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turas das nuvens ardentes das duas erupções, não se pode achar n'este unico facto rasão bastante para os qualificar como dois phenomenos absolutamente distinctos. Os effeitos calorificos descriptos foram prezenciados por observadores inexperientes: a situação dos logares em que se produziram, a distancias mais ou menos afastadas das boccas de emissão, a rapidez variavel de translação da uuvem volcanica, as condições climatericas particulares da atmosphera no momento de cada uma das erupções e muitas outras causas, podiam ainda modificar consideravel diversamente a intensidade das acções devidas á intervenção do calorico. E' pois com razão que as testemunhas da erupção de 1808, conservaram a denominação uzada em 1580, posto que não tivesse todo o vigor e precisão desejaveis.

Phenomenos semilhantes apparecem perto d'outros vulcões (1) mas talvez em parte alguma as nuvens ardentes se viram melhor do que nas duas erupções de S. Jorge. Insisto tanto mais no seu exame, quanto ellas me parecem fornecer a chave de alguns problemas fornecidos pelas exhumações de Pompeia.

A situação estranha dos esqueletos descobertos no meio das ruas da necropole vulcanica romana é muito difficil de explicar, na maior parte dos casos, invocando somente a analogia com os phenomenos que se observam nas modernas erupções do Vesuvio. Uma chuva de cinzas por mais abundante e carregada de humidade que seja, não pode por exemplo ter lançado por terra e suffocado um homem robusto, que encontrou a morte fugindo por uma rua publica, em companhia de suas duas filhas. Foi necessaria a intervenção de um gaz deletereo para matar todos tres com espantosas agonias

«De todas as lavas que tem corrido nos Açores, depois que os portuguezes as abordaram, a de 1808 é de todas a mais alteravel. Os musgos e os lichens envadiram-n'a primeiro, depois a vegetação herbacea implantou-se n'ella e por fim os arbustos e as arvores.

Actualmente certas porções estão transformadas em espessas mattas, em quanto ali proximo muitas camadas de lavas de 1580 apenas começam a desagregar-se. »

Resumo d'esta erupção com os effeitos na ilha Terceira.

«No 4.o de maio deste anno de 1808, que foi domingo, a horas do meio dia, começou a tremer toda a ilha de S. Jorge com bastante

(4) O vulcão de Santorin, em 1866 produzia umas fumaradas acidas com movimentos rotatorios singulares. causando nas plantas effeitos devastadores, analogos em certos respeitos, aos das nuvens ardentes dos Açores. (Veja-se a nota de M. da Corona inserta nas Comptes rendues de l'Academie des Sciences, T. LXIV, 1867.)

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violencia, e alem do Norte Grande, freguezia de S.to Antonio, rebentou o fogo com estrepito horrendo, levantando ao ar pedras de enorme grandesa. (1) Correu lava ardente por mais de tres moios de cam po, que deixou revirado e feito um vivo rochedo onde era mar; sepultou a egreja e povoação da Urselina pela maior parte, com mortandade de muita gente. Sairam então os povos da ilha com procissões de preces e orações a Deus, levando tambem a coroa do Divino Espirito Sancto; e contou se por milagre visivel, que uma pequena casa com seu reducto, onde estava o vinho do bodo que ali se costumava dar em dia de Pentecostes, ficara illesa, correndo a lava ao redor, e sal tando alem da ribeira que lhe estava proxima; e que um religioso franciscano presbitero, por apellido-o Malagueta-homem de vida ajustada, fôra com o guardião e mais padres seculares e do seu convento levando a coroa do imperio da villa das Vellas, e com tamanha fé o praticaram lançando ao mesmo tempo as varas no chão, onde vinha lentamente chegan lo o fogo, que logo foi visto recuar, indo pre: cipitar-se no mar visinho: sed fides pene auctores. Este fenomeno foi visto e sentido na ilha Terceira, na qual occasionou graves incommodos, por causa da cinza que por muitos dias nella cabiu; e se achava a cada passo, e empacada sobre as plantas dos jardins e dos campos mais remotos, assim como sobre as hortaliças que serviam ao uso das familias, as quaes endureciam com esta especie de salitre, porem de um cheiro mui desagradavel. Todavia não causou alforra nos trigos. por não estarem ainda espigados, o que talvez aconteceria se o estivessem.

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(Drummond-Ann. da Ilha Terceira, T. III, p. 184.)

Effeitos na ilha do Fayal.

«No 4.o dia do mez de maio de 1808 (Domingo do Bom Pastor) sobre a madrugada sentio-se um grande terramoto e pelas 41 horas e meia outro maior seguido da estrondos distantes; o ar escurecense com espessas nuvens de fumo para a parte do nordeste, e assim continuou até a noite em que se avistaram copiosas labaredas de fogo que se elevavam da ilha de S. Jorge.

Tocon-se logo a preces em todas as egrejas e o povo espavorido corren a implorar a inisericordia divina para com aquelle infeliz po

Vo.

