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para o estabelecimento do equilibrio europeu
pela ponderação dos Estados, o fazer respeitar
os direitos dos neutros. A neutralidade foi
neutros. A nutos até
reconhecida somente pelos t
até ao dia
em que se tornou possivel fazel-a acceitar
como um direito.

V

Os principios do direito das gentes natural, que mais abaixo havemos de considerar, nem sempre foram admittidos na Europa. O Consolato del mare, que data do meado do seculo XIII, estabelecia, por exemplo, a liberdade absoluta da propriedade dos neutros, e este principio foi reconhecido na maior parte dos tractados até ao meado do seculo XVII; nesta epocha, porém, começou a ser admittido outro, o respeito da bandeira. D'esta sorte poupava-se a mercadoria inimiga encontrada em navio neutro, mas confiscava-se a mercadoria neutra aprezada em navio inimigo 2. O retrocesso não parava aqui; e a ordenança de Luiz XIV, de 1681, consagrando a maxima iniquaque a mercadoria inimiga confisca o navio amigo, attentava aos direitos da bandeira, em quanto, por outra parte, se viam não menos desattendidos os da propriedade.

Estes principios não eram todavia universalmente seguidos. Aquelles que o Consolato del mare tinha proclamado, e que eram, no fim de contas, os menos injustos, foram conservados em varios tractados, e a França reconheceu, em 1719', que a bandeira cobre a mercadoria, em quanto a Inglaterra sustentava o parecer contrario.

Inglaterra encontrou no seu proprio interesse razões excellentes para o não incommodar.

VI

Em 1800, durante a guerra entre a França e a Inglaterra, as potencias do Norte formaram allianças defensivas, das quaes resultou a segunda neutralidade armada. Irritada, a Inglaterra forçou a entrada do Sund, e destruiu, no seio da paz, a esquadra dinamarqueza no porto de Copenhague. Não teriam os neutros ficado inultos, se Paulo I da Russia tivesse continuado a reinar; mas o imperador Alexandre trahiu, logo que subiu ao throno, a causa commum, e alliou-se com a Inglaterra por meio de uma convenção maritima, á qual a Dinamarca e a Suecia se viram forçadas a adherir. Nesta convenção declarava-se livre o commercio dos neutros com os portos e as costas dos belligerantes, exceptuando-se o transporte do contrabando de guerra e da propriedade inimiga; mas permittia-se aos navios de guerra visitar os navios mercantes, incluindo os que fossem comboiados, logo que dessem logar a qualquer suspeita 1. D'ahi por deante, a Inglaterra, tendo destruido a marinha franceza, reinou despoticamente nos mares. Restabelecendo o seu antigo principio-que a bandeira não cobre a mercadoria, submetteu todos os navios mercantes á visita dos seus navios de guerra e dos seus corsarios, poz em practica o bloqueio ficticio, e arrogou a si os direitos mais latos sobre as embarcações que navegassem para os logares bloqueados d'esta maneira 2.

Napoleão respondeu a estes actos iniquos com os terriveis decretos de Berlim e de Milão, que estabeleceram o systema continental, e a Europa viu os seus dois mais poderosos governos estancar á porfia a fonte da prosperidade dos Estados que a constituem. Todavia deve-se reconhecer que as medidas de Napoleão eram tomadas como retorsão, e que elle se declarava prompto a renunciar á sua execução, logo que a Inglaterra tivesse attendido ás reclamações que a justiça e a protecção devida aos seus alliados lhe dictavam. Ao systema continental francez adheriram a Prussia, a Dinamarca e a Russia em 1807, a Austria em 1809, a Suecia em 1809 e 1810. Os Estados-Unidos da America prohibiram aos seus subditos todo e qualquer commercio com os Estados belligerantes, e em 1812 e 1813 a Suecia, a Russia e a Prussia renunciaram ao systema, que foi derribado pela quéda de LUIZ GARRIDO.

