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cal, não esqueceu outros pormenores. Basta que citemos o das promessas. Quando Margarida, junto de Álvaro, moribundo, procura animá-lo,

fala-lhe assim:

«Como perdeu assim a esperança ? Pois não se lembra de, ainda há dias, combinarmos dar uns passeios que lhe hão de fazer muito bem? Havemos de ir breve; vou eu, a Clara e o sr. Reitor também vai, que já mo prometeu. Há de ser à ermida da Senhora da Saúde. Se soubesse como lá é bonito! A vista segue, segue por cima de campos, de devezas, de aldeias, e tão longe, tão longe que só pára no mar» (1).

Ora a ermida a que se faz alusão nesta passagem é, pela descrição do panorama que dali se desfruta, a capela da Senhora da Saúde, de Cambra, que, em dias claros, se vê branquejar de Ovar na serra longinqua e onde se faz anualmente uma das romarias de maior nomeada naqueles sítios. A paisagem que de lá se pode apreciar condiz inteiramente com a descrição de Margarida e dificilmente poderia Júlio Denis passar uns meses em Ovar, e especialmente em casa de gente devota, como era a

(1) Júlio Denis, As Pupilas do sr. Reitor, ed. cit., pág. 252.

de sua tia D. Rosa, sem falar na romaria da Senhora da Saúde, a que se apegam todos os crentes daquelas paragens nas horas difíceis e amarguradas. A esta mesma capela faz referência na Morgadinha dos Canaviais.

E ainda, neste campo de observação do exagerado misticismo regional, não lhe escapou o sabor religioso dos cumprimentos.

Nessa época, e durante muitos anos, se ouviram as saüdações relatadas pelo romancista, entre as pessoas que mais assiduamente freqüentavam a Igreja:

«Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo disse, ao entrar na loja, e com voz dolentemente melodiosa, a santa de que falamos.

a

«Para sempre seja o Senhor louvadorespondeu-lhe, menos beatamente, a sr. Teresa» (1).

Entre os menos dados à freqüência do culto, era vulgar ouvir, e ainda hoje é saudação corrente: «Guarde-os Deus» (2).

Denunciam também o scenário vareiro muitas frases que encontramos através do romance:

(1) Júlio Denis, As Pupilas do sr. Reitor, ed. cit., pág. 237.

(2) Idem, ibid., pág. 31.

«Ainda era vivo o tio André da Murtosa... Que homem tão divertido! Aquilo era uma coisa por maior... pois quando êle de serandeiro às esfolhadas»! (1)

Assim se exprimia o Manuel do Alpendre recordando as esfolhadas de outro tempo.

Ora o tio André da Murtosa evoca a terra da sua proveniência, a Murtosa, importante freguesia do concelho de Estarreja que, por sua vez, confina com a Ria, e que está em constantes relações comerciais com Ovar. Dali devia ter vindo o tio André, que guardou ligado ao seu nome o da sua terra natal.

Outra:

«Olhem que mestra de crianças! — observou uma gorda oleira, que viera comprar uma quarta de sabão» (2).

Há em Ovar uma indústria de olaria, e daí a referência do romancista à profissão da sua gorda personagem.

Outras frases mostram modos de dizer locais

235.

(1) Júlio Denis, As Pupilas do sr. Reitor, ed. cit., pág.

(2) Idem, ibid., pág. 240.

ali comummente empregados. Não queremos com isto dizer que não se encontrem noutras regiões, mas, sendo vulgares em Ovar, representam mais um argumento a juntar aos que vimos aduzindo em favor da tese que sustentamos. Recordemos algumas:

« Mas o Pedro que disse à saída ? <«<-Não disse nada. Parecia nem dar por a gente. Ia assim a modo de estarrecido» (1).

Esta locução «a modo de estarrecido» é um provincianismo muito usado naquelas paragens e que já encontrámos no Canto da Sereia. E para finalizar:

«

Se achas que mereço alguma recompensa, porque ma não dás tu mesmo, Guida?

«- Eu, meu coração? Que recompensa podes esperar duma pobre ?»

Esta maneira de dizer, tão bela e expressiva, têmo-la ouvido a miúde na população ribeirinha. Ainda nos recorda a impressão que nos produziu quando a ouvimos, pela primeira vez, no barco da travessia da Bestida para a

(1) Júlio Denis, As Pupilas do sr. Reitor, ed. cit., pág. 235.

Torreira, a uma peixeira da Murtosa que acalentava ao seio um filhinho doente :

Dorme, dorme, meu coração!

Quanto lirismo e quanta intensidade afectiva palpitam nesta frase!

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