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liar, especialisando, a constituição de cada | deixam ir pelo seu caminho natural,-deriva; povo.

Ha necessidade de progresso e ordem; o criterio indicado pela natureza do homem e pelas inducções que se levantam da historia para as formas de governos está nestas duas idéas, diversas no aspecto, condições porém uma da outra, identicas.

Identicas; é com effeito pelo progresso que se realiza a ordem; a torrente a que pozeram um dique enfurece-se e salta-o, rompe; a que

assim como os tremores da terra suppõem o fogo central e a falta de valvulas por onde elle respire, assim os tremores da humanidade suppõem a falta d'ar para o fogo de perfectibilidade que se lhe desenvolve no seio. Sabeis do que se faz uma revolução? D'uma accumulação de oppressões. Não quereis a revolução? Organisae o progresso.

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SCIENCIAS PHYSICAS E MATHEMATICAS

APONTAMENTOS PARA A HISTORIA DA PHYSICA EM PORTUGAL

II

A causa do santelmo inquirida nos escriptores portuguezes do seculo XVII

(Continuado de paginas 10)

Nem sempre se representava o santelmo aos olhos pavidos dos navegantes sob a forma de um ou dous lumes. Muitos estrellejavam por vezes, e, como assim succedia, constellavam-se nos mastros, nas antennas, ou sobranceiros ao navio, simulando na disposição umas como corôas. E, pela similhança que com estas tinham, appellidavam-os os marinheiros portuguezes coroas de Nossa Senhora. Assim o attesta o escriptor hollandez João Hugo de Linschot1, e dellas escreveu Fr. Roque do Soveral, attribuindo-as á intercessão da virgem da Luz. São estas as proprias palavras:

«Tambem o mar he sogeito à celestial coroa, junto à Ilha de santa Maria, vindo o galeão S. Lourenço mareando lhe sobreueo tão grande tormenta, que todos os que nelle vinhão se dauão por perdidos, eis que na mòr serração do ar lhe apareceo huma rotilante coroa feita de estrellas, que tanto os alegrou, como segurou de seu remedio, todos em conformidade diserão à aquella coroa era a de nossa Senhora da Luz, por quem elles tanto do coraçao chamauão naquelle aperto & perigo, mostrousse bem ser assi pois no ponto que ella apareceo no ar, & os mareantes se affirmarão em ser aquelle sinal o da santa coroa, logo lhe veyo huma estremada bonança com que entrarão a saluamento pela barra de Lisboa, & lançarao anchora em o seguro porto: prometerão os do nauio de virem à casa da mesma Senhora da Luz, como vierão com

1 D. Rafael Bluteau, Supplemento ao Vocabulario Portuguez, e Latino, vbo. Coroa.

huma boa esmola, muytos delles se confessarão, & comungarão na mesma santa casa tomandosse por testemunhas do caso Ioão Rodrigues, Marcos Quadrado, Antonio Duarte, Domingos Simões, Francisco Ribeiro. Foy o milagre em o anno de mil seiscentos & seis, & como a sagrada & miraculosa coroa da Senhora em occasiões de perigos tenha algumas vezes aparecido no mar a mareantes, que souberão deuotamente chamar pella imperial Raynha, como apareceo no anno de mil quinhentos & trinta & tres aos que hião pera a India na Nao Esperança, e aos da Nao S. Francisco indo por Capitão della Simão de Mello, e assi mesmo apareceo aos do nauio de Pero Lopez vindo do Brazil, serà bem mostrarmos conueniencias, por onde ajamos por sobrenaturaes & miraculosas as estrellas de que aparece feita a sagrada coroa pera que não fique a alguem escrupulo cuydando que os mareantes se poderião enganar co os lumes que se custumão ver nas tormentas que vulgarmente chamão de S. Pero Gonçaluez, on corpo santo, e terem isso por a coroa de nossa Senhora da Luz: pera o que hauemos de estar neste principio, que he cousa muy antiga aparecerem lumes sobre as Naos em tempo de tormenta, pois jà Plinio que floreceo no tempo do Emperador Vespasiano nos annos setenta & cinco de nossa redemção, faz mençaỡ de alguns aparecimentos semelhantes, & como a causa de os auer seja natural a desputarão jà, & desputao inda hoje os Philosophos: dizem que do halito, bafo, e respiração da muyta gente que vay em huma Nao, & assi dos maos ares que despede de si a madeira breada, & jà podre, as roupas, os mantimentos não mimosos, a agoa não tomada à bica da fonte mas jà corrumpida nas pipas, a pouca lauagem & limpeza que ha em todo o seruiço, se vem de tudo a gerar hum ar tao viscoso, & grosso, que chega a ser materia de infla