Foi á desenfreada ambição d'esta ultima potencia que os neutros deveram sobretudo, posto que os tractados de Utrecht tivessem começado a refrear as pretenções dos belligerantes, os vexames que por tanto tempo se viram obrigados a supportar, e que deram logar, em 1780, ao estabelecimento do systema de neutralidade armada, sob a direcção da Russia. A formidavel alliança da Russia com a Suecia e a Dinamarca, numa epocha em que a Inglaterra se achava a braços com aFrança, a Hespanha e a Holl nda, constrangeu o gabinete inglez a submetter-se de facto ás obrigações que a Europa lhe impunha; mas nada pôde arrancar-lhe o reconhecimento explicito dos direitos dos neutros. Todavia, tendo a Prussia, a Austria, Portugal e as Duas-Sicilias adoptado, por convite da Russia, o systema de neutralidade armada, e achando-se o commercio dos neutros debaixo da protecção de frotas de guerra e de fraga-Napoleão". tas, que escoltavam os navios mercantes, a

1 Klüber, Dir, das gent. mod. da Europa § 300.

2 Ibid. § 301.

Robe ennemie confisque navire ami. 4 Klüter, Dir. das gentes § 802.

(Continúa)

1 Klüber, Dir. das gentes § 308.
2 Moniteur do 1.o de junho de 1805.

3 Klüber, Dir. das gentes §§ 312, 313.
4 Ibid. § 315.

SCIENCIAS PHYSICAS E MATHEMATICAS

APONTAMENTOS PARA A HISTORIA
DA PHYSICA EM PORTUGAL

II

A causa do santelmo inquirida nos escriptores portuguezes do seculo XVII

(Concluido de paginas 32)

Venhamos agora a Portugal. Que affectos careava a physica na patria de Antonio Luis e Pedro Nunes, quando em alheias terras os mais estremados varões a traziam tão cuidada? Desmedrava á sombra esterilisadora da velha escholastica, sem que a illuminasse uma restia d'aquella luz, que o estudo accenestudo accendera na mente dos grandes pensadores; estiolava na atmosphera pesada e fria das universidades e dos conventos, fechados hermeticamente ás correntes de ar puro, que as virações do seculo despediam.

vel ad expurgationê usque prohibentur, vel denique iam expurgati permittuntur. Mandou estampal-o o bispo D. Fernão Martins Mascarenhas, inquisidor geral dos reinos e senhorios de Portugal, e continha não só o catalogo dos livros, que o indice romano prohibia, acrescentado de outros que a sagrada congregação do mesmo indice lhe denunciara como iscados de heresia, mas tambem «grande numero de obras de varios Autores, emendadas para que sem perigo das consciencias dos que as lessem podessem correr.» A carta que o precede delata os intentos do santo officio, accusa o caracter severo e inflexivel do inquisidor mor. Porque manda «a todas, & cada hua das pessoas, assi Ecclesiasticas, Regulares, ou Seculares, como leigas, de qualquer estado, condição ou dignidade que sejão, que tiuerem liuros dos que se prohibem no dito Catalogo, & regras delle, que dentro em trinta dias da publicação desta os entreguem, ou ao menos por escrito notifiquem os nomes, ou Era que a companhia de Jesus mantinha titulos de cada hum delles, aos Inquisidores ainda firmissimo o sceptro dos espiritos, e do de seu districto, pera delles se ordenar o que braço robusto do santo officio pendia melhor cumprir. E, continua a carta, não no fazendo equilibrada a balança das consciencias. Os je- assi dentro do dito tempo, se o liuro, ou liuros suitas, traçando os limites do seu mundo scien- que assi tiuerem, forem defesos por serem de tifico pelas incorrectas e deturpadas cartas hereges, ou conterem doutrina heretica, ou de Aristoteles, levantaram nos Commentarios sospeita, pello mesmo caso encorrão em esConimbricenses as columnas de Hercules do comunhão maior, & se possa contra elles prepensamento; a inquisição, apontando o non ceder, como contra sospeitos na fé: & na mesma pena encorrão os que souberem quem plus ultra, que as emcima, vigiava que nenhum aventureiro ousado as transpozesse. os tem, & o não denunciarem aos InquisidoSão d'aquelle asserto claro exemplo as pro- res dentro do mesmo tempo, da qual censura, posições que os padres, escolhidos pela nona nem hūs nem outros possam ser absoltos, congregação geral, mandaram proscrever do senao pelos ditos Inquisidores 1». E, como ensino, e uma determinação do provincial Pe- esbulho da propriedade e a apotheose da dedro Rocha na visita, feita em 1637 ao collegio lação fossem ainda frageis peias para travar de Coimbra, que diz assim: «Não se defen- a besta fera da heresia, ordena tambem o derão opiniões contra a Logica Conimbricense inquisidor geral «sob as mesmas penas, que nas disputas; e quando muito se poderá pôr nenhum impressor imprima algum dos taes a questão problematicamente, mas poucas ve- liuros, nem pessoa algua os venda, ou traga zes1.» Do segundo surgem numerosos e irre- de outra parte, ou faça trazer a estes Reynos cusaveis os testemunhos nos repetidos indices & Senhorios. E se os tais liuros, acrescenta do tribunal da fé. Abrangiam estes os nomes a carta, forem defesos, não pollos ditos resdos auctores condemnados e das obras prohibi-peitos de heresia, mas por algum outro diffedas, assim como aquellas que rescendiam a impiedade, e necessitavam ser depuradas das fezes da heresia. D'elles temos entre outras uma notavel mostra no que sahiu a lume ao fechar-se o primeiro quartel do seculo XVII, e se intitula-Index avctorvm danatæ memoriæ, tvm etiam librorvm, qui uel simpliciter

