OBSERVAÇÕES SOBRE TODO O PRECEDENTE O bem público he o unico objecto desta obra, e o zelo com que ella he escrita, he o seu unico ornato. Filangieri. Depois de tantas oscillações, de tantos Avisos contrarios huns aos outros, e todos á Lei, esperava-se pela experiencia para resolução do Problema: Se deveria ser inteiramente livre, ou dependente d'alguma condição a exportação do grão nesta Пha? A casualidade veio a favor da verdade, e hum anno de huma colheita escassa faz ver o que deverá acontecer em hum anno abundante. Neste anno pois de huma colheita escassa exportou-se livremente o grão que se quiz exportar (1) em consequencia do Edital do 1.o de Julho, (2) até que finalmente sobio o preço a ponto de se preferir conservar o resto para se vender na terra, do que embarcallo. Já sahirão navios em lastro; estão outros sem destino por não acharem carga. Tão longe de se experimentar falta, he tanta a abundancia, que o Terreiro não dá sahida ao que nelle entra. (3) Ha huma marcha mais regular do que esta? Foi preciso alguma força, ou violencia do Governo, ou dos Magistrados para estabelecella? Que funestas consequencias tem resultado? Aonde existe essa miseria, e fome que se prognosticava? Por ventura clama, ou queixa-se alguem? Sim, alguem se queixa: queixão-se huns poucos d'ociosos, que contando sómente comsigo, nada lhes importa o bem público. São estes individuos huma escoria da sociedade, na qual não se distinguem, senão pela perversidade da súa lingua: são humas nullidades que não devem entrar em contemplação. Se pois em huma colheita escassa o andamento he regular, que (1) Não passou, até o presente, de 1:410 moios 16 alqueires, a saber: 902 moios 14 alqueires de trigo, 321 moios 48 alqueires de milho; 138 moios 18 alqueires de sevada; 47 moios 50 alqueires de fava. (2) Veja-se a Pag. 327 d'este Archivo. (3) Como paiz productivo de pão, a maior parte dos habitantes desta Ilha recolhem o seu provimento logo no principio da colheita; de maneira que no Terreiro público não chega a vender-se annualmente 600 moios, tomado hum termo medio. Em 1814 vendeo-se alli 331 moios 13 alqueires; em 1815, 685 moios 57 alqueires; em 1846, 588 moios 47 alqueires. mais prova se precisa? Evidente he a vantagem da liberdade da exportação. Com tudo, ainda se precisa ampliar hum pouco mais este assumpto, a fim de que se entenda perfeitamente, e não tenhão mais entrada os antigos, e ruinosos abusos, e vexações. Que a fortuna do Estado, e da humanidade (exceptuando os selvagens, que vivem da caça e pesca) está nas mãos dos cultivadores: Que as producções da terra são a unica, e verdadeira riqueza, e a cultura della o unico principio da sobredita: Que o consumo he o unico agente que dá valor á producção, que a anima, e a extende, e multiplica: Que em proporção do valor dos fructos a terra será melhor trabalhada, e em consequencia as colheitas mais abundantes. São principios incontrastaveis e seguidos pelos melhores economos politicos. Ainda que parece não se terem conhecido estes axiomas economicos nos antigos tempos da nossa Monarquia, não podemos dizer que de todo se ignorárão. Não podia ser senão fundado nelles, que ha mais de quatro seculos se izentou o pão de taxa, quando quasi tudo o mais era taxado. A' proporção que a navegação e o commercio se forão augmentando, e se forão extendendo os conhecimentos, forão as Nações da Europa, ainda que mui lentamente, adoptando medidas que se aproximavão aos mesmos principios. Taes forão no nosso Reino as que se achão estabelecidas na Ord. Liv. 5.° Tit. 76. Em tempos modernos e quasi dos nossos dias forão aquelles principios desenvolvidos por Colbert, Quesnay, e outros célebres homens, que na répública das letras se achão distinguidos pelo nome de Economistas. Foi então que appareceo a nova sciencia da Economia Political e que da sua escola sahio aquelle systema sobre o augmento, e distribuição da riqueza nacional, que tanto tem contribuido para felicitar a Europa. A livre exportação do grão de huma para outra provincia, de hum para outro paiz; o livre giro, em huma palavra, deste tão necessario genero foi geralmente experimentado, e reconhecido como o verdadeiro meio d'augmentar a agricultura, que he a primeira base da riqueza nacional. Pouco conhecida como era em Portugal esta sciencia, a ella se entregou todo hum tão grande Estadista como o Marquez de Pombal; e ainda que elle seguio mais o systema de Colbert (que foi favorecer as manufacturas, ou industria das Cidades com preferencia á dos campos) do que o systema