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sete legoas fez seu caminho pera lá, & acerca da noyle vio hûa ilha muyto grande que lhe demoraua ao norte, em que os pilotos mouros dizião q auia duas pouoações hua de Christãos, outra de mouros. E isto por fazerem crer aos nossos auia por aqla terra muytos Christãos, & indo assi co vento tendete dahi a certos dias duas horas ante menhaa deu ho nauio sam Rafael em seco, em hûs baixos q estauão duas legoas da terra firme: & como deu naqles baixos fez sinal aos outros nauios pera q se goardasse: & eles surgirão a tiro de bôbarda dos baixos, & lançando os bateis fora forão acodir a Paulo da gama: & virão q a agoa vazaua: pelo que conhecerão que tornando a encher nadaria ho nauio, & logo the lançarão muytas ancoras ao mar: & nisto amanheceo: & acabado a maré de vazar ficou ho nauio de todo em seco na praya, q era darea, que foy causa de ele não receber nenhù dano, que varou por ela & estaua dereyto com as ancoras q tinha ao mar: & os nossos sayrão na praya em quanto a agoa não enchia. E por se ho nauio chamar sam Rafael poserão nome aos baixos, os baixos de sam Rafael, & a huas grandes & altas serranias que estauão na costa defrõte destes baixos, as serras de sam Rafael. E estando ho nauio em seco vierão de terra duas almadias, em q vinhão mouros da terra a ver os nossos nauios, & leuara muytas larājas doces & muyto melhores q as de Portugal, q derão aos nossos. E disseralhes que esforçassem, q como fosse preamar ho nauio nadaria & farião caminho: & Vasco da gama lhes deu algûas peças, assi pelo que dizião, como por virem a tal tempo: & dous deles sabedo q ele ya pera Mòbaça lhe pedirão os leuasse lá, & ficarà coele, & os outros se tornarão pera terra, & vida a prea mar sayo ho nauio do baixo, & tornarão todos a seu caminho com toda a frota.

CAPITOLO IX.

De como Vasco da gama chegou aa cidade de Mõbaça,
& do que lhe hi aconteceo.

E
seguindo sua rota, hû sabado sete Dabril a horas
de sol posto foy surgir de fora da barra da ilha de Mom-
baça, q está junto co a terra firme, & he muyto farta
de muytos mantimentos. s. milho, arroz, gado, assi
grosso como meudo, & todo muyto grande & gordo, pri-
cipalmete os carneyros, q todos sa derrabadas & te muy-
tas galinhas. He tambe muyto viçosa de hortas em q ha
muyta ortaliça, & muytas fruytas. s. romaas, figos da
India, laranjas doces & agras, limões & cidrões, & muy
singulares agoas. Nesta ilha está hua cidade q tem ho
nome da ilha em quatro graos da banda do sul, he grã-
de & situada em alto õde bate ho mar, füdada sobre
pedra q se não pode minar: tẽ na entrada hû padrão,
& á ĕtrada da barra hu baluarte peqno & baixo jûto do
mar. He a mór parte desta cidade de casas de pedra &
cal, sobradadas & lauradas de macenaria, & toda bẽ
arruada. Te rey sobre si, & os moradores dela sam mou-
ros, hüs bracos outros baços, assi homes como molhe-
res & prezanse de bos caualeyros, & andão muyto be
tratados: & assi as molheres co panos de seda & joyas
douro & pedraria. He cidade de grade trato de todas as
mercadorias: te bo porto õde ha sempre muytas naos,
vělhe da terra firme muyto mel, cera & marfim. Chega-
do Vasco da gama aa barra desta cidade, não entrou
logo pera dentro por ser ja quasi noyte quãdo acabou de
surgir, & mandou embâdeirar & toldar as naos por fes-
ta, & fazer em todas grades alegrias. E assi estauão to-
dos muyto ledos credo q na ilha auia pouoação de Chri-
stãos, & que ao outro dia auião dir ouuir missa a terra

&

os

ali curaria os doêtes q leuauão q erão quasi todos
escaparão da viage, porq a mayor parte dos q par-

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tirão de Portugal erão mortos de doenças geradas do muylo trabalho q passauão. E estando Vasco da gama aqui surto, forão be noyte obra de ce homes ẽ hùa barca grade, & todos com terçados & escudos. E em chegado aa capitaina quiserão entrar todos co as armas: & Vasco da gama não quis, në deixou êtrar mais de quatro, & estes sem armas, & disselhe pelo lingoa que lhe perdoassem porq como era estranjeiro não sabia de que se auia de fiar: & mandou os cõuidar co alguas conseruas de q eles comerão, & disseràlhe que lhe não tinhão a mal o q fazia, & q eles ho vinhão ver como a cousa noua naqla terra, & q se não espantasse de trazere armas, porq se acostumaua nağla terra trazerēnas na guer& na paz. E disseralhe el rey de Mobaça sabia de sua vida, & por ser noyte ho não madara visitar, mas