1 Plin. lib. 2. de natu. hist. ca, 25, & 26.

mação, a qual, facilmente se faz do ar frio, galeao S. Lourenço, que tambem tiuerão vista que cerca & aperta a exalação que jà disse- da sagrada coroa pelas horas da meya noyte mos se aleuantaua da putrefação, & immun- testemunharão que de tal maneira os alumiara dicia da embarcação: e o aparecer a inflama- co o nouo resplandor, que de si suaue, & mação em figura de candeas, ou em forma cir- rauilhosamente despedia, a ainda os que hião cular, como de estrella causao a despocisão no lastro assi se viao & conhecião como se fora da materia a que se atea, se a materia está nas mais claras horas do dia, mostrado nisto junta, & vnida fica a inflamação parecendo a santissima Coroa, como não era menos lu estrella: & então parecera lume de vella (minosa que a outra Coroa misteriosa, sempre faz figura pyramidal) quando nessa conta Plinio se vio no ar, ào tempo q Augusto mesma forma estiuer disposta a tal materia, Cesar entrou em Roma depois da morte de que tudo se vè como em exemplo em os co- Iulio Cesar, q diz fora visto o Sol recolhido metas, à por tempos aparecem, por o mos- dentro della. Tambem he diferente na forma, traremse em diuersas figuras, he por causa por i sempre foy vista em huma mesma maneida diuersa disposição de sua materia, & ordi- ra, & figura que era de noue estrellas em volta nariamente estes lumes, ou inflamadas exal- a modo de bem ayrosa Coroa, sendo as estrellas lações, quando aparecem prometem sereni- della tão viuas e destintas, sentilantes, & cladade, por outra causa natural, & he a quando ras, como as proprias, & mais fermosas do ha tormenta em os ventos se cruzão, & ri- firmamento, de modo bem se podia crer da gamente asoprão, não podem as exallações gloriosa Senhora, queria dar vista da ruque vão criadas da Nao sobir ao alto nem tilante Coroa, lhe S. João vio em a cabeça vniremse, antes sao pellos ventos rijos, as tambem feita de estrellas: assim mesmo he diabatidas, & espalhadas, porem abrandando ferente nos effeitos, porque em aparecendo não elles vão entao essas exallações ajuntadosse, só quebra a furia da tormenta, mas dà hum vnindosse, & sobindo de maneira, que quando registrado vento às vellas, hum singular corte se representão, & vem acesas no alto das ga- às agoas, tudo finalmente e da embarcação ueas, tem os mareates por desfeita a tormen- podoo em popa, alegra juntamente os animos ta. E então como elles não professem Philoso- dos q lhe poem os olhos, cỡ huma tao noua phia q demostra, & enssina isto hão todos estes alegria que os faz crer vniformente, à taỡ noeffeitos por miraculosos atribuindoos câ os tauel sinal não pode ser senão diuino, por Christãos ao glorioso S. Gonçalo (a quem por onde de todas as vezes à he visto sem duuida muitos fauores deu no mar a nauegates d'alguem, dizem todos coroa he de nossa Seobrado por elles milagres chamão corpo santo nhora da Luz.1» tendo pera si q he elle o lhes aparece nos acezos lumes das gauias) & os gentios q nada sabem atribuyr á diuina potencia por neguarem ao verdadeiro Deos o diuido louuor, cuydão estes lumes à de ordinario aparecem destintamente, dous são os dous irmãos da famosa Helena chamados, Castor, & Pollux, dos quaes fabulado os poetas, dizem que embarcandosse na armada, que foy na derrota de Troia, pera a conquistar a fim de cobrar a mesma Helena, as naos, onde os dous valerosos máncebos hião desaparecerão, sendo por isto tidos da sega gentilidade em Deoses, crendo que não foy perda desaparecerem, mas mostra de diuindade, & assi que saõ elles os dous luminosos resplandores, saem nas tormentas em favor dos nauegão. Porem o resplador de aparece feita no mar a coroa da Senhora da Luz, como nem no lustre, nem nos effeitos tenha semelhança com os lumes de que tratamos, não lhe deuemos de chamar resplandor de Castor, ou de Pollux, nem lumes que tenhão por causa generatiua a natureza, mas a boca chea, & com seguro the podemos chamar luz diuina administrada por huma Senhora, della dissemos que he differente no lustre, porque assi os que forão na Nao Esperança, a quem a santa Coroa apareceo pellas dez horas da noite, como os que vinhao no nauio de Pero Lopez, como os do