de Quesnay (que pelo contrario foi favorecer à agricultura, où industria dos campos com preferencia á das Cidades) não deixou a agricultura de ser por aquelle sabio Ministro contemplada. Os luminosos principios da Economia Politica forão por elle attentamento examinados, e seguidos; e foi debaixo dos mesmos principios que o Sr. Rei D. José I fez publicar o Alvará de 26 de Fevereiro 1771, Alvará de 18 de Janeiro, e Lei de 4 de Fevereiro 1773. Sendo o dito Alvará de 1771 positivamente para estas Ilhas dos Açores, e dirigido á livre exportação do grão que ellas produzem, infelizmente nunca foi observado, e sempre a exportação foi limitada principalmenten esta Ilha Terceira. A excepção do caso de necessidade, em que se manda reservar a terça parte, foi huma porta que o mesmo Álvará deixou aberta para se illudirem os solidos principios sobre que elle se fundou. Esta necessidade, que ou por huma escaceza de colheita, ou por huma mais activa exportação, ou por hum mais subido preço do genero, quasi todos os annos se figurou, sem jámais se verificar, foi invariavelmente o pretexto com que se procurou illudir o espirito do dito Alvará: pretexto tão antigo como enganoso, derivado do errado principio, entre outros, de não poder ter lugar a liberdade da exportação em hum paiz pequeno, como pode ter em hum grande. Se se não tivessem dado estranhas interpretações ao sobredito Alvará, não teria havido as falsas opiniões, os vexames, o descontentamento, e as queixas que são bem notorias: tudo teria tido o seu curso natural, e não estaria tão atrazada a agricultura e commercio desta Ilha, que de todas as dos Açores he a que offerece melhor terreno para a cultura do grão. He para admirar a longa existencia do erro, e ainda mais o quanto para ella concorrerão as Authoridades que o podião desterrar. Ministros d'Estado, Governadores, Magistrados, Camara; todos concorrerão. Não he o meu intento atacar, ou abater, nem sequer por sombra, as acções ou credito de pessoas tão literatas, tão escolhidas, e respeitaveis, como tem sido os nossos Ministros d'Estado. Nem tão pouco eu pertendo diminuir os serviços que fizerão, nem o merecimento que compete aos Governadores Capitães Generaes, e aos Magistrados que estas Ilhas tem tido. O meu intento não he outro senão mostrar as incoherencias que tem havido sobre hum objecto tão importante, sem com tudo offender o mais levemente as virtudes de pessoa alguma. Concorrerão, como digo, os Ministros d'Estado para a existencia do erro, com os Avisos, (1) que aos Governadores e Capitães Generaes destas Ilhas em diversos tempos dirigírão, contradictorios ao mencionado Alvará, e a si mesmos. Se exceptuarmos o de 20 d'Agosto de 1789, todos os mais quasi não tiverão outra tendencia senão arraigar o mal, constituindo os Governadores arbitros sobre a materia, e fazendo reviver o antigo, e reprovado methodo das licenças. Ainda que todos estes Avisos favorecem a livre exportação, e contém huma luz de principios liberaes, he esta luz como a do relampago, que quando se procura já não existe. São os taes avisos contradictorios, porque o de 27 d'Abril 1795 não se referindo ao Alvará de 26 de Fevereiro 1771, limita a expor (1) Veja-se a p. 287 e seguintes d'este Archivo. tação, deixando-a ao arbitrio dos Governadores, e sugeitando-a a calculos aproximativos. O de 13 de Julho 1797, sem lembrança alguma do dito Alvará, até parece que o abroga, porque aponta hum systema novo, para cujo estabelecimento seria precisa huma Lei tambem nova. O de 19 d'Agosto do mesmo anno ordena pelo contrario huma exportação livre, mas sómente para aquella occasião. O de 22 do dito mez e anno não he mais que huma licença particular para hum negociante poder exportar 400 moios de grão. O de 6 de Dezembro do sobredito anno retracta aquelle privilegio, e manda que quando a exportação for livre, o deve ser para todos, e não para algum particular. Accrescenta, que os proprietarios devem ser favorecidos com preferencia aos negociantes, com pouca conformidade, segundo parece, com o que determina o Alvará que faculta a todos em geral a livre exportação, sem privilegiar a ninguem. O de 18 de Janeiro, 3 de Fevereiro, e 19 d'Abril de 1798 resuscitão o dito Alvará, mas ao mesmo tempo que inculcão querello em vigor, e que haja liberdade na exportação, impedem-a por outro lado. porque estabelecem a excepção de hum caso, que o Alvará não comprehende, qual o da carestia do genero. O de 30 de Julho d'aquelle mesmo anno quer o Alvará na mais exacta observancia. O de 10 de