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CAPITOLO XVII.

De como Vasco da gama deu a el rey de Calicut a embaixada que lhe leuaua.

Daqui prosseguira seu caminho ate chegare a Calicut, a cuja entrada leuarà Vasco da gama & os nossos a outro tal pagode como este: & quando foy ao entrar da cidade, era a gente tata assi da que saya dela a ver os nossos como da q ya coeles, que não cabia pela rua. E Vasco da gama ya espatado de ver tanta gente: & quando se ali vio deu muytas graças a nosso senhor por ho deixar chegar a esta cidade, pedindolhe q ho encaminhasse de maneyra que tornasse a Portugal com ho recado que desejaua. E despois de ir hû pedaço por aquela rua por onde entrou, por a gente ser tanta q não podião romper os que ho leuauão no andor se meteo ho Catual coele em bua casa: & ali foy ter coele hũ irmão do Catual que era grão senhor, & vinha por mandado del rey pera ho acompanhar ate ho paço, & leuaua consigo muytos Naires, & diante muytas trombetas & anafis que yão tangendo, & assi hû Naire que leuaua hũa espingarda com que tiraua de quando em quado. E despois de se receberem Vasco da gama & este senhor com muyto prazer abalarão pera os paços del rey com grande estrondo de tangeres & arroido da gente, q despois da vinda do irmão do Catual deu lugar & se afastaua, & yão com talo acatamento como que fora ali a pessoa del rey de Calicut, & irião bem tres mil homes darmas, & pelos telhados, & pelas portas das casas não tinha conto a gente que estaua. E Vasco da gama ya tão ledo de se ver assi receber a disse aos seus rindo. Quão fora estão agora de cuydar e Portugal q nos fazem tamanho recebimento: & coisto chegou aos paços del rey co mais de hua ora de sol. Os paços tirado serê terreos era muyto grades, & parecia ser hû fermoso edificio,

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polos muytos aruoredos q parecião perâtre as casas, & estes erão de muytos & fermosos jardins q auia dentro,

auia muytas froles & eruas cheirosas, & tanques dagoa pera recreação del rey, q nûca sae dos paços se não quado vay fora de Calicut. Dos paços sayra muytos caimais & outros senhores a receber Vasco da gama: & etrarão coele em hû terreiro muyto grande : & dali passara quatro patios, & á porta de cada hu estauão dez porteiros: & estas portas passarão por força de muytas pancadas que os porteiros dauão na gente pera fazere afastar, q não entrasse. E chegado á derradeira porta qera da casa onde el rey estaua, sayo de dentro hữ home velho & baixo de corpo, que era ho bramene mór del rey, & abraçou Vasco da gama, & leuouho detro cô os seus. E nesta êtrada carregou a gête tanto em demasia q se afogarão algus. E não aproueitaua dare os porteiros muytas pacadas de q muytos forão feridos: & coisto teuerão os nossos lugar de entrar. Deste terceiro patio ĕtrarão na casa onde el rey estaua q era grade & cercada ao derredor dassentos de pao hus acima dos outros a modo de teatro: & ho chão estaua cuberto de veludo verde de pelo, & as paredes aparamêtadas de panos de seda de muytas cores. El rey era home baço & grade de corpo & de boa idade, estaua lãçado em hu catele cuberto de hu pano branco de seda & douro: & per cima hu ceo muyto rico. Tinha na cabeça hũa carapuça de veludo, feyta ao modo de celada antiga, cuberta de pedraria & perlas, & nas orelhas huas arrecadas do mesmo: tinha vestido hû baju branco, de pano dalgodão finissimo, co botões de perlas muyto grossas & as casas de fio douro: tinha cigido hu pano braco do mesmo algodão, que lhe chegaua ao giolho, & os dedos das mãos & dos pés cheos daneis douro com muyto fina pedraria, & nos braços muytos braceletes ricos, & nas pernas manilhas douro. Junto coeste catele estaua hua batega de pé alto toda douro, que são de feiçã de copos de Frandes chãos, se não são mayores & menos

