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Gomes Coelho dedicou-lhe uma poesia, em Dezembro de 1859, repassada de tristeza, e a que apôs a seguinte nota: «Duvidar da verdade desta poesia era duvidar dos meus sentimentos. mais puros, dos meus mais queridos afectos e, nesse caso, não sei de palavras que me podessem justificar» (1). Dessa poesia, em que a forma é ainda hesitante, transcrevemos duas quadras, em que se refere à tragédia inicial da sua vida, a morte de sua mãe:

«E ai daquele que, no alvor da vida,
Perdeu p'ra sempre maternais afagos;
Ai, que bem cedo a vê ser consumida
Por mil anelos, mil desejos vagos.

«Ai, bem cedo o sentimos! Separados
Do sol que a infància em luz nos envolvia,
Quais estioladas plantas, assombrados,
A fronte, inda infantil, já nos pendia... »

Rodrigues de Freitas, no discurso pronunciado, na abertura das aulas da Academia

Quanta ilusão desfeita em seu transporte!
Sonhou glórias, talvez! Sonhou amores!
Tudo, tudo aqui jaz! Carpí-lhe a sorte:
Derramai-lhe na tumba algumas flores!

Está no cemitério de Agramonte, Pôrto. (1) Júlio Denis, Poesias, 9.a ed., pág. 8

Politécnica, em 1 de Outubro de 1867, referindo-se aos alunos mais distintos dos cursos anteriores, fêz o elogio de José Joaquim Gomes Coelho, que a morte tão cedo viera buscar às esperanças que os seus antigos professores nêle depositavam, em termos honrosíssimos para a sua memória.

Essa morte prematura, acompanhada da de seu outro irmão Guilherme, pois ambos faleceram no espaço de alguns meses, deixou vestigios perduráveis na alma sensível de Joaquim Guilherme Gomes Coelho, que, ao tempo, apenas contava 17 anos e estava no último ano de preparatórios médicos (1855-1856).

Da escola primária de Miragaia passou o nosso biografado a freqüentar latim, como era da praxe nesse tempo, com o abalisado professor dessa época o padre José Henrique de Oliveira Martins. Ao mesmo tempo estudava francês com o irmão, conseguindo, após êstes elementares preparatórios, matricular-se em lógica nas aulas da Graça, que, segundo nos informa Alberto Pimentel (1), era a denominação dada aos cursos públicos do Liceu e da Academia, reünidos no mesmo edifício.

Ao mesmo tempo, iniciava-se no estudo da

(1) Alberto Pimentel. Prólogo dos Fidalgos da Casa Mourisca, pág. XI.

lingua inglesa com o professor particular Narciso José de Morais Júnior. Gomes Coelho, que. teve sempre má pronúncia para o inglês, chegou a conhecê-lo a fundo, traduzindo os clássicos com a maior facilidade.

Ainda não tinha quinze anos quando se matriculou em química e matemática na Academia Politécnica. Foi no ano lectivo de 1853 a 1854. No imediato (1854 a 1855), tirou física e o segundo ano de matemática, tendo obtido altas. classificações. Em 1855 a 1856 frequentou botânica e zoologia e matriculou-se na Escola Médico-Cirúrgica do Pôrto. Contava 17 anos de idade. O seu curso foi brilhante, e é de notar que, no seu segundo ano, teve uma hemoptise, prenúncio do mal que, para sempre, havia de comprometer a sua vida, arrastando-a em alternativas de pioras e melhoras até aos 32 anos.. Pois nem por isso deixou de ser estudante assíduo e aplicado!

Nem êsse primeiro rebate, nem os seus antecedentes hereditários o intimidaram. E, contudo, além dos dois irmãos, ao tempo recentemente mortos pela tuberculose e a que já fizemos referência, Joaquim Guilherme Gomes Coelho ficara órfão de mãe, também tuberculosa, em tôrno dos cinco anos de idade.

Conseguiu, sem outro acidente, chegar ao fim do curso.

Tivemos ocasião de passar a vista pelos seus diplomas de prémios (1).

Na Academia Politécnica do Pôrto, obteve essa alta classificação, no ano lectivo de 1853 a 1854, na primeira e nona cadeiras; em 1854 a 1855, na segunda e oitava; em 1855 a 1856, na sétima. Na Escola Médico-Cirúrgica do Pôrto, conseguiu, igualmente, prémios na primeira cadeira (Anatomia) e na segunda (Fisiologia) em 1857 a 1858; na terceira (Matéria Médica) e na quarta (Patologia Geral), no ano de 1858 a 1859; na quinta (Patologia Externa) e na sétima (Patologia interna), no ano lectivo de 1859 a 1860, e na oitava (Clínica Médica) e na nona (Clínica Cirúrgica) no seu quinto ano, 1860 a 1861.

No mesmo ano da sua formatura defendeu tese, que mereceu uma elevada classificação. Dela nos ocuparemos daqui a pouco.

Para obter êstes brilhantes resultados, foi necessário que, às suas naturais e invulgares aptidões, êle juntasse um grande e persistente esfôrço, que, em curso tão difícil e trabalhoso, havia de concorrer para o prejudicar na sua já abalada saúde.

(1) Estão hoje na posse da sr. D. Isabel Äyala Gomes Coelho, sobrinha, por afinidade, do grande romancista.

Alcançada a formatura, não se abalançou a entrar abertamente na clínica. Falta de vocação para essa árdua e, por vezes, ingrata carreira, segundo alguns dos seus biógrafos, mas também a consciência da sua carência de robustez para suportar as canceiras de vida tão fatigante. Contudo, alguns doentes viu (1).

Estimulado, porém, pelos seus triunfos académicos, decidiu-se corajosamente a enveredar: pelo caminho do professorado.

Dois anos depois, em 1863, pôs-se a concurso o lugar de demonstrador da secção médica na Escola Médico-Cirúrgica do Pôrto, primeiro e definitivo passo para a entrada no seu corpo docente. Gomes Coelho apresentou-se como concorrente. Diz Alberto Pimentel (2) que o fêz, «não tanto por se julgar habilitado à concorrência, em razão da extrema desconfiança que tinha da sua mesma profissão, como para renunciar, duma vez para sempre, à vida clínica, com que não podia transigir.»>

A razão não colhe. Ainda hoje muitas vezes, nessa época quási sempre) são as portas do

(1) Nos seus apontamentos particulares encontramos um pequeno rol dos seus honorários clínicos: consultas a 120, 240 e 300 réis, visitas a 500 réis e uma conferência em Rio Tinto por 4500 réis !

(2) Alberto Pimentel, loc. cit., pág. XIII e XIV.

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