1 J. J. Lopes Praça, Historia da Philosophia em Portugal, pag. 157 e segg..

rente, quem os tiuer sem os querer entregar, ou manifestar seus nomes; & titulos ao Santo Officio, & o impressor que os imprimir, & a pessoa que os vender, trouxer, ou fizer trazer, alem de correr em peccado mortal, sera a nosso arbitrio, & dos Inquisidores, seuera. mente castigado. Cerra-se este notavel documento revogando todas as licenças que o

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mesmo Inquisidor mor e seus antecessores ti- | Congregação, & se acharà vessem concedido a quaesquer pessoas, pera ter, ou ler quaesquer liuros dos prohibidos neste nouo Catalogo impondo ás pessoas que tratavam em livros a obrigação de terem o mesmo catalogo, e promettendo aos que tinham livrarias determinar tempo preciso para ver se nellas existiam obras, que necessitassem emendar-se1.

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Eram ainda mais explicitas algumas das regras geraes do catalogo de Portugal. Na x lê-se o que segue: «Por quanto neste Reyno, & particularmente em Lisboa ha muito comercio de estrangeiros septemtrionaes das partes entradas, ou infestadas de Heregia, prohibemse quaesquer liuros em lingua Ingressa, Framenga, & Judesca, (ainda que não estèm nomeados no Catalogo), para effeito que nenhum se possa ter, nem ler, sem primeiro se presentar no sancto Officio, & se examinar sua qualidade. E tambem nos Franceses se encomenda, que se tenha muita aduertencia, como não forem notoriamente, sem sospeita, & permittidos. E pela XIII «amoestase a todas as pessoas, & particularmente aos Liureiros, que mandarem vir liuros de terras estranhas, que primeiro comuniquem as listas, ou memorias, com algus dos Padres Reuedores, que os auisarà dos liuros defesos, ou sospeitosos, & tambem das impressoes, de que se deuão guardar'.» A regra XIV completa este aviso, e diz assim: Conforme ao que se dispoem na regra 10. do Catalogo Romano, §. Omnes verò, se manda a todos os Liureiros, que em suas liurarias tenhão listas dos liuros, que tem para vender, assinada por algum dos padres Reuedores, nem tenham, nem vendam, nem dem, ou entreguem a ninguem outros liuros sem licença d'algum dos ditos Padres, sobpena de perdimento dos taes liuros, & outras penas a arbitrio dos Inquisidores. E os que comprarem, lerem, ou imprimirem, sejam castigados a arbitrio dos mesmos".>

Procusto implacavel o tribunal da fé decepava os arrojos intellectuaes, que transcendiam a medida de seu Indice, e estirava até the beijarem os extremos as arraigadas convicções da crença.