Em que peze ao credulo historiographo, as pretendidas coroas de Nossa Senhora nenhuma outra cousa são, senão o santelmo, augmentado em luzes. Por onde o que dellas refere, na forma e effeitos, á conta de acrisolada devoção lh'o devemos levar; e, em respeito ao maior lustre, certo numerosos lumes allumiariam mais, do que um ou dous da mesma natureza.

Assim discreteavam, tenteando a origem do santelmo, alguns dos mais peregrinos talentos, que no correr do seculo XVII trataram lettras, ou professaram sciencias em Portugal. Tomados de cega veneração pela auctoridade, ou incendidos nas fragoas vivas da crença, se desveneravam os preceitos aristotelicos, lançavam-se em fervorosa adoração perante os enlevos do ascetismo.

Por estes tempos começavam as sciencias physicas a tomar seu ponto em nações estranhas. Era no meiado do seculo XVI, quando dous dos mais primorosos engenhos, com que elle mais se arreia, ousaram contrapôr a liberdade de investigação ao despotismo dos textos adulterados. Chamou-se um Pedro de la

1 Fr. Roque do Soueral, Historia do insigue apparecimento de N. Senhora da Luz & suas obras marauilhosas, fol. 101 e segg.

Ramée, appellido alatinado em Ramus, e teve | estes nomes como benemeritos da historia en

por patria a França, onde nasceu em Cuth por 1502, o outro houve nome Jeronimo Cardano e viera no anno precedente ao mundo em Pavia, cidade afamada da Italia. Aquelle, subindo do escanho de famulo no collegio de Navarra á cathedra de mestre em artes, affrontou com a palavra e fulminou com a penna os defensores do peripatetismo. Diz-se que o profundo sabedor Antonio de Gouveia lhe enfreara o arrojo descomedido num repto litterario, mas nem por isso a gloria do innovador enthusiasta reluz menos esplendida aos olhos da posteridade2. Este, philosopho, medico e geometra, soltando em desapoderado voo o espirito audaz, alou-se a tamanhas alturas, que o illuminaram em cheio os primeiros clarões da renascença. E se o fulgor desse brilhante arrebol o deslumbra por vezes e lhe dardeja á pupilla immovel a luz que a contrae a espaços, jámais aquellas hallucinações e nictalopia lograram enturvar-lhe a razão altamente especulativa.

