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riu aquela doce e inteligente compostura que The conhecemos, na forma definitiva do romance, quando apareceu em 1867. A paisagem onde nasceu não é a minhota, onde veio afinal a fixar-se. Também parece que o romancista, a-pesar da predilecção com que a escolhe, não a considera acima de outras, entre as quais a da Beira-Ria.

Na Família inglesa (1), escreveu o romancista:

«Pois por serem belos os vergéis do Minho, perdem a beleza as lezírias do Vouga, ou até as paisagens alpestres de Trás-os-Montes ?»

E nas lezírias do Vouga está incluida a região de Ovar.

(1) Júlio Denis, Uma Familia inglesa, ed. cit., pág. 136.

VII

ORIGENS DO ROMANCE
«A MORGADINHA DOS CA-
NAVIAIS »

IV

O exame do manuscrito que acabamos de fazer deduz-se que o romance inicial donde devia sair a Morgadinha dos Canaviais, era afinal uma scena singela com um esboço simples de dramatização que não podia prolongar-se por muitas páginas sem perder o interêsse, pecado de que não pode acusar-se Júlio Denis.

Era exiguo o elenco, fraco o movimento e limitada a enscenação. Procurámos nos papéis inéditos do romancista a explicação do facto, tanto mais que a Morgadinha é dos mais agitados romance de Júlio Denis.

Não encontrámos coisa que inteiramente nos satisfizesse. Contudo, são curiosos os novos subsídios que um outro manuscrito nos forneceu. Já citámos o seu título:

Capítulo II Scenas e retratos de família.

Por baixo escreveu a sr.a D. Ana Gomes Coelho da Silva, a paciente e inteligente coleccionadora dos manuscritos de seu tio, estas palavras a lápis, já bastante sumidas: «Escrito antes da Morgadinha, de que dá uma idea» (1).

Neste capítulo segundo (2), fala-se de Torcato, o nosso conhecido sr. Torcato, criado da sr.a D. Vitória e das meninas, no romance definitivo; homem honrado e de confiança, já um pouco da família; e de Angelo, que era o filho da casa. Refere-se o romancista, nestes apontamentos, a uma maldade que Angelo fizera a Torcato, mas cujas particularidades ficam desconhecidas, por se ter perdido a primeira parte do manuscrito.

(1) No manuscrito Á porta do templo, que acabamos de largamente apreciar, está também escrita uma nota da mesma senhora, que diz: «Desta obra aproveitou alguma coisa para a Morgadinha.»

(2) Perdeu-se o primeiro e apenas existem algumas páginas do Capitulo III, que se intitula: Uma inquirição inocente.

Também se refere à entrada na sala da

«... figura esbelta e majestosa de uma senhora de meia-idade, a qual parou contemplando êste espectáculo cómico que cessou imediatamente logo que a presença da recêm-chegada foi percebida pelo travesso autor desta turbulenta scena.»

Era a mãe de Angelo que, depois de o admoestar mais vivamente diante de Torcato, por quem mandou chamar a criada Dorotea (nome da predilecção de Júlio Denis), o sentou nos joelhos, e lhe disse «em tom repreensivo, ao mesmo tempo que instintivamente o apertava contra si»:

« - Então era êste o juízo que o menino me prometia ter? Não sabe que é até um pecado zombar assim de um velho? Quando o papá me preguntar como o Angelo se tem portado, o que lhe hei-de dizer? Ora vamos. Reze outra vez ao seu anjo-da-guarda e não faça mais travessuras destas que parecem muito mal a um menino bem educado.

«O pequeno Angelo, sinceramente contricto, juntou as mãos e principiou rezando a oração ao seu anjo custódio com verdadeiro fervor:

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Anjo da minha guarda, por Deus enviado a proteger-me com as tuas àsas brancas,

vela por mim emquanto eu durmo e guarda-me dos maus sonhos como dos maus pensamentos, conduzindo-me pela mão no caminho do dever, não me abandonando nas aflições nem nas alegrias, mostrando-me sempre o céu através das penas e dos prazeres da terra e ensinando-me a recebê-los como da mão do Senhor-.

«Em seguida, benzeu-se devotamente e beijando à mão que sua mãe lhe estendia, recebeu por bênção beijos e afagos em que parecia esgotarem-se todos os tesouros maternais.

<< - Bem» dizia a mãe em tom já carinhoso, anediando com os dedos as longas madeixas da criança― «agora vai-te deitar que são horas. E não faças arengar a Dorotea, não? Olha que tens de té confessar êste ano e vê lá se queres ir logo da primeira vez carregado de culpas. Se tiveres juízo hei-de mandar-te vir de Lisboa uma galgazinha preta...

«—Ai, mande, mande, mamã. E eu hei-de pôr-lhe, ao pescoço, uma golazinha de veludo vermelho, sim?

« Pois sim, mas...

« -E um guizo? Não é bonito um guizo também ?

«1 Também, mas é se...

-Sim, mas olhe, mamã. E um casaco para o frio...

«Também há de ter um casaco,

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