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quella prouincia, por elle nouamente descuberta, mandou alçar hua Cruz no mais alto lugar de hua arvore, onde foi arvorada com grande solemnidade e benções de Sacerdotes que levava em sua companhia, dando a terra este nome de Sancta Cruz: cuja festa celebraua n'aquelle mesmo dia a Sancta Madre Igreja (que era aos tres de Mayo). O que nam parece carecer de mysterio, porque assi como nestes Reynos de Portugal trazem a Cruz no peito por insignia da ordem e cavallaria de Christus, assi prouve a elle que esta terra se descobrisse a tempo, que o tal nome lhe podesse ser dado n'este sancto dia, pois havia de ser possuida de Portuguezes, e ficar por herança de patrimonio ao mestrado da mesma ordem de Christus. Por onde não parece razam, que lhe neguemos este nome, nem que nos esqueçamos delle tam indevidamente por outro que lhe deo o vulgo mal considerado, depois que o pao da tinta começou a vir a estes Reinos. Ao qual chamavam Brazil por ser vermelho e ter semelhança de braza, e daqui ficou a terra com este nome do Brazil.

III

Gabriel Soares de Sousa

Na opinião de seus biographos, menos fundados em documentos que em méras conjecturas, era Gabriel Soares natural de Lisboa, nascido talvez em 1540, e vindo para o Brazil entre os annos de 1565 a 1569.

Floresceu na Bahia como senhor de engenho e, ao que se suppõe, com grandes posses, chegando a ser vereador da cidade. De volta de Madrid, onde fôra solicitar da corôa hespanhola, sob cujo dominio se achava

então Portugal e suas colonias, permissão para explorar minas de ouro nas cabeceiras do Rio S. Francisco, falleceu na mesma cidade da Bahia em 1591, segundo se conjectura.

Da já citada Bibliographia historica de Felix Ferreira, transcrevemos a seguinte noticia da obra de Gabriel Soares.

Tractado descriptivo do Brazil em 1587, obra de Gabriel Soares de Sousa, senhor de engenho na Bahia, n ella residente dezesete annos, seu Vereador da camara etc. Edição castigada pelo estudo e exame de muitos codices munuscriptos existentes no Brazil, em Portugal, em Hespanha e França; e acrescentada de umas annotações á obra por Francisco Adolpho Warnhagen. Rio de Janeiro, 1851, 8.o

Fórma o XIV volume da Revista do Instituto Historico (7.o da 2.a serie).

a

Esta edição é posterior à que começou a imprimir em Lisboa o sabio Botanico Brazileiro frei José Marianno da Conceição Velloso, quando administrava a Imprensa Regia; edição essa que suspendida por motivos que se ignoram, foi afinal concluida pela Academia Real das Sciencias e addicionada ao volume III da Collecção de noticias para a Historia das nações ultramarinas.

Francisco Adolpho Warnhagen nas Reflexões criticas que precedem aquella edição, Innocencio Francisco da Silva no vol. III do seu Diccionario Bibliographico e Jorge Cesar Figanière na sua Bibliographia Historica Portugueza tratam larga e proficientemente d'esta obra.

No tomo 1.o da sua excellente Historia geral do Brazil, diz a respeito de Gabriel Soares e do seu livro, Francisco Adolpho Warnhagen o seguinte:

«Seja embora rude, primitivo e pouco castigado o estylo de Gabriel Soares, confessamos que ainda hoje nos encanta o seu modo de dizer; e ao comparar as descripções com a realidade quasi nos abysmamos ante

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a profunda observação que não cançava, nem se distrahia variando o assumpto.

«Como cosmographo, o mesmo é seguir o roteiro de Soares que o de Pimentel ou de Roussin; em topographia ninguem melhor do que elle se occupa da Bahia; como pythologo faltam-lhe naturalmente os principios da sciencia botanica, mas Discorides ou Plinio não explicam melhor as plantas do velho mundo, que Soares as do novo, que desejava fazer conhecido... e n'uma ethnographia geral dos póvos barbaros, nenhumas paginas poderão ter mais cabida pelo que respeita ao Brazil, que a que nos legou o senhor de engenho das margens do Jequiriçá. Causa pasmo como a attenção de um só homem poude occupar-se com tantas coisas «que juntas se vêem raramente», como as que se contem na sua obra, que trata a um tempo, em relação ao Brazil, da geographia, da historia, da topographia, da hydrographia, e da agricultura intertropical, da horticultura brazileira, da materia medica indigena, das madeiras de construcção e marcenaria, da zoologia em todos os seus ramos, da economia administrativa e até da mineralogia!»