ra,

ho faria ao outro dia, porque folgaua muyto co sua vinda, & folgaria mais de ho ver: & lhe daria especiaria cô que carregasse as naos. E dissera mais q apartado dos mouros auia muytos Christãos q morauão sobre si, com que Vasco da gama folgou muylo, & então acabou de crer q auia Christãos nağla ilha, vedo q concertauão aqueles mouros co o q lhe tinhão dito os pilo tos. E co tudo ele não deixou de ter algua sospeita q aqueles mouros vinhão ver se poderião tomar algu dos nauios. E assi era porq el rey de Mobaça bê sabia que os nossos erão Christãos: & o q fizerão em Moçãbique, & desejaua de se vingar deles : & era sua tenção matalos a todos, & tomarlhe os nauios. E co este fundamento ao outro dia q foy dia de ramos lhe mandou dizer. .por dous mouros muyto aluos, q ele folgaua muyto co sua vinda, & se quisesse entrar pera ho seu porto lhe daria tudo ho de q teuesse necessidade, & por seguro The mandou bu anel & de presente hû carneyro, & muytas larajas, cidrões & canas daçucar. E disse aos mouros q The dissessem q erão Christãos, & que os auia na ilha. O q eles fizerão co tanta dissimulação os nossos cuy darão que erão Christãos. E Vasco da gama lhes fez

muylo gasalhado & lhes deu alguas peças, & mãdou agradecer a el rey ho offerecimento q lhe fazia, dizendo q ao outro dia entraria pera dentro, & madoulhe hù ramal de coraes muyto finos. E pera mais confirmar a paz co el rey, mandou coeles dous dos nossos. E estes forão dous degradados dalgus que trazia pera auêturar coestes recados, ou pera os deixar em lugares õde visse q era necessario pera que soubessem o q ya neles, & os tomasse da volta q fizesse. Chegados os nossos a terra co os dous mouros ajuntouse logo muyta gête a velos, & foy coeles ate os paços del rey, onde entrados antes q chegassem a el rey passarão quatro portas, & a cada hua estaua hû porteyro co hû terçado nu na mão, & el rey estaua co pouco estado, mas fez muyto gasalhado aos nossos, & mandoulhes mostrar a cidade pelos mesmos mouros com q vierão. E indo eles pela cidade virão adar por ela muytos homes presos co ferros: & como não entendião a lingoa, ne os mouros a sua: não pregütarão presos erão aqueles : & cuydarão q serião Christãos que os auia por aquelas partes, & q tinhão guerra com os mouros. Tabe estes nossos forão leuados a casa de dous mercadores Indios, parece q Christãos de sam Thome: q sabendo q os nossos erão Christãos mostrarão coeles muyto prazer, & os abraçauão, & cổuidarão: & mostraràlhe pintada em hùa carta a figura do Spirito sancto a adorauão. E peräteles fizera sua adoração em giolhos co geito domes muyto deuotos, & q tinhão detro o que mostrauão de fora. E os mouros disserão aos nossos por acenos que outros muytos como aqles morauão em outra parte dali lõge, & por isso os não leuauão laa: mas despois fossem pera ho porto os irião ver. E isto dizião polos enganar, & os acolher no porto onde determinauão de os matar. E vista a cidade pelos nossos, forão tornados a el rey: q lhe mãdou mostrar pimeta, gingibre, crauo, & trigo tremes, & de tudo lhe deu mostra q leuasse a Vasco da gama: a q mandou dizer por seu messageiro de tudo aquilo tinha

muyta abastãça, & lhe daria carrega se a quisesse. E assi de ouro, prata, ambar, cera, & marfim & outras riquezas em tanta abastãça q sempre as ali acharia de cada vez q quisesse por menos q em outra parte. E quando ele vio a especiaria, & q el rey lhe madaua prometer carrega, foy muyto ledo, & muyto mais da enformação q lhe os nossos derão da terra & dos dous Christãos qacharão: & ouue conselho co os outros capitàes, & acordarão q entrassem no porto & tomasse a especiaria q lhes desse: & despois se irião a Calicut, onde se a não podesse auer ficarião co a q ali ouuessem, & assentarão detrar ao outro dia. E neste tepo vinhão algüs mouros á capitaina & estauão co os nossos ẽ tâto assesego & concordia q parecia q os conhecião de muyto tepo: & vindo ho outro dia em começado a maré de repotar, mãdou Vasco da gama leuar ancora pera entrar no porto. E não queredo nosso senhor q os nossos ali acabasse como os mouros tinhão ordenado desuiou ho per esta maneyra, q leuada a capitaina nuca quis fazer cabeça pera entrar detro & ya sobre hû baixo q tinha por popa. O que visto per Vasco da gama por não se perder, mandou surgir muy depressa, o q tambe fizerão os outros capitães. E vedo algus mouros q estauão na nao q surgia pareceolhes q não êtraria aqle dia a frota no porto & recolherase a hua barca q tinhão a bordo pera se ire á cidade. E indo por sua popa, os pilotos de Moçambiq lãçarãse á agoa & os da barca os tomarão & forase, posto q Vasco da gama bradou que lhe dessẽ os pilotos. E quando vio qlhos não dauão, disse aos seus que lhe parecia q nosso senhor permitira aquilo pera os goardar dalgua treição lhe estaua ordenada. E como foy noyte pingou dous mouros dos trazia catiuos de Moçãbiq, pera q lhe dissessem se lhe tinhão ordenada treição: & eles confessarão o q disse, & q os pilotos se lãçarão ao mar, parecedolhes q ele sabia a treição: & por isso não quisera etrar no porto. E queredo ele pingar outro mouro pera ver se cocertaua coes

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