muito de os verem fora daqui. E asi hum bispo chamado Jacomelo que aqui no concilio he nuncio e commissairo do papa por vezes falou e cometeo ao hospede do dito fiscal (que parece estar como principal dos dous) que o matasse ou com peçonha ou como milhor podesse que o farião bispo e lhe serião feytas outras grandes merces dando lhe a entender que lho não dezia como de si e outras cousas que não são pera carta.»> 4 Os adiamentos das sessões do concilio eram outro expediente parlamentar, que ainda hoje subsiste na pedantocracia moderna. Em carta de 27 de outubro de 1548 escrevia Frey Jeronymo de Azambuja a D. João m: «Agora vierão novas de Roma como laa estavão descontentes porque o emperador não queria consintir que o concilio se sospendesse senão por seis meses os quaes cumpridos sentendesse ipso facto serado em Trento, polo que se cree que os romanos com arreceo dinteira reformação pretendiam que se sospendesse sem tempo limitado que era tanto como pera sempre.» 2 D. João III tambem se achava pouco animado com os resultados do concilio, e escrevia ao bispo do Porto sobre a retirada dos seus theologos: «As cousas do concillyo parece que se vão asy esffriando que se pode com rezão presumyr que ou o não avera, ou que quando o ouver sera daquy a muitos tempos: a qual cousa tanto se deve sentyr quanto a necesidade delle era grande pera as cousas da fee e da religião christaa.» 3 Através das difficuldades do concilio o papa luctava pelos seus interesses temporaes; e pela traição de Alexandre Farnese, com quem teve explicações violentas, caíu doente, morrendo em poucos dias, a 10 de novembro de 1549. O legado ao concilio, o cardeal Monte, achou-se eleito papa, tomando o nome de Julio III. Cedeu ás exigencias de Carlos V, consentindo que o concilio regressasse a Trento e que as sessões recomeçassem na primavera du 1551, sendo as dez sessões celebradas em Bolonha homologadas nas determinações geraes. D. João III escreveu ao cardeal Crescencio, ephebo do papa, em 29 de setembro de 1551, dando parte dos emissarios que mandava ao concilio: «O desejo que tenho do proseguimento e boa conclusão deste sagrado concilio me obriga a lembrar lhe de novo a muyta necesidade que ha dele e quanto serviço sera de Deus celebrar se pacificamente e reformarse a republica christãa com o que se ordenar nelle. E porque da minha parte não queria eu 1 Corpo diplomatico, t. vi, p. 228. 2 Ibidem, p. 294. 3 Ibidem, p. 302. que ficase cousa desta callidade e mays que eu tanto desejo ver effectuada, ordeney de enviar meus embaixadores como o tenho mandado dizer ao sagrado concilio e como agora o faço e para iso mãodo Dioguo da Silva e em sua companhia tambem com nome de embaixadores o doutor mestre Dioguo de Gouvea mestre em theologia e o doutor Joam Paez do meu desembarguo doutor em canones e leis.» Uma carta de Diogo da Silva, de 31 de março de 1551, faz revelações curiosas sobre a marcha do concilio: «creo que com minha vinda pesou as partes principais porque nesta conjunção todos desejão dilação e quiça sempre os do concilio achei com pouca esperãoça de poderem proceder nele...-Os leterados dos luteranos que a vosa alteza escrevi que neste concilio estavão tenho trabalhado muito por serem ouvidos porque me parece cousa muito perjudicial e vergonhosa tel os este concilio chamado sete anos e na sesão derradeira que se fez neste janeiro lhe asinarem tempo final para aparecerem ata os dezanove de março e lhe mãodarem salvos condutos e eles virem dentro do tempo e não os quererem ouvir arreceando por ventura o que poderão dizer...» Esta questão foi adiada pela doença repentina do legado: «asentarão que se fose pedir ao leguado com muita cortesia e instãocia que ouvise estes luteranos e ao dia que lhe avião de falar niso que era a XXVII de março adoeceo o leguado e fica ao presente açaz periguoso e com sua doença não se fez mais nada. 3 Eram interminaveis as questões de etiqueta e de precedencias, de modo que por entre ellas tomavamse como incidentes deliberações que impelliam a crise religiosa e politica do seculo para uma solução terrivel de um retrocesso