Desabrochavam apar com estes alguns talentos insignes que, repudiando como Ramus e Cardano a herança intellectual do passado, desentranhavam da propria razão o oiro luzente das ideias, que devia constituir o patrimonio opulento das gerações por vir. D'elles nomearemos Bernardino Talesio, grave intelligencia, mas desvairada a revezes pelos arrojos d'uma imaginação ardente, que, fundamentando o seu systema na razão e na experiencia, vibrou mui certeiros golpes á velha escholastica; e Francisco Patrizi, o mais implacavel inimigo da philosophia do Lyceu, que elle oppugnou com tanta sagacidade como erudição, propondo-se substituir-lhe o novo platonismo da eschola de Alexandria.

Seguem a estes outros não menos preclaros varões. É ainda no mesmo seculo XVI Giordano Bruno, o fogoso dominico, que, despindo a alva stringe da esclarecida ordem dos Prégadores, soltou como uma torrente de lava o pensamento ousado sobre as crenças do seu tempo, pretendendo aluil-as todas; e ao transmontar deste e entrando pelo seculo immediato, Francisco Sanches, Thomaz Campanella, o chanceller Bacon e outros. Soam

1 Antonio de Gouveia, natural de Beja, é um dos não raros nomes, que no seculo XVI mantêm fora da patria o engenho portuguez á altura dos feitos assombrosos dos navegadores da India. Poeta latino inspira-se umas vezes na graça zombeteira de Marcial e Catullo, outras na severa hombridade de Ovidio, e reacende o estro d'esses vates romanos; jurisconsulto interpreta as leis á luz da historia e da philosophia, e eguala Cujacio; philosopho escolhe-o a universidade de Paris para defender a doutrina de Aristoteles, impugnada pela dialectica vehemente de Ramus.

2 Crevier, Histoire de l'Université de Paris, t. cinquième, pag. 388 e segg.-Iacobus Brvckerus, Historia Critica Philosophiae, tom. iv, pars altera, e segg. pag. 553.-J. J. Lopes Praça, Historia da Philosophia em Portugal, vol. 1, pag. 90 e segg.

tre os dos impavidos revolucionarios da phi losophia; bastante razão para não deixarmos na sombra as grandes obrigações, que a sciencia lhes deve.

No deslumbrante cortejo, onde se enfileiram os austeros sacerdotes da razão, occupa indubitavelmente um logar de honra o portuguez Francisco Sanches. Confere-lh'o o ingenhosissimo, e para em todos os tempos admiravel tratado, que elle denominou - De multum nobili et prima universali scientia, Quod nihil scitur.-Nessa vigorosa apologia do scepticismo Sanches apontava principalmente a destruir algumas das mais enredadas doutrinas da escholastica. E, acertando quebrar os inextricaveis liames da syllogistica, que asphyxiavam nas suas multiplices voltas os mais claros espiritos, o philosopho bracharense desbravava o caminho, que Bacon e Galileo gloriosamente lustraram. Outras preeminencias trazem ainda mui subida na estimação dos sabedores a obra do extremado professor de Tolosa. É que a genealogia intellectual de philosophos abalisados deduz della a incontestada origem1.

Thomaz Campanella, robusto e audaz entendimento, cujas florescencias a mesma atmosphera sombria das prisões não logrou murchar, era natural de Stillo na Calabria. Zeloso propugnador das doutrinas de Talesio, e por vezes panegyrista convicto das idealidades de Cardano, jamais pôde acabar comsigo que não confutasse os devaneios do peripatetismo. São memoria viva d'este empenho todos seus escriptos philosophicos, e o modo por que d'elle se desobrigou, o que por ventura mais o exalça aos olhos severos da critica 2.

