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Correio Braziliense ou Semanario Litterario, revista consagrada á politica e á litteratura, em cujo prologo o auctor diz francamente que vae combater pela independencia da sua patria.

Julgue-se da indignação e pasmo da côrte portugueza deante de tão inaudito arrojo, imagine-se quanto se esforçou para haver ás mãos o ousado fugitivo, e o muito que trabalhou para sepultal-o de novo, e d'essa vez para sempre, nas masmorras da Inquisição.

N'aquella terrivel conjunctura em que Portugal considerava o caso como questão diplomatica, o governo inglez manteve energicamente o seu direito, e não só se negou de um modo formal e peremptorio a entregar Hypolito, como permittiu que elle continuasse a publicação da sua Revista. Foi então que o combate tomou proporções colossaes, avultando a lucta da intellectualidade contra a prepotencia, da luz contra as trevas, do direito contra a tyrannia, da liberdade contra o despotismo. Brotavam as ideias das columnas do seu periodico como uma torrente avassaladora, com todo o impeto do enthusiasmo, com toda a convicção do direito, com toda a verdade da sciencia. Era a patria opprimida encadeiada ao escabello de um throno caduco que se apresentava ante a nova ordem das cousas; eram todas as injustiças do passado, todos os privilegios de raça e todos os abusos do poder, circumdado de fogueiras, de esbirros, de excommunhões para abafar o pensamento e trucidar a consciencia; era, finalmente, a voz da America pe

dindo logar entre as nações civilisadas, e reinvindicando para seus filhos o direito de ser livre e de desfraldar aos quatro ventos a sua bandeira.

Entretanto a corte portugueza, vendo-se acremente censurada e commentados severamente os seus actos, deu ordens terminantes e impoz as penas mais severas aos que introduzissem o Correio Braziliense no Rio de Janeiro; mas tudo foi em vão. O pamphleto patriotico apparecia em toda a parte, invadia os proprios salões do palacio de S. Christovão, o gabinete de D. João VI, os aposentos das princezas e de suas damas, contra as quaes verberava ousadas accusações. Era o ariete contra aquella corte mais relaxada que perversa, que apezar dos bons desejos do rei não podia fazer mais, porque mais longe não iam os seus conhecimentos. As palavras do jornal de Hypolito penetravam em toda a cidade, as ideias novas apossavam-se de todos os animos, como os raios de luz penetram por todas as frinchas de um aposento fechado.

Vendo pois que nada conseguia com as suas medidas repressivas, o governo de D. João VI tratou de fundar em Londres um periodico em opposição ao Correio Braziliense, destinado principalmente a combater as suas proposições liberrimas concernentes ao Brazil. Creou-se então o Investigador Portuguez em Inglaterra, mas com tão má fortuna e com redactores tão venaes, que o governo teve de suspender a sua publicação confessando-se vencido perante o grande jornalista brazileiro.

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A propaganda de Hypolito em prol da independencia da patria era tão efficaz que calava nos espiritos mais adeantados da Europa. Não se limiva o infatigavel publicista a condemnar por atrazada e ignorante a politica portugueza, nem a demonstrar os erros e desmandos da côrte. Habil economista e grande conhecedor da politica do velho continente, despertava o interesse das nações europeas comprovando as vantagens que ellas colheriam da independencia do Brazil, principalmente as nações mercantes, publicando para isso estatisticas do movimento da producção e população brazileira, que á força de pacientes investigações elle mesmo organisava; dava conta da importação e exportação dos portos franqueados ás nações amigas de Portugal, patenteara a fecundidade do sólo, a riqueza de seus productos naturaes, e os grandes proventos da agricultura; o que tudo muito contribuiu para o apoio que os patriotas americanos encontraram sempre na Europa.

O Correio Braziliense é pois a urna sagrada onde se guardam todas as datas para a historia do Brazil durante aquelle periodo interessantissimo da gestação de uma grande independencia. Hypolito foi o athleta intellectual d'aquella evolução. Com uma vontade de ferro, com uma energia suprema e com um valor inquebrantavel elle decidiu, qual outro Leonidas a morrer nas Thermopilas da ideia, e não descansou um só momento, desde 1809 até 1822 em que viu coroados os seus esforços com a mais brilhante victoria, pois a 7 de setembro

d'esse ultimo anno o principe D. Pedro lançou ás margens do Ypiranga o grito de Independencia ou morte que repercutido desde o Prata até ao Amazonas, foi acariciar alegremente os ouvidos do herculeo batalhador acampado nas margens do Ta

misa.

Em 1823 Hypolito José da Costa Pereira publicou o 29.° volume do Correio Braziliense, despedindo-se dos leitores e dando por finda a sua gloriosa missão. Nunca o jornalismo abraçou mais nobre causa, e nunca tambem jornalista algum alcançou maior triumpho. Podia depôr a penna, estava escripta a sua epopeia e o seu nome atirado aos vindouros, jámais poderia perecer; embora tenha momentaneamente cahido em tão injusto esquecimento, esse nome será sempre para o Brazil a mais fulgente das suas estrellas.

Não foi o primeiro imperador ingrato para com tão benemerito brazileiro; Hypolito foi logo nomeado consul do Brazil em Londres, logar que já então era de grande rendimento, pois a maior força das transacções mercantís se fazia por intermedio d'aquella praça; reservando-lhe talvez maiores honras para completa remuneração de seus grandes serviços. Infelizmente a sorte do eminente publicista foi-lhe cruelmente adversa, dando-lhe a morte a 11 de setembro de 1823, isto é, quasi um anno dia por dia da independencia do imperio.

A apparição do Correio Braziliense em 1809 encerrando o periodo da litteratura dos tempos coloniaes, inaugura o do imperio.

ENSAIO BIBLIOGRAPHICO

DA

LITTERATURA BRAZILEIRA

NOS TEMPOS COLONIAES

I

Padre José de Anchieta

Nasceu José de Anchieta na ilha de Tenerife no anno de 1530, e segundo seus numerosos biographos, era filho de paes nobres e talvez abastados, pois aos 16 annos foi mandado para Portugal com o fim de matricular-se na Universidade de Coimbra. Apenas chegou entrou para o collegio dos Jesuitas d'aquella cidade para concluir os seus estudos preparatorios.

Com tanto ardor se applicou o joven Anchieta aos estudos que a saude enfraqueceu e comprometteu-seThe de tal modo, que foi obrigado a retirar-se para Lisboa, onde entrou em serio tratamento. Não conseguindo, porém, completo restabelecimento, decidiu-se a experimentar o clima do Brazil, acompanhando em 4553 o governador geral Duarte da Costa que vinha tomar conta d'esse encargo.

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