sanguinario. Julio III, cada vez mais intrigado entre a politica dos imperiaes e dos francezes, revoltou-se porque os bispos hespanhoes do concilio lhe queriam tirar a collação de todos os beneficios ecclesiasticos, e desamparou todos os negocios da egreja; entregou-se á construcção de um palacio e jardim fóra da Porta del Popolo, onde se refugiou para se esquecer do mundo, pensando em enriquecer o seu favorito, a quem fizera cardeal com o titulo de Crescencio. Em carta de D. João III ao papa Julio III pede-se que não abandone as cousas do concilio: «peço a Vossa Sanctidade humilmente que ajude a levar adiante obra D 1 Corpo diplomatico portuguez, t. vii, p. 60. 2 Ibidem, p. 127. 3 Ibidem, p. 128. 4 Ranke, Histoire de la Papauté pendant le xvi et xvii siècle, t. 1, p. 296. tam sancta e tam digna de ser favorecida e ajudada.» 1 Julio III deixou de existir em principios de 1555, succedendo-lhe Marcello II, animado das melhores esperanças de reforma da egreja, governando apenas vinte e dois dias. N'esta lucta tremenda surgiu eleito papa, em 23 de maio de 1555, o terrivel cardeal Caraffa, o restaurador da Inquisição, com o nome de Paulo Iv. Contava setenta e nove annos, mas tinha a força de uma implacavel severidade. Os Jesuitas tinham encontrado um seguro instrumento; Paulo IV, logo em 3 de junho de 1555, concedeu-lhes em uma bulla poderes acima dos parochos, bispos e arcebispos, com a faculdade de absolver de todos os casos reservados, mesmo dos privativos da séde apostolica. Com o fallecimento do primeiro geral da Companhia, Ignacio de Loyola, em 31 de julho de 1556, e pela eleição de Laynes, aquelle instituto entrava em uma phase mais vigorosa de organisação. Logo que em Portugal se soube da morte de Loyola, os padres professos reuniram-se em Almeirim, onde se achava D. João III, e elegeram para irem a Roma acompanhar o provincial Miguel de Torres a Luiz Gonçalves da Camara e Gonçalo Vaz de Mello, indo com elles Manuel Godinho, procurador da provincia de Portugal, e Jorge Serrão, procurador das provincias do Brazil e Indias; o rei ordenou que as despezas da jornada fossem á sua custa. O fallecimento de D. João III, em 17 de junho de 1557, veiu a fazer cair nas mãos dos Jesuitas, como seu pupillo, o joven e futuro herdeiro do throno, D. Sebastião; a regencia ficava á rainha viuva D. Catherina, que era serva submissa dos Jesuitas. Em carta de 27 de março de 1558 escrevia de Roma o commendador-mór D. Affonso á rainha regente: «que o padre doctor Miguel de Torres confesor de Vossa Alteza chegou aqui em nove deste com todos seus companheiros e todos vierão sãos somente o padre Torres trazia mal tratada hua queixada de que o mandei logo curar e ja gora esta quasi são e porem isto nom The impedira o negocio a que vem se aqui forão ja os outros padres de Castella de que nom tem nova ate gora que os d Alemanha e Frandes nom podem tardar, e eu lhe ofreci tudo o que de mim ouvesse mister asi para as cousas da companhia como para as suas proprias e asi farei o que de mim lhe comprir como Vossa Alteza me manda, e como for eleito preposito geral lhe direi o que Vossa Alteza me manda... »2 Em cumprimento da ultima vontade de D. João III, D. Catherina man 1 Corpo diplomatico portuguez, t. vII, p. 212. 2 Ibidem, t. vii, p. 52. dou vir de Roma o padre Luiz Gonçalves para lhe entregar a educação do seu neto, D. Sebastião, que desde os quatro annos de edade estava confiado a D. Aleixo de Menezes. O embaixador veneziano Tiepolo, em um relatorio para o seu governo, em 1572, retratava assim o confessor Luiz Gonçalves da Camara: «É de edade de 50 annos, di brutta presenza, sem um olho, e semi-gago, instruido em theologia, e de vida mui devota, É odiado de todo o reino.» 