Francisco Bacon nasceu em Londres, a crermos auctorisadas memorias, em 22 de janeiro de 1560, e falleceu a 9 de abril de 1626. Aquella intelligencia original e profunda, que depois o tornou assombro dos contemporaneos e admiração da posteridade, madrugou cedo no futuro chanceller de Inglaterra. Entrando mui moço na celebre universidade de Cambridge, dizem seus biographos que fartos loiros lhe ennastraram ahi a cabeça juvenil. Terminado o curso academico, ainda não completos 16 annos, Bacon preparou-se para exercer na patria os altos offipratica dos negocios politicos. Assim acomcios publicos, adelgaçando o entendimento na panhou a Paris o embaixador Powlett, que, certo da sua perspicacia, confiou-lhe por vezes o trato de graves negociações. Não vem para aqui miudear particularidades da vida politica de Francisco Bacon, bas

1 Jacobus Bryckerus, Historia Critica Philosophiae, t. IV, pars I, pag. 541 e 542.

2 J. J. Lopes Praça, Historia da Philosophia em Portugal, t. i, pag. 95 e segg.

ta-nos recordar que o estudioso socio de Gray's | descobertas. E todas lh'as entregou nas mãos Inns subira nos reinados de Isabel e James I a experiencia e a observação. Por ellas tirou do modesto logar de advogado extraordina- a lume as leis do descenso dos graves e as rio da rainha, que aquella lhe concedeu, á do pendulo, e não foi sem o seu auxilio, eminente magistratura de chanceller de In- que realisou, como alguns querem, as fruglaterra e dignidades de barão de Verulam e ctuosas invenções do telescopio e do microsvisconde de St. Alban, com que este o con- copio 2. decorou.

Cortezão servil da ultima dos Tudors e do primeiro dos Stuarts desluzem-lhe maculas indeleveis as reluzentes lentejoulas do poder, mas a historia esquece essas imperfeições para saudar no prisioneiro da Torre de Londres o reformador da philosophia moderna. E ajusta-lhe bem esse glorioso epitheto, porque, de quantos esforçados lidadores trabalharam por desenfeudar a razão da tyrannia da auctoridade, nenhum envidou maiores esforços para a sua emancipação d'ella. Attestam-o as obras immortaes que nos herdou, mormente a que se inscreve Da dignidade e dos progressos das sciencias-De dignitate et augmentis scientiarum, e a que se intitula-Novum Organum (Novo Orgão), primeira e segunda parte do trabalho monumental, que elle intentara com o titulo de Instauratio Magna.

Bacon traçara nessas paginas o roteiro completo e indefectivel do pensamento. D'ahi avante os argonautas da idêa podiam aventurar-se aos mares revoltos da sciencia, sem recearem naufragar nas syrtes e parceis que soem infestal-os. Porque lhes deu na experiencia a carta e na observação a bussola, que deviam guial-os na demanda do vello d'oiro, a verdade.

Não quer isto dizer que sejam limpas de erros as opiniões do celebrado philosopho inglez, mas, repudiando a auctoridade viciada e a falsa tradicção, e ensinando a inferir dos phenomenos observados as leis da natureza, Bacon desvendou & sciencia illimitados horisontes 1.

Tambem Descartes é astro esplendoroso nesta fulgurantissima constellação de genios. As abstracções do auctor da duvida methodica completam os trabalhos experimentaes do professor de Padua. Servido por um espirito de paciente investigação, fôra principal empenho deste conhecer os effeitos dos phenomenos; impulsado de uma imaginação vivissima arroja-se aquelle a devassar-lhes as causas. Galileo interroga constante e perspicazmente a natureza, e surprehende-lhe alguns dos seus segredos, Descartes arde em desejos de adivinhar os processos, a que ella se soccorre. Incansaveis lidadores ambos, legaram-nos em seus trabalhos uma das mais opulentas heranças, com que nos dotou o passado. O primeiro funde na ascua flammejante da observação os grilhões, que preavam a sciencia, o segundo aniquila nos dominios da especulação os delirios da escholastica, e lavra para sempre a carta de alforria do pensamento. Do modo por que Descartes tratou a physica ficaram entre outros eloquentissimos testemunhos a lei da refracção e a theoria do arco iris.

