Aos mais preparos o discurso apronta: E d'elle me sirva Em logar de pluma. Perder as uteis horas não, não devo; Sim, eu já te escrevo, Quem vive no regaço da ventura Quem te estima e morre N'esta cruel-masmorra tenebrosa Vejo, Marilia, sim, e vejo ainda Nos ares espalham Se alguem me perguntar, onde eu te vejo, Aqui te pintarão E são bons pintores. Mal meus olhos te viram, ah! n'essa hora Que entendo, que agora Só póde apagal-o O pulso da morte. Isto escrevia, quando, ó Ceus, que vejo! E diz-me que valem PARTE II - LYRA 38.* Eu vejo aquella Deosa, Balança n'uma mão, na outra espada: Eu a vou procurar, e assim lhe fallo: Qual é o povo, dize, Que comigo concorre no attentado? O povo mais fiel e mais honrado! De novo à sugeição do luso throno. Eu vejo nas historias Rendido Pernambuco aos hollandezes; Esta illustre cidade dos francezes; Das roubadas familias o dinheiro... Emquanto assim fallava, Mostrava a Deosa não me ouvir com gosto; Faço que a não entendo, e assim prosigo: Acabou-se, tyranna, A honra, o zelo d'este luso povo? Que estas acções obrou, é outro novo? Quando em nosso favor conspira a prova? Ha em Minas um homem, Ou por seu nascimento, ou seu thesouro, Que aos outros mover possa Por um anno sequer, a cem soldados ? Ama a gente assisada A honra, vida, o cabedal tão pouco, Nas mãos d'um pobre, sem respeito, e louco? Que por paga, ou esmola, lhe mandasse ! Nos limites de Minas, A quem se convidasse não havia; Na Colonia tambem, ou na Bahia? Onde as potencias vão erguer bandeira? O mesmo auctor do insulto Aqui, aqui a Deosa, Um extenso suspiro aos ares solta; - E sem palavra dar as costas volta. Do que respeita a mim; socega, attende. E tinha que offertar-me Um pequeno, abatido, e novo Estado, Com as suas proprias armas consternado ! Me obrigasse a perder um bem já certo? Não sou aquelle mesmo, Que a extincção do debito pedia ? Quem á sombra da paz alegria ria? Toda a razão do insulto, e todo o meio? Não sabes quanto apresso Os vagarosos dias da partida? Que a fortuna risonha A mais formosos campos me convida? Quero somente levar os meus amores. Eu, ó cega, não tenho Um grosso cabedal dos paes herdado: Não tenho as instrucções d'um bom soldado. No imperio que se erguia A' custa do seu sangue, e seu dinheiro? Aqui, aqui de todo A Deosa se perturba, e mais se altera; O sitio deixa, nada mais espera. Ah! vae-te, então lhe digo, vae-te embora; XXVII Antonio de Moraes Silva Natural da cidade do Rio de Janeiro, onde nasceu entre os annos de 1750 e 1760 Antonio de Moraes Silva estudou alguns preparatorios na mesma cidade, e passou logo a Coimbra, em cuja universidade tomou o grau de bacharel formado em leis. Informa Warnhagen na biographia d'este illustre brazileiro, que Antonio de Moraes Silva se apresentára na universidade, pronunciando e fallando muito incorrectamente o portuguez, e tantas zombarias soffrera por isso dos collegas que protestára vingar-se d'elles do modo o mais digno e terminante; que desde então se dera ao mais aturado e severo estudo dos classicos portuguezes, tornando-se em breve tão notavel conhecedor e manejador da lingua que se divertia a dar quináos e lições aos que d'elle tinham zombado, e tambem a apontar os erros dos proprios mestres eivados da mania dos gallicismos. Bacharel formado, seguiu Moraes para Londres, e o mesmo biographo citado diz que ignora como e porque motivo. Em seus manuscriptos doados ao Instituto Historico e Geographico Brazileiro ao lembrar «Distinctos e Literatos cidadãos do Rio de Janeiro,» Balthazar da Silva Lisboa em ligeirissima menção que faz de Antonio Moraes da Silva, informa que elle para evitar a perseguição do Tribunal do Santo Officio fugira para França. Se isto é exacto, Moraes não se demorou muito em França, como aliás erradamente o diz B. da Silva Lisboa; porque em Londres foi que residio por algum tempo, merecendo a protecção do visconde de Balsemão: ali familiarisou-se com a lingua ingleza, da qual traduziu a Historia de Portugal publicada em Lisboa em 1788. Moraes traduziu do francez então ou mais tarde as -Recreações do homem sensivel de Arnaud, e n'esta, como n'aquella traducção provou sens profundos conhecimentos da lingua vernacula. Mas no anno de 1789 a officina de Simão Thaddeo Ferreira em Lisboa publicou a primeira edição do Dic- • cionario da Lingua Portugueza de Antonio de Moraes |