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<< - Pois sim, filho, sim. Não te fazendo isso mal...

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«- Não faz, mãe, não faz.

<- Ora dize-me, Valentim: tu pareces-me triste. Que tens, filho? Eu bem sei que sou uma pobre mulher, que não sei como hei-de dizer-te para te consolar. Mas olha, não sei porque é, mas uma mãe sempre atina com palavras para consolar seus filhos...

«Valentim levou aos lábios a mão de sua

mãe.

--

<«<-E assim, mãe. O que nos consola não são as palavras, é o amor que nelas verte o coração. As vezes uma só palavra é mais rica de sentimentos que longas frases e discursos. <--- Pois então, filho, dize me o que assim te faz tão triste.

«<-Triste? Pois acha que quem, como eu, se destina ao serviço de Deus pode acolher a alegria infundada que os prazeres nos fazem sentir?

( A seriedade cabe bem aos sacerdotes, mas há também uma alegria que nos dá a consciência quando está de bem com Deus e consigo mesma; uma alegria séria... que nem outro nome lhe sei eu dar a essa...

«<--E essa, mãe, quem a pode ter? Pois quem tem a consciência tão pura que lhe não sinta a voz a todo o instante?

«-Olha, disse a pobre mãe depois de fitar

em Valentim uns olhos perscrutadores, tu sabes que o meu maior desejo é ver-te seguir essa santa carreira a que te destinas. Mas, vê bem, se para isso tens de fazer sacrifícios para que te faltam as fôrças e te não sentes com ânimo para a seguir até o fim...

«E parava dizendo isto, como se, para concluir, tivesse de fazer um esfôrço superior... « - Então, filho, então... pára...

«Valentim não respondeu. Deixando pender a cabeça, parecia meditar nas últimas palavras de sua mãe, que era o mesmo que, há muito tempo, lhe murmurava baixinho a consciência.

<<Terminada esta meditação silenciosa, ergueu a cabeça. Havia resignação na sua fisionomia. «<--- Não. Eu posso ter instantes de fraqueza; mas espero me não abandonarão inteiramente as forças. Desanimado tão cedo, parar às primeiras dificuldades... Pois que esperava eu? Não as devia ter previsto e não as previ, de facto? Não, mãe, ainda me não falece o ânimo.

«E espero em Deus que nunca te abandonará. Mas donde vens tu que assim te puseste tão triste?

«<-- De casa das senhoras de Alvapenha.

((

<«<- Ah! Não havia gente de fora esta noite? Pareceu-me ouvir dizer...

«< Havia... A família de Lisboa...

«E Valentim calou-se de novo, como se lhe

acudissem outra vez as imagens tumultuosas que as palavras de sua mãe tinham, em parte, afugentado.

(-- Boa noite, mãe,—disse o inquieto jovem, levantando-se com vivacidade.

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«<- Vai deitar-te, vai, filho, que bem o precisas tu. Deus queira que não seja doença, isso.

«Valentim retirou-se para o seu quarto, simples aposento despido de ornatos e que denunciava os hábitos simples da vida do pobre adolescente. Uma mesa, um leito e poucas cadeiras eram tôda a mobília.

«De uma das paredes nuas pendia um crucifixo que êle recebêra de sua mãe e sôbre a mesa alguns papéis dispersos, em desordem, revelavam laboriosas vigílias a que se entregava o melancólico protegido das senhoras de Alvapenha.

«Valentim, entrando no quarto, sentou-se à mesa. Deixou pender a cabeça sôbre as mãos e por tanto tempo se manteve assim imóvel que, quando emfim se ergueu, já os primeiros alvores do dia penetravam pelas frestas das janelas. >>>

Era o prólogo que, na seqüência do romance primeiramente delineado, havia de trazer scenas violentas, que deviam vir a terminar pelo desaparecimento da infeliz mãe de Valentim.

Júlio Denis previu a scena intima da luta entre o adolescente que quere e deseja a vida com todos os seus encantos e a prisão voluntária à vida sacerdotal, que êle só admitia quando uma vocação segura a impusesse. E não teve ânimo bastante para enfrentar o seguimento do drama iniciado na passagem transcrita.

Pôr em conflito o filho e a mãe —e, de facto, mesmo pela cedência desta, êle havia de dar-se, repugnava ao seu carácter: era superior. às suas forças.

No romance definitivo, Augusto, que substitui Valentim, é órfão de mãe. Afastou, assim, e de vez, a luta em que impensadamente ia a envolver-se.

VI

ORIGENS DO ROMANCE
«A MORGADINHA DOS CA-

NAVIAIS »

III

N

A sala da Casa de Alvapenha reüniam-se, muitas vezes, com tôda a família, algumas pessoas das imediações que, na frase do romancista, vinham cumprir os seus deveres de civilidade com os ilustres hóspedes. Laura, seu pai e um pouco forçadamente Valentim, conversavam em literatura, fugindo, assim, às conversas anódinas e insonsas destas reuniões aldeas. Valentim patenteava, sem querer, aos olhos de Laura todo o drama intimo da sua vida.

«Foi num dêsses momentos >>

escreve Júlio .

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