Novembro do dito anno estabeleceo a reserva da terça parte do que se embarcar (quando se julgue necessaria tal providencia) de hum modo muito differente do que determina a Ord. Liv. 5. Tit. 76, a que se refere o Alvará. Faz recabir a reserva sobre os compradores exportantes, e não sobre os lavradores os lavradores, ou proprietarios vendedores. Declara por falsos os calculos aproximativos recommendados no Aviso de 27 d'Abril 1795, e quer que as cousas se regulem pelos preços livres dos mercados. O de 14 de Dezembro 1799, tornando a lembrar o Alvará, torna tambem a sugeitallo aos Governadores. Condemna outra vez os calculos aproximativos, aconselhando que se regulem pelo estado dos preços, e pela carestia do genero: escala tão falivel como a outra, e como tal, não contemplada pelo Alvará. O de 28 de Maio 1805, ainda que accusa, e parece querer pôr em observancia o Alvará, sempre o sugeita ao arbitrio dos Governadores; bem como o outro Aviso que se seguio em data do 1.° d'Agosto do mesmo anno, que foi o ultimo que veio ácerca deste negocio. Até aqui pelo que pertence aos Ministros d'Estado. Quanto aos Governadores, e Capitães Generaes: elles seguirão a mesma vareda, obstando á execução do Alvará, e consequentemente á livre exportação. Chegou hum delles a officiar para a Secretaria d'Estado, que era indifferente para a agricultura a liberdade da exportação dos trigos, e que a agricultura nesta Ilha não só tinha chegado ao maior auge, mas que tinha hido ao excesso. (1) De que resultou a desaprovação mencionada no Aviso de 15 de Fevereiro 1790. Outro destes Governadores, alias de muitas luzes, e muito liberal com a exportação, em hum Oficio que dirigio ao Juiz de Fóra da Cidade de Ponta Delgada da Ilha de S Miguel tão modernamente como em 1806 (2) cahio em declarar o Aviso da Secretaria d'Estado de 27 d'Abril 1795 (que nem sequer cita o Alvará de 26 de Fevereiro 1771, por huma interpretação authentica do mesmo Alvará; e mandou proceder conforme o Aviso, sem attender demais a mais, que este foi depois reformado por outros. Estabeleceo tambem no dito officio hum novo modo de calcular o preciso para a terra, que vem a ser 30 alqueires de grão por cabeça. (3) Nada disto porem se chegou a effeituar, por que hum Accordão da Relação, que naquelle mesmo tempo os moradores d'aquella Cidade alcançárão contra projectos similhantes que a Camara tinha intentado, poz termo a estas fantasias, (4) restituindo a exportação à liberdade que antes tinha naquella Ilha; a pezar da opinião diversa do mesmo Governador indicada no Officio que depois dirigio ao Corregedor da dita Ilha. (5) Pelo que respeita a Magistrados, e Camaras: he muito antigo, e conhecido o seu modo de proceder. Depois de huma tal doutrina dos superiores, que se pode esperar dos outros, senão huma accumulação de males? O Officio que o Juiz de Fóra da Cidade de Ponta Delgada dirigio ao Governador General em Março 1807, (6) he hum monumento da extravagancia, por não dizer outra cousa, a que pode chegar (1) Não posso atinar no fundamento que teve o tal Governador para avançar aquella condemnada opinião. Parecerá a quem ler, e não sabe do paiz, que esta Ilha Terceira he hum dos grandes celleiros do mundo; quando a sua producção ordinariamente não excedia naquelle tempo, nem mesmo hoje, de 10 a 13 mil moios de grão; sendo raro o anno em que se exporta 3 mil moios. E por tão pouco se tem feito tanto estrondo! Huma das causas do estado estacionario da agricultura desta Ilha tem sido a restricção na exportação. Tem aquella opinião muita analogia com outra, que me consta ter o mesmo Governador avançado para a Secretaria d'Estado no anno de 1786. Vem a ser, que esta Ilha continha huma demasiada população, de que resultou mandar-se transportar á custa da Real fazenda muitos casaes d'aquí para o Além-Tejo, com grande prejuizo da cultura desta Ilha. cuja população igualmente estacionada era n'aquelle tempo com muito pouca differença a mesma que he hoje 31 mil almas pouco mais ou menos. Esta Ilha admitte hum numero dobrado e tresdobrado de habitantes. O seu melhor terreno, quasi todo no interior, está em pasto, por falta de braços. (2) Veja-se a pag. 300 d'este Archivo. (3) Sobre a inexactidão e inutilidade de similhantes calculos, veja-se o que diz o Desembargador José Accursio das Neves, que residio nesta Ilha 12 annos como Juiz de Fóra e Corregedor. Vai a pag. 328 d'este Archivo. (4) Veja-se o Edital da Camara que deo causa ao recurso, e o Acordão. pag. 304 e 305. (idem). (5) Veja-se a pag 305. (idem.). |