Allumiado pela razão e fortalecido com o exemplo, o methodo experimental bracejou largo por toda a Europa. Começa então a desfilar na tela da historia o venerando prestito dos physicos, que trajavam as côres d'aquella eschola. E Drebbel, achando o thermometro do seu nome; Gassendi, reconhecendo as variações de declinação da agulha, inquirindo a propagação do som, e augmentando o catalogo dos corpos electricos; TorAs victorias alcançadas sobre a escholas- ricelli, esmaecendo na difficuldade de elevar tica pelos ardidos reformadores da philoso- a agua nas bombas acima de trinta e dous phia tinham o sido, mais que em nenhum pés, e adivinhando a gravidade e a pressão outro, no emmaranhado campo da theoria. da atmosphera; Pascal, demonstrando as conBacon, espertando as attenções para os inex-jecturas de Torricelli, e explicando por ellas plorados dominios da practica, pronunciou o novo fiat da sciencia. A physica endireitou então com o verdadeiro caminho. E esse haviam já rastreado Gilbert e Carpenter na propria patria do chanceller, Espagnet e Palissy em França, e Baranzano na Italia, quando Galileo o trilhou desassombrada

a pressão dos liquidos em todos os sentidos e seu movimento nos siphões'; Otto de Guericke, inventando a machina pneumatica e os hemispherios de Magdeburgo, e vinculando o seu nome a outras não menos importantes descobertas; Kirker, patenteando a lanterna magica, propondo a explicação da declinação da agulha magnetica, e fazendo servir a reCoevo de Bacon, e como este perfeito in-fracção da luz á determinação do peso especigenho, Galileo aventura-se na rota gloriosa delineada pelo auctor do Novum Organum, e espanta os sabios com a novidade das suas

mente.

1 J. M. Latino Coelho, O Chanceller Bacon, no Archivo Pittoresco, vol. vir, pag. 228 e segg.

2 Jacobus Brvckerus, Historia Critica Philosophiae, t. iv, pars altera pag. 614 e scgg.

1 Ferdinand Hoeffer, Histoire de la physique et de la chimie, pag. 97 e segg.

2 Encyclopédie Methodique, Physique, vb. Physique-Aloysius Antonius Verncius, De Re physica, t. primus, pag. 63 e 64.

3 M. Savérien, Histoire des progrès de l'esprit humain dans les sciences naturelles, pag. 109 e 110.

PARTE PRIMEIRA

A Contractilidade

INTRODUCÇÃO HISTORICA

SUMMARIO.-Effeitos communs da estimulação dos
tecidos organicos-Porque foram menosprezados
na antiguidade e na edade media-A medicina
durante o seculo XVII- Descoberta da irritabili-
dade-Allusões de varios auctores aos seus effei-
tos-Gorter demonstra-os nos vegetaes-Doutrina
de Haller-Discussões que suscita - Predomina a
theoria nervosa - Exaggerações de seus sectarios
-Reacção de Brown-As propriedades vitaes se-
gundo os vitalistas-Barthez, Blumenbach, Adelon
-Doutrina de Bichat-Sua classificação, analyse
e demonstração das propriedades vitaes-Defeitos
d'este systema
Tiedmann, Virchow e Bernard –
Conclusão.

Têm os tecidos organicos mui apparente a propriedade de reagir contra os estimulos que os offendem. De molles e flaccidos tornam-se duros e contrahidos, vibram, movem-se, fendem-se, mudam de côr, de volume, de temperatura, e, se não padecem irremediavel ruina, voltam ao primeiro estado, logo depois de cessar a estimulação, a que se sujeitaram, chimica, physica, mechanica ou vital. Toda a natureza organisada o attesta. O homem observa-o em si proprio e nos animaes. Das plantas ninguem ignora os effeitos notaveis dos estimulos intrinsecos que em tantas flores precedem ou acompanham a fecundação, nem os do choque ou do contacto de corpos extranhos nalgumas das especies mais notaveis do reino vegetal.