couos. E nesta estaua ho betele q el rey mastigaua cõ cal & areca, que são hùs pomos de tamanho de nozes noscadas: & comesse isto e toda a India porq faz bo bafo, & exuga muyto ho estamago, & mata a sede: & como he mastigado lançano fora, q não ho engolem & tomão outro. E pera laçar este betele mastigado & cospir, estaua ali hu cospidor douro, tamanho como hua bacia meaa tabe de pé, & assi estaua hu guinde douro qhe da feiça dagomil ou quasi, & estaua cheo dagoa pera el rey lauar a boca quãdo acabasse de mastigar ho betele assi se costuma. E este betele lhe daua hû home velho que estaua jûto do catele, & os outros que estauão na casa tinhão as mãos ezquerdas diate das bocas porq não fosse ho seu bafo ter a el rey, o q hã por grãde descortesia, & assi cospir ou escarrar, & por isso nã ho faz ningue na casa onde está el rey. Entrâdo Vasco da gama nesta casa fez a el rey reuerencia segûdo ho costume da terra, que he abaixarse todo tres vezes co as mãos juntas como que louua a Deos estědidas pera diate: & el rey lhe acenou logo q se fosse perto delle, & madouho assentar nagles assentos q disse. E assentado etrarão os seus & adorarão el rey assi como ele fez: & el rey os madou tabe assentar defronte dele: & madoulhes dar agoa as mãos pera desencalmare, porà posto fosse inuerno não deixaua de fazer calma. E lauadas as mãos mandoulhes dar figos & jacas pera q comessem logo, o q eles fizerão de boa vontade & sem pejo, o qel rey folgaua de ver porq oulhaua pareles & riase, & despois falaua com ho velho q lhe daua ho betele. E muyto mais mostrou folgar quâdo os nossos pedirão de beber, qlho derão por guides: & como sabião q se costumaua beber dalto por auere os Malabares por çugidade tocar co os beiços no vaso por õde bebe quiserão beber dalto: & não sabedo ainda ağle modo de beber daualhes a agoa no goto & tussião & outros errauão a boca, & cayalhes a agoa pelo rosto, entornadoseThe pelos peitos, do q el rey muy to gostaua: & oulhan

do pera Vasco da gama, disselhe por hû lingoa q falas-se com aqles homes honrrados q ali estaua: & qdissesse o q quisesse q eles ho dirião. Do q ele não foy nada côtěte, porq The pareceo aquilo desprezo: & respõdeo pelo lingoa, q ele era embaixador del Rey de Portugal, hu rey muyto poderoso: & q os reys Christãos costumauão de não receber as ebaixadas por terceyras pessoas se não por si mesmos : & inda perante muyto poucas pessoas, & estas de muyta côfiaça. E por se isto assi costumar nas terras donde ele vinha, não auia de dar a embaixada a outre se não a ele. O q el rey disse q era be, & q assi se fizesse. E logo madou leuar Vasco da gama com Fernão martinz pera outra casa q estaua com outro catale como aqle & assi aparamentada: & despois q lá esteue foyse el rey parela ficado os nossos na casa de fora, & isto seria sol posto. E elrey como foy na camara, lançouse no catele não estado hi a fora Vasco da gama & Fernã martinz mais que ho lingoa del rey, & ho bramene mór, & ho velho q lhe daua ho betele, & mais hu seu védor da fazenda. El rey preguntou a Vasco da gama de que parte do mudo era, & q queria: ao que ele respõdeo q era embaixador du rey Christão do cabo do occidête, senhor dû reyno principal chamado Portugal, & assi doutros muytos, pelo qual era muyto poderoso de gête, & muyto mais rico de todas as cousas necessarias pera hu rey ser muyto mais rico que nenhů outro daquelas partes: & que auia sessenta annos que os reys seus antecessores têdo fama que na India auia reys Christãos & muyto grandes senhores principalmente el rey de Calicut, mandaua descobrir per seus capitães aqla cidade pera tere amizade com os reys dela, & os tere por irmãos como era rezão: & visitarenos por seus embaixadores: & não porq tiuessem necessidade de sua riqueza pory a auia em suas terras douro, prata & outras cousas de preço lhe sobejaua: & q os capitães q yão a este descobrimento andauão nele hu anno & dous, ate q lhes falecia ho man

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timento: & sem achare o que buscauão se tornaua pera portugal o q tinha custado muyto. E q el rey dỡ Manuel então reynaua, desejando de dar fim a esta empresa que auia tato tepo q duraua, por lhe na faltar ho mantimêto como dates lhe dera tres nauios carregados deles, & ho madara por capitão mór de todos tres, dizědolhe q não tornasse a Portugal ate q the não descobrisse aquele rey dos Christãos q era senhor de Calicut, porque se tornasse sem isso lhe madaria cortar a cabeça: & q se ho achasse q the desse duas cartas suas, q The daria ao outro dia por ser então ja tarde, & q The dissesse que ele era seu irmão & amigo, q lhe pedia muylo q pois mandaua de tão longe buscalo que quisesse aceitar sua amizade, & the mandasse seu embaixador pera a cõfirmar, & que dali por diante se visitassem por seus ebaixadores, como se costumaua antre os reys Christãos. El rey mostrou q folgaua co a embaixada, & assi ho disse a Vasco da gama, & q ele fosse muy to bẽ vindo: & pois el rey de Portugal qria ser seu amigo & irmão, a ele ho seria seu, & lhe madaria sobrisso seu embaixador: ho q Vasco da gama lhe pedio muyto q fizesse: porq não ousaria daparecer diante del rey seu senhor sem ele. El rey lhe prometeo q ho mãdaria, & q logo ho despacharia. E despois de lhe pergutar polo estado delrey de Portugal, & quãto auia de sua terra a Calicut, & quato se deteuera na viajem, por ser ja muyto noyte lhe disse q se recolhese: & pergutoulhe se qria pousar co mouros se co Christãos, & ele disse que co nenhus se não só, & el rey mãdou a hu mouro seu feytoro fosse apousentar, & lhe fizesse dar todo ho necessario.

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