Continuaram os terramotos com estrondos nos dias seguintes e o fogo cada vez mais copioso; então no dia 7 reunio-se a camara da Horta com os principaes e resolveram mandar uma lancha aquella ilha

(1) Deste fenomeno trata a Corogr. Aror., p. 94.

com algum soccorro e uma carta consolatoria á sua camara offerecendo hospitalidade ás pessoas que se quizessem refugiar nesta ilha. para o que lhes mandariam barcos.

Partio com effeito a lancha e brevemente voltou trazendo o ouvidor ecclesiastico d'aquella ilha e mais alguns padres: foram depois chegando algumas familias e para o Pico tambem veio o doutor juiz de fora e mais algumas pessoas.

Soube-se tambem que o vulcão rebentára n'um alto monte da freguezia da Urselina e que até então tinha rebentado mais por sete boccas donde sabiam enormes pedras, ardentes areas que cobriram toda a ilha e abrazada lava que correndo em copiosas ribeiras devastára extensas campinas. >»

(Macedo-Hist. das Quatro has, Tom. I. p. 300.)

Carta da camara da Horta á das Vellas por occasião do vulcão.

Ill.mos Senrs. juiz, e mais officiaes da camara da villa das Vellas. A afflição em que V. S.as se achão com todo esse povo pelo flagello do fogo, que a ira de Deos nesse paiz suscitou, muito nos tem consternado: estamos bastante solicitos nos modos de diminuirinos o incommodo de V. S.as como pov nosso visinho, e offerecemos todos os nossos officios tendentes a este fim. A imploração da misericordia divina é o maior asylo a que nos podemos refugiar, e o que desde o primeiro dia nesta ilha se praticou, porém é necessario tambem fazer evitar todo o perigo; pois que segundo a frase do Espirito Santo devemos fugir delle: por tanto se se quizerem transportar para esta ilha faremos apromptar os barcos e lanchas que nos for possivel, ou qualquer outro auxilio, que necessario fôr, e que em nosso poder estiver pois nos devemos mutuamente auxiliar. Os terriveis progressos que do incendio temos observado, é que nos fez decidir a pôr em execução esta lembrança que á mais tempo occorreu, mas que pareceu desde logo se não faria necessaria. Este nosso aviso e offerecimento efficaz rogamos a V. S.aso queiram partecipar ás outras camaras collegas e somos de V. S.as attentos veneradores e visinhos amigos. Camara da Horta 7 de maio de 1808. Assignaturas.

(Macedo loc. cit., p. 542.)

XXIX

ANNO DE 1811

ERUPÇAO SUBMARINA EM S MIGUEL

«Nos mezes de Julho, e Agosto de 1810 houverão na Ilha de S. Miguel repetidos terremotos, que continuárão com mais, ou menos força até 29, 30, e 31 de Janeiro de 1811, em que se tornarão mais fortes: e no dia 1.o de Fevereiro do mesmo anno se manifestou huma erupção violenta em frente do Lugar dos Ginetes, proximamente a meia legoa de distancia da terra, e continuou por sete, ou oito dias. Em 43 de Julho do mesmo anuo repetirão os terremotos com violencia, e no dia seguinte rebentou de novo a erupção huma legoa ao Oeste da posição primitiva, e mais perto de terra. No fim de oito dias de explosões successivas, e terremotos, a erupção cessou, e ficou forma do hum Ilhéo de altura de 500 a 600 pés, e de hum terço de legoa proximamente de circumferencia, tendo no centro huma bacia de aguas quentes lançando grande quantidade de vapôres: foi porem tão pouco consistente a accumulação sobranceira ás aguas, que o mar a desfez em breve tempo, ficando em seu lugar somente hum baixo. Tenho a relação desta erupção do Senhor Thomaz Hichling, que a obseryou no tempo mesmo da erupção, tanto da terra como de bordo de hum navio, e que depois visitou, e circumdou o Ilhéo formado. »

(Mouzinho d'Albuquerque, Observações sobre a Ilha de S. Miguel,

p. 15.)

«Nos primeiros mezes deste anno, a meia legua da costa de S. Miguel. defronte da ponta da Ferraria. houve uma espantosa e tremendissima explosão vulcanica, que da profundidade de quarenta braças fez elevar do seio do Oceano turbilhões de fumo, de chamas, cinzas, materias inflamadas. e pedras de immensa grandeza: na superficie do mar fluctuava uma innumeravel quantidade de peixe, algum quasi assado, outro como cosido! Gradualmente alli se formou um perigoso escôlho, e com isto cessou a irrupção. Tudo estava em socego quando depois de dois ou tres dias de repetidos tremores de terra, que na ilha arruinárão algumas casas, e precipitarão no mar muitas rochas a este sobranceiras, no dia 13 de junho se vio algum fumo no logar da antecendente irrupção, e logo que a materia ardente e os

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