E era aquella tão curta, que nem abrangia o livro sublime, cujas paginas duas religiões asseveram divinamente inspiradas. Porque diz a regra II do catalogo «Qvanto á versam da sagrada escritura em lingoa vulgar, se guardarà, não somente a declaraçao, q no Indice Romano, anda sobre a quarta regra delle, a qual desta materia falla; mas tabem o que de nouo se tem mais declarado pela sagrada

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no o mesmo Indice lit. S. em a 3. classe, Sacra scriptura, vel eius partes, &c. Pelo que segundo as tais declaraçoes, somente se permittem partes pequenas da sagrada escriptura em vulgar, como sao ordinariamente Epistolas, & Euangelhos da Missa, tendo algus escolios, ou notaçoes iunctas; & não o texto todo de hum liuro, ou parte notauel, como seria algum Psalmo, ou capitulo inteiro, ainda que repartido com os ditos escolios, ou notaçoes.D

Esmerilhada a idéa em todas as suas manifestações, aparados os conceitos pelos moldes acanhados da intolerancia, e accorrentado o pensamento ao poste vilissimo de censura, feito era das lettras e das sciencias. A conjuncção do ensino jesuitico com os terrores das fogueiras inquisitoriaes praz-nos pois attribuir o desfallecimento de espirito, de que Portugal enfermou mortalmente no correr do seculo XVII. Foi este a idade de oiro da inquisição e da companhia, e, ao passo que a sua primeira metade se escoava na ampulheta do tempo, os grilhões de Castella roxeavam cada vez mais os pulsos da patria. Envilecidos os brios pelas larguezas e promessas d'uma corrupção systematica, sisada a instrucção nas mãos avaras da companhia, e estrangulada a intelligencia pelas cordas e golilhas do santo officio, a sciencia, crisallida impotente, amortalhava-se no assetinado casulo, e não sacudia ao sol meridiano a poeira doirada das suas azas. Mas não foi a tyrannia feroz da Hespanha quem principalmente nos atirou a tão funda decadencia, porque, quando num so dia de 1640 lavamos das faces a vergonhosa nodoa de sessenta annos de opprobrio, o nivel espiritual da nação não subiu siquer um grau. Ao execrando e sanguinario tribunal da fé, e aos retardatarios e cautellosos filhos de Loyola cabe pois a responsabilidade tremenda da degradação intellectual d'este paiz, antes assombro da Europa, e trasbordando de tantos e tão bons ingenhos, que não acham facilmente rivaes entre os melhores dos paizes estranhos.

Aquinhoou a physica neste amortecer do espirito destino egual ao das outras sciencias. E que não havia inquiril-a fora dos Commentarios Conimbricenses, e dos abstrusos glosadores, que pretendiam esclarecel-os; a não ser que as origens mysticas tomassem mão á investigação. Mas os collegios das mais illustradas congregações religiosas não ousavam afastar-se do rumo, marcado pelos jesuitas, e estes entronizados nas cathedras de Coimbra e Evora explanavam com exemplar fidelidade as opiniões do P. Manuel de Goes. Provam-o em relação ao ensino das ordens monasticas as apostilhas, que delle nos herdaram os mestres mais apontados em saber, e com

1 Idem, pag. 81.

referencia á Universidade de Coimbra os seus Estatutos confirmados por D. João IV, em 16531. São os já confirmados por Filippe I, que receberam naquelle anno a sancção do rei portuguez, e estatuem as determinações, que em outro logar inserimos, e a leitura do texto de Aristoteles. Demais, as locubrações dos innovadores temerarios, que, sem respeito pela escholastica, lançaram as bases da nova philosophia, estavam banidas da communhão intellectual. O Indice expurgatorio inscrevera entre muitos nomes afamados os de Pedro Ramo, Jeronimo Cardano, Bernardino Talesio", Giordano Bruno, Thomaz Campanella' e outros illustres adversarios do peripatetismo.

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Creados pois os entendimentos com o ruim leite de tam prejudiciaes doutrinas vinham naturalmente desmedrados para concepções vigorosas. E se algum lograva vencer a fraqueza ingenita e se apparelhava a desferir voo, continha-o o receio de entestar com as fogueiras do santo officio e precipitar-se

nellas.

Mas á physica, envasada nos modelos aristotelicos, não fallecem cultores em Portugal durando o seculo XVII. Fallaremos d'elles mui resumidamente e das obras, que tiraram a lume.

