Chorae, olhos tristes, O bem que perdestes.
A luz do sol pura Só a vós se negue; Seja noite escura, Nunca a manhãa chegue.
O campo floreça, Murinurem as ágoas, Tudo me entristeca, Cresção minhas mágoas.
Quizera mostrar O mal que padeço; Não lhe dá lugar Quem lhe deu começo.
Ein tristes cuidados Passo a triste vida; Cuidados cansados, Vida aborrecida.
Nunca pude crer O que agora creio: Cegou-me o prazer Do mal que me veio.
Ah ventura minha, Como me negaste! Hum so bem que tinha, Porque mo roubaste ?
Triste fantasia Quanta cousa guarda! Quem ja visse o dia, Que tanto lhe tarda!
Nesta vida cega
Nada permanece; O qu'inda não chega, Ja desaparece.
Qualquer esperança Foge como o vento: Tudo faz mudança, Salvo meu tormento.
Amor cego e triste, Quem o tēe padece: Mal quem lhe resiste! Mal quem lhe obedece!
No meu mal esquivo Sei como Amor trata: E pois nelle vivo, Nenhum amor mata.
Foge-me pouco a pouco a curta vida, Se por caso he verdade qu'inda vivo; Vai-se-me o breve tempo d'ante os olhos; Chóro por o passado; e em quanto fallo, Se me passão os dias passo a passo. Vai-se-me, emfim, a idade, e fica a pena. Que maneira tão aspera de pena!
Pois nunca hum' hora vio tão longa vida Em que do mal mover se visse hum passo. Que mais me monta ser morto que vivo? Para que chóro, emfim? para que fallo, Se lograr-me não pude de meus olhos?
Oh formosos, gentís e claros olhos, Cuja ausencia me move a tanta pena, Quanta se não comprende em quanto fallo! Se no fim de tão longa e curta vida De vós m'inflammasse inda o raio vivo, Por bem teria todo o mal que passo.
Mas bem sei que primeiro o extremo passo
Me ha de vir a cerrar os tristes olhos,
Que Amor me mostre aquelles por quem vivo. Testimunhas serão a tinta e penna,
Qu'escrevêrão de tão molesta vida O menos que passei, e o mais que fallo.
Oh que não sei qu'escrevo, nem que fallo! Pois se d’hum pensamento em outro passo, Vejo tão triste genero de vida, Que se lhe não valerem tanto os olhos, Não posso imaginar qual seja a penna Qu'esta pena traslade com que vivo.
N'alma tenho contino hum fogo vivo, Que se não respirasse no que fallo, Estaria ja feita cinza a pena; Mas sôbre a maior dor que soffro e passo, O temperão com lagrimas os olhos: Com que, se foge, não se acaba a vida.
Morrendo estou na vida, e em morte vivo; Vejo sem olhos, e sem lingua fallo; E juntamente passo gloria e pena.
A culpa de meu mal só tệe meus olhos, Pois que derão a Amor entrada n’alma, Para que perdesse eu a liberdade. Mas quem póde fugir a huma brandura, Que despois de vos pôr em tantos males, Dá por bens o perder por ella a vida?
Assaz de pouco faz quem perde a vida Por condição tão dura e brandos olhos; Pois de tal qualidade são meus males,
Que o mais pequeno delles toca n'alma. Não s'engane com mostras de brandura Quem quizer conservar a liberdade.
Roubadora he de toda liberdade (E oxalá perdoasse á triste vida!) Esta que o falso Amor chama brandura, Ai meus antes imigos, que meus olhos! Que mal vos tinha feito esta vossa alma, Para vós lhe fazerdes tantos males?
Cresção de dia em dia embora os males; Perca-se embora a antigua liberdade; Transforme-se em Amor esta triste alma; Padeça embora esta innocente vida;
Que bem me págão tudo estes meus olhos, Quando de outros, se os vem, vem a brandura. Mas como nelles póde haver brandura,
Se causadores são de tantos males? Engano foi d'Amor, porque meus olhos Dessem por bem perdida a liberdade. Ja não tenho que dar senão a vida, Se a vida ja não deo, quem ja deo a alma. Que póde ja 'sperar quem a sua alma Captiva eterna fez d'huma brandura, Que quando vos dá morte, diz qu'he vida? Forçado me he gritar nestes meus males, Olhos meus: pois por vós a liberdade Perdi, de vós me queixarei, meus olhos.
Chorae, meus olhos, sempre os damnos d'alma,
Pois dais a liberdade a tal brandura,
Que para dar mais males, dá mais vida.
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