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E vos sublime Jorge, em quem se esmalta
A estirpe Dalbuquerques excellente,
Em cujo ecco da fama corre e salta,
Do carro glacial á zona ardente,
Suspendey por agora a mente alta,
Dos casos varios de Olindesa gente
E vereis vosso irmão, e vos supremo,
No valor, abater Querino e Remo.

Vereis hum senil animo arriscado,
A trances, e conflictos temerosos,
E seu raro valor executado,
Em corpos lutheranos vigurosos.
Vereys seu estandarte derribado,
Aos catholicos pés victoriosos,
Vereys emtim o garbo, e alto brio,
Do famoso Albuquerque vosso tio.

Mas emquanto Thalia no se atreue,
No mar do valor vosso abrir entrada,
Aspiray com fauor á barca leue,
De minha musa inculta, e mal limada.
Inusvar vossa graça, mais se deue,
Que toda a dos antigos celebrada,
Porque elle me fará que participe,
Doutro licor milhor, que o de Aganippe.

O marchetado carro do seu Phebo,
Celébre o sol Munés com falsa pompa,
E a ruyna cantando do mancebo,
Com importuna voz, os ares rompa.
Que posto que do seu licor não bebo,
A fama espero dar tam viua trompa,
Que a grandeza de vossos feytos cante,
Cò som, que ar, fʊgo, mar, e terra, espăte.

Descripção do Recife de Pernambuco

Pera a parte do sul onde a pequena,
Vrsa, se vé de guardas rodeada,
Onde o ceo luminoso, mais serena,
Tem sua influyção, è temperada.

Into da noua Lusitania ordena,
A natureza, may bem atentada,
Hum porto tam quieto, e tam seguro,

Que pera as curuas naos serue de muro.

He este porto tal, por estar posta,
Hua cinta de pedra, inculta e viua,
Ao longo da soberba, e larga costa,
Onde quebra Neptuno a furia esquiua.
Ante a praya. e pedra descomposta,
O estanhado elemento se deriua,
Com tanta mansidão, que hua fateyxa,
Basta ter a fatal Argos anneyxa.

Em o meyo desta obra alpestre, e dura,
Hua boca rompeo o mar inchado,
Que na lingua dos barbaros escura,
Paranambuco, de todos he chamado.
De Para na que he mar, Puca rotura,
Feyta com furia desse mar salgado,
Que sem no deriuar, commeter mingua,
Coua do mar se chama em nossa lingua.

Pera entrada da barra, á parte esquerda,
Está hua lagem grande, e espaçosa,
Que de pyratas fôra total perda,
Que hua torre tiuera sumptuosa.

Mas quem por seus seruiços bõs não herda,
Desgosta de fazer cousa lustrosa,

Que a condição do rey que não é franco,
O vassallo faz ser nas obras manco.

Sendo os deuses á lagem ja chegados,
Estando o vento em calma, o mar quieto,
Depois de estarem todos sossegados,
Per mandado do rey, e por decreto.
Proteu no ceo, cos olhos enleuados,
Como que inuestiga alto secreto,

Com voz bem emtoada, e bom meneyo,
Ao profundo silencio, larga o freio.

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VI

Pero Lopes de Souza

Mais notavel nas armas que pas lettras portuguezas Pero Lopes de Souza era irmão de Martin Affonso de Sousa; 1 foi um dos primeiros donatarios das capitanias hereditarias do Brazil.

Era portuguez de nascimento e veio para o Brazil no anno de 1530, contando perto de 30 annos, o que quer dizer-nascido no começo do seculo xvi ou nos ultimos annos do xv. Veio segundo Macedo,2 na armada que devia explorar o Rio da Prata, bater e tomar navios francezes que começavam a infestar as costas dos novos dominios portuguezes; fez parte da expedição que se compunha de duas náus, um galeão e duas caravellas, e commandando uma d'estas, na altura do Cabo Santo Agostinho combateu durante toda a noite do dia 1 de fevereiro d'aquelle anno de 1530, aprisionando na manhã seguinte uma náu franceza.