P. Baltazar do Amaral pertenceu á companhia de Jesus, cuja foi notavel ornamento. Os collegiaes de Lisboa e Coimbra ouviram-lhe por alguns annos a palavra auctorisada nas aulas de philosophia e theologia. Sob o pseudonimo de Luis Dias Franco escreveu Do .ctrina Philosophica. Ulyssipone, 1618. Foi obra estimada naquelle tempo.

P. Rodrigo de Figueiredo vestiu tambem a roupeta de jesuita. Desejos de fecundar com a semente do evangelho o terreno safaro da gentilidade levaram-o á India pelos annos de 1618. E abicando á China quatro annos de pois, ahi verteu na lingua indigena, que soube com perfeição, os Livros de Aristoteles que tratão dos céos".

P. Francisco Furtado era do mesmo instituto que os precedentes. Passando ao oriente, demorou largos annos no Japão, onde colheu assignalados triumphos sobre a idolatria. D'elle nos ficou um tractado em seis livros em lingua sinica, soando como-Hoan Hoan yú civen-, que, no dizer dos seus biogra

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phos, vale o mesmo que - Do mundo e do ceo1-.

P. Balthasar Telles foi chronista da companhia e um dos seus mais elegantes escriptores. Leu varias disciplinas nos mais abalisados collegios da ordem, ostentando-se sabedor profundo e orador eloquente. Dos seus conhecimentos physicos herdou-nos apenas a obra intitulada― Summa universae philosophiae, da qual se apontam algumas edições.

P. Francisco Soares conta-se ainda como um dos. illustres filhos de S. Ignacio de Loyola. Regentou com grande applauso nos collegios de Lisboa e Coimbra as cadeiras de humanidades, philosophia e theologia; foi lente de prima em Evora e reitor do collegio desta cidade. Tirou á estampa Cursus Philosophicus, Conimbricae 1651.

Fr. Francisco de S. Agostinho Macedo, lustre da ordem dos menores observantes da provincia de Portugal, foi um prodigio de saber. Entre as disciplinas, que professou com grande credito, extrema-se a philosophia natural, que regeu por muitos annos no celebrado seminario de Padua. Dos seus conhecimentos nesta sciencia falla a obra que intitulou Theatrum Meteorologicum, in quo Aetherea, Aerea, Ignea, Aquea, Terrestria, Subterranea, ac ex his mista Meteora spectantur; Romae, Typis Iacobi Dragondelli, 1660.

Tomados todos estes escriptores ainda em faxas nos braços da companhia, porque Fr. Francisco de S. Agostinho Macedo iniciou a sua vida religiosa alistando-se na milicia de Loyola, jamais esqueceram a arrevezada doutrina, com que lhes acalentaram as intelligencias infantís. Espiava-os, demais, a vigilancia dos qualificadores do santo officio, que podiam surprender um erro de fé numa innovação scientifica. Assim sahiam-lhes as obras transumpto fidelissimo dos Commentarios Conimbricenses e affirmação constante da immobilidade da physica.

Cremos que eguaes tachas deslustrariam outros escriptos, que não viram a luz, e indicavam pelo titulo tractar assumptos de physica. Mas, se da inscripção é licito deduzir conjecturas, parece-nos que certos d'elles alguma cousa innovaram. De todos faremos breve menção, breve menção, e dos auctores que os produziram.

Fernão Alvares Cabral sobreluziu como perfeito medico, e teve nomeada de sabedor consummado. Entre outras obras suas, que guardava o physico mor do reino, o dr. Manuel Alvares Sereno, refere o auctor da Bibliotheca Lusitana as duas seguintes, que pertenciam á physica― Commentaria in Mecha

1 Idein, Imagem da virtude em o noviciado da companhia de Jesus no real collegio de Jesus de Coimbra, seg. t. pag. 616.-Diogo Barbosa Machado, Bibliotheca Lusitana, vbo. Francisco Furtado.

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Antonio de Mariz Carneiro, cosmographo mor do reino, occupa lugar distincto entre os que trataram materias de navegação. D'ellé assevera Barbosa Machado que «se applicou com grande disvelo às disciplinas Mathematicas penetrando alguns mysterios d'esta sciencia occultos aos seus mayores professores persuadindose que tinha alcançado pela sua especulaçao o segredo de fixar a agulha de marear, e por esta causa era chamado faceta mente o Agulha fixa; e querendo fazer experiencia deste seu invento navegou a India donde voltou frustrado da sua imaginação1. Em relação á physica escreveu:-Tractactus de abditissima, & huc usque incognita causa marini aestus. Conservava-se na livraria do Marquez de Valença.

