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Dos Santos Passos

Na bruta cinta

Uma cruz pinta;

A espada, o pau da cruz, e elle os braços.

Vamos voltando
Para a dianteira
Que na trazeira

O cu lhe vejo açoitado por nefando.

Se bem se infere

Outro fracasso,

Porque em tal caso

Só se açoita quem toma o miserere.

Pois que seria

Se eu vi vergões?
Serão chupões

Que o bruxo do Ferreira lhe daria?

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Ao que ficou dito na primeira parte d'este livro com respeito á vida d'este poeta bahiano, cumpre aqui acrescentar apenas o juizo emittido por Fernandes Pinheiro no seu Resumo de Historia Litteraria:

Dado o deyido desconto ao pessimo gosto da épo

ca, com o qual infelizmente se conformou o nosso compatriota, e ao immoderado desejo que nutria d'ostentar erudição linguistica, ainda resta muito para louvar-lhe n'esse nobre emprehendimento, n'esse arrojo com que «não se envergonhou, como diz Costa e Silva, de ser tido por americano.

«Da vernaculidade da sua elocução serve de fiança o honroso voto da Academia Real das Sciencias de Lisboa, mandando incluil-o no catalogo dos classicos portuguezes; e da louçania de seus versos e do cunho nativo que buscou imprimir-lhes, serve de padrão a bellissima descripção da Ilha da Maré (que damos em seguida), esmaltada com a amoravel pintura dos nossos peixes, plantas, fructos, legumes e flores.

«Bastante esforço de vontade lhe foi preciso para arrostar preconceitos, para cantar em sonorosos versos aquillo que aos seus coetaneos parecia prosaico; porque o commum dos homens estima o que não possue, só admira o que não conhece.>>

A ILHA DA MARÉ

Jaz em obliqua fórma e prolongada
A terra da Maré, toda cercada
De Neptuno, que tendo o amor constante,
Lhe dá muitos abraços por amante;
E botando-lhe os braços dentro d'ella
A pretende gozar, por ser mui bella.

N'esta assistencia tanto a senhorêa,
E tanto a galantéa,

Que do mar de Maré tem o appellido,
Como quem présa o amor do seu querido;
E por gosto das prendas amorosas
Fica maré de rosas,

E vivendo nas ancias successivas
São do amor marés vivas;

E se nas mortas menos a conhece,
Maré de saudades lhe parece.
Vista por fóra é pouco apetecida,

Porém dentro habitada

E' muito bella, muito desejada,
E' como a concha tosca e deslustrosa,
Que dentro cria a perola formosa.

Erguem-se n'ella outeiros

Com soberbas de montes altaneiros,
Que os valles por humildes despresando,
As presumpções do mundo estão mostrando,
E querendo ser principes subidos

Ficam os valles a seus pés rendidos.
Por um e outro lado

Varios lenhos se vêem no mar salgado.
Uns vão buscando da cidade a via,
Outros d'ella se vão com alegria;
E na desigual ordem
Consiste a formosura na desordem.

Os pobres pescadores em saveiros,
Em canôas, ligeiros,

Fazem com tanto abalo
Do trabalho maritimo regalo;
Uns as redes estendem,

E varios peixes por pequenos prendem;
Que até nos peixes com verdade pura
Ser pequeno no mundo é des ventura:
Outros no anzol fiados

Tem aos miseros peixes enganados,
Que sempre da vil isca cobiçosos
Perdem à propria vida por gulosos.

Aqui se cria o peixe regalado
Com tal sustancia, e gosto preparado,
Que sem tempero algum para apetite
Faz gostoso convite

E se póde dizer em graça rara
Que a mesma natureza os temperara.

Não falta aqui marisco saboroso

Para tirar fastio ao melindroso;
Os polvos radiantes

Os lagostins flammantes,
Camarões excellentes,

Que são dos lagostins pobres parentes;

Retrogrados c'ranguejos,

Que formam pés das boccas com festejos,

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