fico 1. Vêm depois os academicos del Cimento, | A CONTRACTILIDADE E A EXCITABILIDADE MOTRIZ cujos trabalhos no campo da experiencia estenderam longe os dominios da physica. Porque foi nessa celebrada academia, fundação do cardeal Leopoldo de Medicis, que se aperfeiçoou o thermometro, intentou demonstrar a compressibilidade da agoa, pretendeu avaliar a velocidade da luz e do som, e se instituiram outros experimentos, que adquiriram immortal louvor á eminente associação de Florença. Apparece-nos de envolta com estes Mariotte, demonstrando como regra da natureza que a condensação do ar é proporcional ao peso que elle supporta, facto que mais tarde pareceu geral, e foi pelos physicos convertido na lei d'aquelle nome2; Boyle, melhorando a machina pneumatica, colligindo novos factos de electricidade e apontando a estrada do electro-magnetismo; Huygens, explicando a dupla refração, descobrindo a força centrifuga, e descrevendo-lhe as leis; Hooke, estudando a formação dos anneis corados e inventando o barometro de roda e o maritimo, ambos esclarecendo as leis de communicação do movimento. Seguem após Auzout, apurando o micrometro; Papin, construindo a primeira machina a vapor; Richer, assignalando a variação da inclinação da agulha magnetica, e a variação no comprimento do pendulo, que bate os segundos, em desvairadas latitudes; Sturm, desenvolvendo o gosto da physica experimental com a publicação das suas afamadas obras; Roemer medindo a velocidade da luz; Amontons imaginando instrumentos novos para determinar a pressão, temperatura e humidade da atmosphera, e ainda outros physicos insignes. Os medicos antigos conheciam já em cerOstenta-se depois, fechando o sequito glorioso, tas molestias differenças de dureza ou consis o vulto ingente de Newton. Como as facetas tencia nos tecidos organicos do corpo hurutilas do diamante se incendem em fulgores, mano, e as designavam pelas palavras strictum que espadanam jorros de luz, assim o genio e laxum. Não fizeram, porém, mais que redo immortal philosopho se inflamma em cla- gistrar o facto em suas fieis e minuciosas derões, que illuminam a sciencia. Guardava scripções, sem attender á causa que o produesta em tal tempo farto thesoiro de experien-zia, á relação en que estava com o estimulo, cias e observações. Applicando a ambas a geometria e o calculo Newton levantara theorias exactas, novas, vastas e profundas. A physica arraiou então explendores, que deslumbraram as mais famosas intelligencias. Eram, entre muitos a pleitearem scintillações, a demonstração da gravitação universal, os inventos do telescopio de reflexão e do thermometro de comparação, as descobertas sobre a elasticidade dos fluidos, e a refrangibilidade da luz, a explicação das marés e a do arco iris, a theoria das cores e a da luz. E a todas fadou a perpetuidade aquelle im-nos, todas as analogias e relações entre elles, menso talento. (Continúa).

V. DE M.

1 Encyclopédie Methodique, Physique, vb. Physi

que.
Hoeffer - Histoire de la physique et de la chi-
mie, pag. 43 e segg.

ou á importancia que teria physiologica ou pathologicamente considerado.

É sobre modo extranho que circumstancia tão notavel, qual a de responderem os tecidos organicos aos estimulos que os impressionam, passasse quasi desapercebida no espaço de tantos seculos.

Na antiguidade a observação da natureza, ou por se limitar aos factos sem indagar-lhes as causas, ou por imperfeita e insufficiente ou por subordinada aos systemas philosophicos, não deixava perceber todos os phenome

tudo aquillo que sómente os methodos rigorosos da comparação e da inducção mais tarde haviam de revelar. Na edade-media, e ainda nos primeiros seculos que se lhe seguiram, preferiam-se geralmente ás proficuas lições da observação e da experiencia os mysticos de

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