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Aos mais preparos o discurso apronta:
Elle me diz, que faça do pé de uma
Má laranja ponta,

E d'elle me sirva

Em logar de pluma.

Perder as uteis horas não, não devo;
Verás, Marilia, uma idéa nova:

Sim, eu já te escrevo,
Do que esta alma dicta
Quando amor approva.

Quem vive no regaço da ventura
Nada obra em te adorar, que assombro faça:
Mostra mais ternura

Quem te estima e morre
Ñas mãos da desgraça.

N'esta cruel-masmorra tenebrosa
Ainda vendo estou teus olhos bellos,
A testa formosa,
Os dentes nevados,
Os negros cabellos.

Vejo, Marilia, sim, e vejo ainda
A chusma dos Cupidos, que pendentes
D'essa bocca linda

Nos ares espalham
Suspiros ardentes.

Se alguem me perguntar, onde eu te vejo,
Responderei: No peito, que uns amores
De casto desejo

Aqui te pintarão

E são bons pintores.

Mal meus olhos te viram, ah! n'essa hora
Teu retrato fizeram, e tão forte,

Que entendo, que agora

Só póde apagal-o

O pulso da morte.

Isto escrevia, quando, ó Ceus, que vejo!
Descubro a ler-me os versos o deus louro:
Ah! dá-lhes um beijo,

E diz-me que valem
Mais que lettras de ouro.

PARTE II - LYRA 38.*

Eu vejo aquella Deosa,
Astréa pelos sabios nomeada;
Traz nos olhos a venda,

Balança n'uma mão, na outra espada:
O vel-a não me causa um leve abalo,
Mas antes atrevido,

Eu a vou procurar, e assim lhe fallo:

Qual é o povo, dize,

Que comigo concorre no attentado?
Americano povo!

O povo mais fiel e mais honrado!
Tira as praças das mãos do injusto dono,
Elle mesmo as submette

De novo à sugeição do luso throno.

Eu vejo nas historias

Rendido Pernambuco aos hollandezes;
E vejo saqueada

Esta illustre cidade dos francezes;
Lá se derrama o sangue brazileiro;
Aqui não basta, supre

Das roubadas familias o dinheiro...

Emquanto assim fallava,

Mostrava a Deosa não me ouvir com gosto;
Punha-me a vista teza,
Enrugava o severo e acceso rosto:
Não suspendo comtudo no que digo;
Sem o menor receio,

Faço que a não entendo, e assim prosigo:

Acabou-se, tyranna,

A honra, o zelo d'este luso povo?
Não é aquelle mesmo,

Que estas acções obrou, é outro novo?
E póde haver direito, que te mova
A suppor-nos culpados,

Quando em nosso favor conspira a prova?

Ha em Minas um homem,

Ou por seu nascimento, ou seu thesouro,

Que aos outros mover possa
A' força de respeito, á força d'ouro?
Os bens de quantos julgas rebellados
Podem manter na guerra.

Por um anno sequer, a cem soldados ?

Ama a gente assisada

A honra, vida, o cabedal tão pouco,
Que ponha uma acção d'estas

Nas mãos d'um pobre, sem respeito, e louco?
E quando a commissão lhe confiasse,
Não tinha pobre somma,

Que por paga, ou esmola, lhe mandasse !

Nos limites de Minas,

A quem se convidasse não havia;
Ir-se-iam buscar socios

Na Colonia tambem, ou na Bahia?
Está voltada a côrte brazileira
Na terra dos suissos,

Onde as potencias vão erguer bandeira?

O mesmo auctor do insulto
Mais a riso, do que a terror me move;
Deu-lhe n'esta loucura,
Podia-se fazer Neptuno, ou Jove.
A prudencia é tratal-o por demente,
Ou prendel-o, ou entregal-o
Para d'elle zombar a moça gente.

Aqui, aqui a Deosa,

Um extenso suspiro aos ares solta; -
Repete outro suspiro,

E sem palavra dar as costas volta.
Tu te irritas! The digo, e quem te offende?
Ainda nada ouviste

Do que respeita a mim; socega, attende.

E tinha que offertar-me

Um pequeno, abatido, e novo Estado,
Com as armas de fóra,

Com as suas proprias armas consternado !
Achas tambem, que sou tão pouco esperto,
Que um bem tão contingente

Me obrigasse a perder um bem já certo?

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Não sou aquelle mesmo,

Que a extincção do debito pedia ?
Já viste levantado

Quem á sombra da paz alegria ria?
Um direito arriscado eu busco, e feio,
E quero que se evite

Toda a razão do insulto, e todo o meio?

Não sabes quanto apresso

Os vagarosos dias da partida?

Que a fortuna risonha

A mais formosos campos me convida?
Não me uniria, se os houvesse, aos vis traidores;
D'aqui nem ouro quero:

Quero somente levar os meus amores.

Eu, ó cega, não tenho

Um grosso cabedal dos paes herdado:
Não o recebi no emprego,

Não tenho as instrucções d'um bom soldado.
Far-me-iam os rebeldes o primeiro

No imperio que se erguia

A' custa do seu sangue, e seu dinheiro?

Aqui, aqui de todo

A Deosa se perturba, e mais se altera;
Morde o seu proprio beiço;

O sitio deixa, nada mais espera.

Ah! vae-te, então lhe digo, vae-te embora;
Melhor, minha Marilia,
Eu gastasse comtigo mais esta hora.

XXVII

Antonio de Moraes Silva

Natural da cidade do Rio de Janeiro, onde nasceu entre os annos de 1750 e 1760 Antonio de Moraes Silva estudou alguns preparatorios na mesma cidade,

e passou logo a Coimbra, em cuja universidade tomou o grau de bacharel formado em leis.

Informa Warnhagen na biographia d'este illustre brazileiro, que Antonio de Moraes Silva se apresentára na universidade, pronunciando e fallando muito incorrectamente o portuguez, e tantas zombarias soffrera por isso dos collegas que protestára vingar-se d'elles do modo o mais digno e terminante; que desde então se dera ao mais aturado e severo estudo dos classicos portuguezes, tornando-se em breve tão notavel conhecedor e manejador da lingua que se divertia a dar quináos e lições aos que d'elle tinham zombado, e tambem a apontar os erros dos proprios mestres eivados da mania dos gallicismos. Bacharel formado, seguiu Moraes para Londres, e o mesmo biographo citado diz que ignora como e porque motivo.

Em seus manuscriptos doados ao Instituto Historico e Geographico Brazileiro ao lembrar «Distinctos e Literatos cidadãos do Rio de Janeiro,» Balthazar da Silva Lisboa em ligeirissima menção que faz de Antonio Moraes da Silva, informa que elle para evitar a perseguição do Tribunal do Santo Officio fugira para França.

Se isto é exacto, Moraes não se demorou muito em França, como aliás erradamente o diz B. da Silva Lisboa; porque em Londres foi que residio por algum tempo, merecendo a protecção do visconde de Balsemão: ali familiarisou-se com a lingua ingleza, da qual traduziu a Historia de Portugal publicada em Lisboa em 1788.

Moraes traduziu do francez então ou mais tarde as -Recreações do homem sensivel de Arnaud, e n'esta, como n'aquella traducção provou sens profundos conhecimentos da lingua vernacula.

Mas no anno de 1789 a officina de Simão Thaddeo Ferreira em Lisboa publicou a primeira edição do Dic- • cionario da Lingua Portugueza de Antonio de Moraes

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