castello, cercado pelo Tejo, d'onde, talvez, tantas vezes saíra, nas suas caravellas, ao impetuoso Atlantico, em busca de gloria para os seus amigos, o rei e os duques de Vizeu e de Coimbra, contemplando as margens, povoadas somente pelos seus escudeiros e homens d'armas, Fr. Gonçalo Velho, devia pensar muitas vezes na viagem gloriosa que fizera muito alêm do Bojador, na temeraria empreza de que o infante o encarregara, dando-lhe a gloria do descobrimento dos Açores, lembrarse-hia da tomada de Ceuta, a primeira cavallaria na Africa, e passando a mão pelo rosto, ferido na tomada da aldeia, em frente de Marbella repetiria, em voz alta, a resposta que dera ao imprudente adail: « Tu não sabes, pelo presente, o que dizes, ca se elrei de Castella fizesse a mim maior de minha linhagem faria grande desprazer a muitos grandes de seus reinos a que eu, com tal ajuda, poderia, legeiramente, sobrepujar, porque, não fallando nos passados, ainda são vivos muitos grandes em aquelles reinos, onde eu nasci, com que eu ei mui chegada liança de sangue e crê que eu não venho desavindo do senhor com que vivo, nem fiz na terra porque eu não ouvesse de tornar a ella, nem espero, tão pouco, galardão de meus serviços porque haja vontade de tomar novo senhorio.» I. O seculo xv.-II. Infante D. Henrique.-III. As lendas de Sagres, de Machim e do mappa mundi trazido pelo infante D Pedro.-IV Fontes para estudar os descobrimentos dos portuguezes no seculo xv.-V. Primeiras expedições para o Sul.VI. Primeiras expedições para Oeste. I UVIAM-SE, ainda, os clarins de Aljubarrota e já nos muros de Ceuta echoava o som terrivel das charamelas portuguezas tocando a alvorada do seculo XV, ao passo que saudavam, no ultimo reducto, o inimigo, havia dois seculos, expulso das planicies do Garb. Findava o seculo XIV, ultimo da idade media, e com elle desappareciam as duas grandes figuras que, em Portugal, o assignalaram: D. Diniz e D. Affonso IV, um sabio, outro guerreiro; com elle findavam, tambem, os F dois grandes dramas que tiveram por protagonistas D. Pedro I e D. Ignez de Castro', D. Fernando e D. Leonor. Começara entre os cantos dos trovadores, terminava no meio do estrepito dos combates. Testou riquissima herança: Primeiramente as leis agrarias de D. Diniz que regularam os direitos senhoriaes, coarctaram os privilegios dos cavalleiros, das abbadias e dos mosteiros, reivindicaram para a corôa o que os inquiridores julgavam pertencer-lhe2, estabeleceram a observancia forçada dos direitos e garantias dos coutos e das honras, quebraram os sellos das cartas que allegavam falso dominio, estabeleceram os registos de nobreza3 tendentes a definir e fixar os direitos de comedorias por herança e desenvolveram a cultura das terras, anteriormente doadas após a conquista. Vem aqui a proposito notar o erro, vulgarisado, de que D. Diniz mandou plantar o pinhal de Leiria; este pinhal existe desde os principios da monarchia, pelo menos4. Simultaneamente, actuado pelo movimento que antecedia a Renascença, D. Diniz funda a Universidade e manda vir mestres extrangeiros com grande dispendio; a seu pedido os genovezes vem ensinar aos nossos mareantes a arte nautica em que elles eram proficientes e a marinha desenvolve-se como progride a agricultura, como se estuda o direito romano e as sciencias; a par, o rei chama á côrte os melhores troveiros, faz-lhes mercês, trata-os como amigos, porque, iniciando, com segurança, a grandeza da sua patria, compõe, nos momentos de descanso, primorosas canções; assim o menestrel, o jogral, desprezado, ridiculo, que apenas era 1 Vid. doc. XXXV, XXXVI, XXXVII, XL e LXXXIII. 2 Vid. doc. x a xix. 3 Port. Mon. Hist., vol. 1. Scriptores, pag. 143 a 389. 4 Vej. Luiz Mendes de Vasconcellos, Do Sitio de Lisboa (Lisboa, 1786.), pag. 144. escutado quando cantava em rythmo plangente, as desventuras de um cavalleiro maltratado pela dama, é, d'ahi em deante, substituido pelos primeiros senhores', o exemplo do rei é logo seguido. Tudo isto lega el-rei D. Diniz, mal havido, ora com seu irmão ora com seu filho e abatendo os castelhanos. Depois, Affonso IV, que attenua a grandiosa obra litteraria de seu pae, desgosta os trovadores que se vão acolher na côrte-academia de D. Affonso XI, mancha-se em Coimbra, mas deixa a seu filho o nome glorioso de vencedor no Salado. D. Pedro legou só a sua personalidade extraordinaria. Finalmente D. Fernando, empenhando-se em guerras desastrosas, deixou uma serie de leis sobre seguros de vidas, no mar, que comquanto não tenham o alto valor que ern geral lhes é attribuido, são importantes. Eis qual foi a herança do seculo xiv, seculo de organisação, de unidade, cheio de accidentes, que denunciavam o fim de um regimen, o termo proximo da idade media, da conquista. Mas a medalha tem reverso. Quando o conde Henrique se assenhoreou do territorio contido entre o Minho e o Doiro, encontrou-se em face de populações autocthonas que difficilmente cederiam dos seus direitos adquiridos desde longos seculos, modificados pelos godos, respeitados pelos arabes. Não se importavam essas populações provinciaes com o nome do autocrata que as regesse; conservassem-lhes os seus fóros nada mais exigiam. Foi um dos mais graves problemas que teve de resolver Affonso Henriques: conciliar os dominadores do solo, indispostos com as luctas politicas devidas. á pouca sympathia que inspirava sua mãe. Tremendo ante a nobreza e o clero caíra Sancho II e por iniciativa dos altos senhores subiu ao throno o conde de Bolonha. I Vid. nota de pag. 51 e nota i de pag. 122. |