Tomemos da obra de Gabriel Soares alguns trechos como os apurou Warnhagen na sua mencionada e preciosa edição:

CAPITULO 1-Em que se declara quem foram os primeiros descobridores da provincia do Brazil, e como está arrumada.

A provincia do Brazil está situada além da linha equinocial da parte do sul, debaixo da qual começa ella a correr junto do rio que se diz do Amazonas; onde se principia o norte da linha da demarcação e repartição; e vae correndo esta linha pelo sertão d'esta provincia até 45 graus, pouco mais ou menos.

Esta terra se descobriu aos 25 dias do mez de abril

de 1500 annos por Pedro Alvares Cabral, que n'este tempo ia por capitão-mór para a India por mandado de El-Rei D. Manuel, em cujo nome tomou posse d'esta provincia, onde agora é a capitania do Porto Seguro, no logar onde já esteve a ilha de Santa Cruz, que assim se chamou por aqui se arvorar uma muito grande, por mandado de Pedro Alvares Cabral, ao pé da qual mandou dizer, em seu dia, a 3 de maio, uma solemne missa com muita festa, pelo qual respeito se chamou a villa do mesmo nome, e a provincia muitos annos foi nomeada por Santa Cruz e de muitos Nova Lusitania; e para solemnidade d'esta posse plantou este capitão no mesmo logar um padrão com as armas de Portugal, dos que trazia para o descobrimento da India, para onde levava sua derrota.

A estas partes foi depois mandado por S. A. Gonçalo Coelho com tres caravellas de armada, para que descobrisse esta costa, com as quaes andou por ellas muitos mezes buscando-lhe os pontos e rios, em muitos dos quaes entrou, e assentou marcos dos que para este descobrimento levava; no que passou grandes trabalhos pela pouca experiencia e informação que se até então tinha de como a costa corria, do curso dos ventos com que se navegava. E recolhendo-se Gonçalo Coelho com perda de dous navios, com as informações que pôde alcançar, as veio dar a El Rei D. Jão III, que já n'este tempo reinava, o qual logo ordenou outra armada de caravellas que mandou a estas conquistas, a qual entregou a Christovão Jacques, fidalgo da sua casa que n'ella foi capitão-mór, o qual foi continuando no descobrimento d'esta costa, e trabalhou um bom pedaço sobre aclarar a navegação d'ella, e plantou em muitas partes padrões que para isso levava.

Contestando com a obrigação do seu regimento, e andando correndo a costa foi dar com a bocca da Bahia a que poz o nome de Todos os Santos, pela qual entrou dentro, e andou especulando por ella todos os

seus reconcavos, em um dos quaes, a que chamam o rio do Paraguassú, achou duas náus francezas que estavam ancoradas resgatando com o gentio, com as quaes se poz ás bombardas, e as meteu ao fundo; com o que se satisfez, e recolheu-se para o reino, onde deu suas informações a S. A., que com ellas, e com as primeiras e outras que lhe tinha dado Pero Lopes de Sousa, que por esta costa tambem tinha andado com outra armada, ordenou de fazer povoar esta Provincia, e repartir a terra d'ella por capitães e pessoas que se offereceram o metter n'isso todo o cabedal de suas fazendas, do que faremos particular menção em seu logar.

IV

Padre Fernão Cardin

Nasceu Fernão Cardin na cidade de Vianna, de Portugal, no anno de 1540 e entrou para a Companhia de Jesus em 1555.

Occupava um cargo no collegio de Evora quando em 1582 foi designado para acompanhar o visitador Christovão de Gouvea a visitar os collegios do Brazil. Aqui demorou-se até 1599 exercendo varios empregos jesuiticos, entre os quaes se aponta o de reitor do Collegio do Rio de Janeiro.1

Eleito Procurador da Companhia partiu para Roma em 1600, onde pouco tempo se demorou. Voltando em companhia do padre Madureira foi em viagem aprisio

Do principio e origem dos Indios do Brazil. Rio de Janeiro, pag. XIII, nota (I).

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