Depois de varios successos d'aquella exploração Pero Lopes de Sousa, por ordem de seu irmão que era capitão-mór de S. Vicente, passou a commandar a frota que em 1532 devia regressar a Portugal, quando, seguindo viagem, na altura de Pernambuco atacou e aprisionou dois navios francezes, bem como toda a guarnição de um forte que esses invasores já haviam levantado na ilha de Itamaracá.

Por carta regia de 28 de setembro de 1532, D. João

1 Governador do Brazil.

2 Annuario Biographico, tomo ш, pag. 177.

III em recompensa dos bons serviços prestados à corôa portugueza, fez doação de cem leguas das costas do Brazil, aos dois irmãos Martin Affonso e Pero Lopes de Sousa. A 6 de outubro de 1534 passou-se o‘foral ampliando a doação de Pero Lopes à 80 leguas de capitania, a qual se denominou Santo Amaro, e que comprehendia no sul quarenta leguas entre a terra de Sant Anna e a ilha de Cananéa, dez entre o rio Curupacé e o de S. Vicente, e no norte trinta leguas do rio Iguarassú até à bahia da Traição1.

Pero Lopes seguiu afinal para o reino d'onde não voltou mais ao Brazil, apezar da prosperidade das suas colonias sob a zelosa direcção do irmão Martin Affonso.

Em 1539, achando-se na costa oriental d'Africa, ahi perecen Pero Lopes em um naufragio, legando á posteridade um Diario da sua expedição de 1530 a 1532,2 o qual dá-lhe direito de ser aqui mencionado como um dos fundadores da bibliographia historica brazileira. Na Revista do Instituto Historico T. XXIV, anno de 1861, Francisco Adolpho Warnhagen, escreve a respeito d'este Diario, o seguinte:

«Não devo dissimular que este escripto, aliás importantissimo para a historia dos descobrimentos maritimos em geral, e mesmo para a historia patria a alguns respeitos, perdeu em relação a esta ultima, pelo apparecimento de outros documentos, uma parte da maxima valia que tinha no momento em que pela primeira vez viu a luz. O seu simples apparecimento rasgou de um jacto paginas e paginas de frei Gaspar e

1 Macedo, loco citado.

2 Diario da navegação da armada que foi á terra do Brazil em 1530, sob a capitania de Martin Affonso de Sousa, escripto por seu irmão Pero Lopes de Sousa, publicado por F. Adolpho Warnhagen, Lisboa, Typ. da Sociedade Propagadora de conhecimentos uteis. 1839, 8.o

Jaboatam (cujos escriptos, no estado actual da critica historica, mais podem induzir principiantes a erros, que servir a guial-os) e tirou toda a duvida acerca da existencia de Caramuru, o que depois se elucidou melhor por novas provas. »

O merecimento litterario de Pero Lopes de Sousa em relação a seus contemporaneos é secundario. O seu estylo posto que correcto é um tanto pesado; faltam-lhe as louçanias que João de Barros sabia dar ás suas narrativas para que o Diario da expedicção seja uma obra de arte.

VII

Manuel de Moraes

Nasceu Manuel de Moraes na capitania de S. Vicente pelos fins do seculo XVI; Balthasar da Silva Lisboa affirma em uns apontamentos aos quaes já nos referimos, que esse nascimento foi 4 de dezembro de 1586, mas não diz em que documento se baseou para essa affirmação.

Bem moço ainda entrou Manuel de Moraes para o Collegio dos Jesuitas, mas tão indocil e tão mal comportado se mostrou desde logo, que afinal os padres tiveram de expulsal-o, perdendo a esperança de aproveitar aquelle talento tão vivaz, como geralmente se lhe reconhecia.

n

Deixando o Brazil Manuel de Moraes seguiu para ortugal e d'ahi para Hollanda, onde se estabeleceu o commercio de Amsterdam. Proseguindo em seus estudos e conseguindo manejar bem a lingua hollandeza, adquiriu reputação litteraria e tornou-se geralmente bemquisto.

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