tanto côtra mim, cuydaua eu q como verdadeyros amigos & leays vassalos auieys de trabalhar por me desagastar: & vos como que seguis a parte del rey de Calicut acrecentais me a paixão que tenho, assi pela morte de meu irmão, & de meus sobrinhos como por serdes contra os frangues, que vos tantas vezes encomendey, & que sabeis que muyto mais setirey recebere qualquer offensa de vos outros, de q senti a morte de meus sobrinhos, porq eles morrerão defendendome, & vos com me offederdes perseguis aos q eu tenho debaixo de meu emparo, & q me ficarão pera minha consolação, porque assaz he grande pera mim em tamanha desauetura cuydar que me vem este mal por fazer coeles o que deuo, & não creais que eles sam

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