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Castelo Branco (1). É um elogio ferveroso ao trabalho, na verdade notável, pelo estilo e pela elevação, do erudito escritor.

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Devemos acentuar que, em tôda essa apreciação, onde respiga, em transcrições, trechos do livro de Vieira de Castro, não há uma palavra de franco aplauso à obra do grande romancista biografado. É ainda interessante notar que Júlio Denis pôs em destaque, na sua crítica, as passagens que vão mais ao seu feitio de romancista:

«Quando nos fala do premeditado suicídio de Camilo, do seu refugiar-se nas escolas teológicas do Paço, dos seus contínuos sobressaltos, dos desalentos e esperanças que então lutavam no seu espírito, continua a admirar-se a pompa de estilo com que o sr. Vieira de Castro soube historiar. Cabe aqui dizer que o capítulo Vé talvez o mais poético de todo o livro. Aquele romântico diálogo entre Camilo Castelo Branco e Fanny Owen é uma deliciosíssima harmonia.

«Oleitor sente-se transportado às várzeas poéticas de Vilar do Paraíso, e ouve lá, com Vieira de Castro, a orquestra divina daquela natureza magnífica».

(1) J.. C. Vieira de Castro, Camilo Castelo Branco, 2.a ed., Pôrto, 1862,

¿Porque não passou Júlio Denis da apreciaçao do biógrafo para o biografado, como o fizeram os outros críticos do livro de Vieira de Castro? É difícil responder. Mas quere-nos parecer que o feitio agressivo de Camilo devia ter concorrido para isso. (1).

Numa das súas cartas dirigidas a seu primo José Joaquim Pinto Coelho, escreve Júlio Denis:

«No outro dia achei graça a mim mesmo. Tinha o Diogo vindo visitar-me e estava sentado à janela do meu quarto e eu a pouca distância. No meio da conversa êle interrompeu-se, bradando para a rua:

«- Adeus, ó Saraiva, como vai isso?»> «Era o Saraiva de Carvalho que passava. «Bastava-me erguer um pouco a cabeça para ver o homem, vulto notável da facção Viseu.

(1) Ao contrario Camilo Castelo Branco deixou a seguinte nota á margem de um yolume da Família inglesa, que possuimos:

«No entanto, Gomes Coelho foi um notabilissimo romancista e transluziu nos livros o adorável espírito que tão cedo se foi a melhor vida.»>

Esta frase mostra como Camilo penetrou a obra de Júlio Denis dando, num relance, dois dos seus mais interessantes aspectos,

Pois não me mexi porque naturalmente não senti vontade de fazê-lo. O Diogo como que estranhou a minha indiferença, porque me preguntou:

«Tu conheces o Saraiva de Carvalho?

Respondi-lhe que não. Ele não disse nada, mas creio que não pôde conceber um tal grau de indiferentismo»...

Êste desinteresse pode justificar, em grande parte, as fracas relações que manteve com os escritores a que fizemos alusão. As celebridades não o seduziam e menos ainda as políticas, a quem, por várias vezes, fêz referências pouco lisonjeiras. Não as tomava a sério.

Júlio Denis não tinha, positivamente, vocação para adulador!

A síntese da sua vida afectiva, no mundo das relações, concretizou-a numa frase, a propósito de Byron, na Família inglesa:

«Os instintos da águia são mais altos e heróicos do que os das pombas; mas nós todos queremos as pombas mais perto de casa e não nos consolaria tanto a vizinhança da águia, embora nos excite mais a curiosidade quando, uma ou outra vez, a fitamos».

II

«CARLOS WHITESTONE »
E JÚLIO DENIS

uma frase do romancista, numa das suas cartas familiares, que deve ser aqui recordada:

«Eu encarno-me nas minhas personagens antes de as desenhar. Suponho-me elas, faço-as pensar o que a mim me parece que pensaria em tal caso, obrigo-as a dizer o que eu diria porventura em identidade de circunstâncias».

Nesta orientação, êle atravessa tôdas as scenas nas frases de todos os interlocutores; mas não se representa em todos êles, visto que são diversos os seus caracteres. A sua intervenção, no sentido que êle próprio nos define, sente-se em tôda a obra, joeirando o diálogo de tudo

o que, fundamentalmente mau, poderia surgir no desenrolar das scenas descritas.

Júlio Denis vive, porém, em algumas das suas personagens com tôdas as suas virtudes e pequenos defeitos. Espírito observador, copiando sempre as personagens do natural, não desprezou o modêlo que tinha mais à mão.

Psicólogo arguto, procurou em si matéria para as investigações mais delicadas. Êle surge, por isso, nos seus romances representado em diversas personagens.

Não queremos, com isto, dizer que êle se copiasse inteiramente.

Por vezes, como sucede no encadeamento dos sonhos, substitui-se por um amigo, por um conhecido, por alguém que reüne alguma das qualídades necessárias ao desenvolvimento da scena. Mas, no desenrolar do romance, volta a retomar o papel, pouco tempo antes abandonado, e lança-se num estudo autobiográfico intimo.

Mas é preciso não exagerar. Há quem pretenda vê-lo, por exemplo, transfigurado, na figura trágica do velho médico Jacob Granada, em Uma flor dentre o gélo, que é, para nós, uma das mais interessantes novelas da literatura portuguesa.

Faltam-lhe muitas características. A sua tendência é para se mostrar um pouco como era, melhorado no fisico e idêntico ou ligeiramente piorado no moral. Fraco, franzino, mas sem

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