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visitas à mamã, tia, manos e a tôda a família e supõe que te dá um abraço

«Ovar, 28/8/1863

«<o teu tio e sempre muito teu amigo Joaquim Guilherme Gomes Coelho.»

Estas oito cartas (1), escritas em Ovar durante a permanência ali de Júlio Denis são uma das mais comovedoras páginas da vida do romancista. Anitas era então uma criança de 13 anos. Órfă de pai, Júlio Denis sentia-se na obrigação moral de velar pela sua educação, tornando-lhe, ao mesmo tempo, a vida aprazível, no propósito de lhe fazer esquecer as solicitudes daquele que a morte tão cedo arrebatou aos seus afectos. Júlio Denis transparece em tôdas essas cartas através de uma encantadora bondade e de uma carinhosa estima. São frases de uma ternura tão natural e tão sentida

(1) Destas oito cartas, duas foram publicadas nas primeiras edições dos Inéditos e Esparsos: a 7.a e a 8.a

Das cartas que inserimos no capítulo seguinte, e ainda dirigidas a sua sobrinha por Júlio Denis, algumas foram publicadas ao lado daquelas duas.

Supôs, porém, o editor, que essas cartas eram falhas de interêssé e fê-las desaparecer das últimas edições, onde as não vemos.

que, se algumas leitoras da idade de Anitas as lerem, verão nelas, na sua limpidez de sentimentos, muitos dos solícitos cuidados que seus pais lhes têm dado.

Literàriamente são, no seu género, bastante interessantes. Algumas delas podem ser transplantadas, com vantagem, para os primeiros livros escolares, porque sabem interessar as almas infantís.

Júlio Denis não reviu estas cartas. Contêm algumas pequenas e encantadoras imperfeições. Por isso mesmo, por que são a fotografia da sua alma e dos seus sentimentos familiares para com uma criança, apresentam sem disfarce, nem atavios, a sua afectividade em tôda a pureza..

Muita razão tinha Júlio Denis em escrever no seu canhenho das «Ideas que me ocorrem » êste interessante conceito:

«Lendo um rápido estudo de Thackeray sôbre os escritores humoristas ingleses do século xviii e as notas que o acompanham, algumas das quais constam de cartas dos próprios escritores, lembrei-me da miséria da vida literária do nosso país, onde a preciosa correspondência dos nossos homens de letras raras vezes se salva para a posteridade.

«¿ Quem há, por exemplo, que se tenha lembrado de coligir as cartas particulares de Gar

rett, que, por tantos motivos, devíam ser um elemento poderoso para a apreciação daquele vulto literário e para a da história da literatura moderna em Portugal, de que êle foi o principal instituidor?

«Deviamos aprender com os estrangeiros a dar o devido valor a estas origens preciosas de informação para a crítica e para a história. «Funchal, 3 de Janeiro de 1869.» (1)

Esta justa apreciação de Júlio Denis fêz com que insistíssemos pela publicação destas car

tas.

Dentre todos êstes documentos, são as cartas a crianças, escritas sem preocupações de qualquer espécie, aquelas que mais deixam transparecer a índole natural de quem as redigiu. Não há reservas a guardar, não há frases a estudar. Apenas um propósito: o escolher assuntos que interessem às pequenas personagens a quem essas cartas são dirigidas. Para isso é necessário ir procurar os episódios que mais de perto joguem com as predilecções dessa idade, com as suas ocupações, divertimentos, tendências, amizades e dedicações. Saber rebuscar essas coisas no convívio de todos os

(1) Júlio Denis, Inéditos e Esparsos, ed. çit,, vol. I, pág. 37.

dias, servindo-se, ao mesmo tempo, delas como elemento educativo, mas sem que a criança se aperceba disso, para que a carta recebida seja sempre aceita com enlêvo e entusiasmo, é segrêdo raro que poucos possuem e que Júlio Denis revela nestas preciosas cartas duma maneira encantadora.

Por outro lado, as suas palavras e as suas frases têm uma doçura e uma afectuosidade que, não excedendo os limites do razoável, dão a impressão de uma dedicação inteligente e sentida, em que a afectividade não ofusca o dever de educador que êle se impôs junto de sua sobrinha.

Estas cartas são tão leves e simples na forma do dizer, como verdadeiras no sentir de quem as tracejou. Têm aquele encanto especial das obras de Júlio Denis, que faz com que coisas triviais, traduzidas em linguagem corrente e despida de requintes, sejam trechos de uma imperecível beleza.

Por outro lado ainda, fotografam uma alma límpida e boa, como não é fácil imaginar melhor. Não há homens bons que o não sejam, em primeiro lugar, na vida cotidiana da família. A vida social tem a sua expressão mais elevada a dentro do lar: é ali que os traços das individualidades se marcam no campo das virtudes morais. Essas qualidades podem não se generalizar à vida exterior; por vezes assim

sucede; mas são por si uma certa garantia para, à falta de outros elementos, se poder fazer juízo favorável dos que as possuem em elevado grau.

Tôdas as oito cartas a que nos vimos referindo, dirigidas a Anitas por Júlio Denis, são da mesma época, 1863, durante a sua estada em Ovar. São, portanto, dirigidas à mesma personalidade, porque a idade da destinatária é pràticamente a mesma.

As que se lhes seguem na colecção que tiveram a bondade de pôr ao nosso dispor são de anos diferentes; e, como a Anitas ia crescendo, mudam de tom pouco a pouco, porque deixam de ser endereçadas à criança para o serem à adolescente.

A essas nos referiremos no próximo capítulo. As cartas de Ovar procuram estimular em Anitas o amor das suas ocupações. Como anda «a fazer flores na mestra», descreve-lhe Júlio Denis as flores naturais com que lhe adornam o quarto. E, no fundo, querendo impor-lhe um programa, toma apenas um ar de informador minucioso.

Noutra carta (na terceira), insiste de novo no assunto. Quere ver, quando voltar ao Pôrto, concluido o ramo que a Anitas tinha entre mãos e principiada uma obra nova. Ainda volta a falar em flores (carta quinta) a propósito de elas irem rareando em Ovar e procura informar-se se já começou a bordar.

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