1 Todo este odio foi alimentado pela absorpção exclusiva que o padre exerceu no animo do joven principe real, vinculando-o á Companhia de Jesus. Por esta fórma Portugal era o ponto de apoio seguro da Companhia, repellida de França e mal vista por Carlos v, que a empregara como agente da absorpção de Portugal na unidade hespanhola, segundo conta Cienfuegos. Como os Jesuitas promoviam em Roma o desenvolvimento da Inquisição, lisongeavam assim os instinctos de Paulo IV, o antigo Caraffa inquisidor, que, para se vingar das suas derrotas diplomaticas, recrudescia no aperfeiçoamento da congregação inquisitorial. Emquanto cardeal, estivera ligado com Laynez e Salmeron para organisar a reacção e a intolerancia do Concilio de Trento. O embaixador Lourenço Pires de Tavora, em carta de 17 de junho de 1559, conta á regente a difficuldade de fallar a Paulo IV, «por sua condição ser de tão difficil accesso não tem ninguem audiencia», e tambem por estar «tão dibilitado e de menos esperança, não sei se se lhe afigura pellos desejos que todos mostrão e tem doutro socessor, e verdadeiramente que em toda parte, e em toda a calidade de negocio ha tantos queixumes por se não tratar de nenhua cousa que se enxerga claramente o danno de tanto ençarramento, e não aver ordem nem espediente para por nenhữa outra via se poder negocear.»2 Em carta de 23 do mesmo mez, contando como o papa impuzera excommunhão ao que revelasse o seu estado, «cuida e sabe que avera muitos que lhe esperão e desejão a morte e sobre isto affirma que an de morrer muitos cardeais primeiro que elle...» ... Para orador da audiencia com o papa escolheu Achilles Estaço: «Escolhi o dito Achiles antes que a outrem porque o tenho por muito suficiente e o treslado da oração mando com esta pera Vossa Alteza a ver...» 3 O homem mais empenhado nas reformas da egreja, 1 Visconde de Santarem, Quadro elementar das relações politicas e diplomaticas de Portugal, t. 1, p. 436. 2 Corpo diplomatico portuguez, t. vш, p. 150 3 Ibidem, p. 152. o mais implacavel reaccionario, morreu dos abalos produzidos pelos vicios dos sobrinhos; foi em agosto de 1559, deixando escravisada a Italia pela dupla consolidação da Austria em Milão e da Hespanha em Napoles, e preparando o triumpho da Reforma na Inglaterra e na Allemanha, não reconhecendo os direitos de Isabel á corôa, nem sanccionando a eleição do principe Fernando ao imperio. A obra do concilio não se completou ainda no seu pontificado. Pio IV, eleito em 26 de dezembro de 1559, viu-se de todos os lados solicitado para determinar a nova reunião do concilio; os francezes ameaçavam-n'o de formarem um concilio nacional. Por fim Pio IV, vendo a inefficacia da resistencia do seu antecessor aos principes temporaes, entregou-se-lhe nas mãos, e o concilio foi aberto pela terceira vez em Trento em 18 de janeiro de 1562. Em carta de 11 de abril d'este mesmo anno, Lourenço Pires de Tavora, fallando do adiamento da terceira sessão do concilio, diz: «Sua Santidade vai entendendo que os alemães e franceses procurão e pertendem dilação pera algum desenho perjudicial e por essa rezão... quer que prosiga no concilio com mais pressa e que se conclua em todo caso... Foi incalculavelmente laboriosa a resoInção para que continuasse o concilio em Trento. Pio IV, em 30 de maio de 1560, chamou todos os embaixadores e «tratou das necessidades e trabalhos da christandade e de não aver para os da religião outro remedio senão o do concilio geral ao qual compria execusão com brevidade e por quanto o de Trento não fora acabado e que deferindo sse n aquelle tempo era necessario aguora continual o e sendo aquelle lugar aceitado por todos lhe parecia não se devia intimar para outra parte e portanto publicava aver de ser naquella cidade emquanto os principes não requeressem outra, e que nesse acontesimento elle o mandaria, e faria o que a todos parecesse comprir e que o tempo queria que fosse o mais em breve que pudesse ser porquanto de França lhe pedião licença para concilio nacional em que elle não consentia, e para o estrovar era necessario proseguir o geral o que elle tinha despachado com este recado ao emperador, o qual não acabava de se resolver em querer e pedir concilio, mas com frieza dezia era esta materia de muita consideração e a que compria madura deliberação, e assi tinha tambem escritto o mesmo a El Rei de Castella, ao qual tambem notou de algua frieza no caso e que tardando suas repostas elle faria de sua parte seu 1 Lanfrey, Histoire politique des Papes, p. 342. |