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Leonis de Pina e Mendonça, cavalleiro da ordem de Christo, anda memorado como talento feracissimo de apuradas concepções, que lhe alcançaram a gloria de ser nomeado membro da Sociedade Real de Londres. Em physica trabalhou varios opusculos sobre a theorica da musica, de que não temos hoje mais larga noticia.

Fr. Jeronymo de S. Boaventura, franciscano, explicou philosophia e theologia em diversas escholas da ordem, e ahi era vel o mostrar uma intelligencia subtil a par da mais feliz memoria. Acabou um- Cursus Philosophicus, do qual diz o chronista Fr. Fernando da Soledade que era bem conhecido e egualmente acceito 2.»

Fr. João Ramires, cisterciense, preparou-se para ditar philosophia no convento de S. Maria de Seiça escrevendo Philosophia universa secundum mentem Aristotelis.

Poremos ainda em memoria os nomes d'outros escriptores, que, com não attenderem especialmente a assumptos de physica, convencem todavia que não eram alheios ao estudo d'esta sciencia. Assim nomearemos a Luiz Rodrigues de Pedrosa, que no seu livro Selectarum Philosophiae, et Medicinae difficultatum, quae a philosophis vel omittuntur, vel negligentivs examinantur,-investigou do movimento, densidade e gravidade dos corpos, e provou não desconhecer as idéas de Copernico e Gassendi; Estevão Rodrigues de Castro, auctor da obra- De Meteoris Microcosmi libri quatuor, na qual discute varios pontos de meteorologia; Manuel de Faria e Sousa, que traduziu em castelhano a Filosofia natu

Fr. Antonio da Purificação, chronista dos eremitas de S. Agostinho, ensinou philosophia e theologia nas escholas da sua religião. Dos progressos que naquella fez dava testemunho a sua obra Cursus Philosophicus, 3 t. 4. Gaspar de Mello da Silva e Vasconcellos, cuja intelligencia se adornava de copiosa erudição nas lettras divinas e humanas, mos-ral de Alberto Magno e mostrou em varios trou o seu ingenho no Compendium universae philosophiae cum quaestionibus Theologicis, quae nunc à Philosophis moventur.

Antonio Velloso de Lira, doutor em theologia e mui louvado pelos seus não vulgares conhecimentos. Pertence-lhe, além de outras obras-Philosophia muta,-na qual affirma o Abbade de Sever «por modo de dialogo responde esta sciencia às preguntas da curiosidade inquirindo sobre tudo o natural, de que se segue o buscar o verdadeiro fim, que he Deos, não so corporal, mas espiritualmente1.» Fr. Bento de Macedo, carmelita e doutor em Theologia. Dos seus meritos como pregador dura ainda a fama, apontando-o eloquentissimo. No convento de Evora existia uma obra sua Cursus Philosoficus in tres tomos distinctus.mini ana toirotze mon

lògares dos seus Commentarios aos Lusiadas não desdenhar os estudos physicos, e o P. Manuel Dias, que observou em Cochim o cometa de 1618 e deixou manuscripto o-Tratado contra os que julgão que os Cometas são sublunares e elementares. Acrescentaremos a estes o Marquez de Sande, Francisco de Mello e Torres, o segundo Conde de Ericeira, D. Fernando de Menezes, e o cosmographo mór do reino, Luiz Serrão Pimentel, que pelo muito que se avantajaram nas mathematicas, certo sobrelevariam na physica.

Dos que escreveram incidentemente sobre um ou outro phenomeno physico, não ha porque os memoremos. V. DE M.

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1 Francisco de Borja Garção-Stokler, Ensaio historico sobre a origem e progressos das Mathematicas em Portugal, pag. 53.

1 Diogo Barbosa Machado, Bibliotheca Lusitana, 2 Fr. Fernando da Soledade, Historia Serafica, t. vbo. Antonio Velloso de Lira. 1904

5, pag. 954 e segg.."

VOL. XVI.

N.° 3 **

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