Imagens das páginas
PDF
ePub

ΧΙ

O POETA

D

IZ Júlio Denis (teimamos em tratar o escritor pelo seu pseudónimo) numa das suas Notas (1) que, os primeiros factos da sua existência literária remontam aos 11 anos. Não puderam as nossas indagações ir tão longe. Faltaram-nos elementos para isso e, assim, não podemos mostrar na sua evolução literária a influência das primeiras tendências e predilecções.

Não podemos porém aceitar a data que, em geral, os críticos marcam como início dos

(1) Júlio Denis, Inéditos e Esparsos, ed. cit, vol. I, pág. 7.

seus trabalhos poéticos ou literários. Foi, é certo, em 1860, que, pela primeira vez, apareceu o pseudónimo Júlio Denis rubricando uma poesia que se intitula A. J..., talvez à Jenny do romance, por certo já em laboração, Uma Família inglesa, e que deve ser, de facto, sua madrinha D. Rita Pinto Coelho (1). Nessa poesia, como, mais tarde, nas cartas que lhe dirigiu de Ovar e a que já fizemos largas referências, êle procurava animá-la a propósito de desgostos que a afligiam.

Acredita que os anjos também sofrem

Nesta mansão de dores....

Ora antes dêsse ano já Júlio Denis tinha escrito vários trabalhos literários.

No seu espólio há inéditos, não publicados, que datam de 1857; tinha então 18 anos. Nessa época prendia-o especialmente o teatro, e foi nesses trabalhos, alguns dêles bem dignos de. saírem do esquecimento, que êle fez a mão para o diálogo que é, inquestionàvelmente, um dos maiores encantos dos seus romances pela naturalidade com que o desenvolve.

Não estão publicadas estas produções do

(1) Vidé no vol. II o capítulo II, dedicado ao estudo do romance Uma Família inglesa.

grande romancista. Umas porque estão incompletas, outras porque as não julgaram merecedoras do seu grande nome literário. São, contudo, documentos preciosíssimos para o estudo do romancista.

Na apreciação das obras publicadas, devemos começar pelas poesias, pois, como bem diz Xavier Cordeiro, embora o renome que Júlio Denis alcançou lhe viesse dos seus romances, foi pela poesia que êle entrou na imprensa. Foi na Grinalda, como dissemos, que êle publicou os primeiros versos e em que, pela primeira vez, apareceu o seu pseudónimo.

Estavam, ao tempo, na redacção da Grinalda alguns dos seus melhores amigos: Nogueira Lima, Soares de Passos, Custódio Passos, Augusto Luso e José Augusto da Silva. Nogueira Lima recebia os versos de Júlio Denis; mas ignorava quem fôsse. Este comprazia-se, por vezes, em ouvi-lo apreciar as suas composições poéticas à medida que as ía escrevendo.

Júlio Denis-poeta seguiu na esteira do romantismo melancólico e pessimista de Soares de Passos. Não igualou, porém, o notável poeta da tristeza. Estamos em crer que a tuberculose, que a ambos arrebatou precòcemente às letras pátrias, deve ter influido no seu psiquismo, de sorte a arrastá-los, sem constrangimento, para essa orientação.

As influências psíquicas da tuberculose em escritores, foram assinaladas de há muito em trabalhos bastante extensos, porque, no campo médico, esta questão abrange muitos outros aspectos, aqui inteiramente descabidos. Morselli publicou em 1907 uma monografia verdadeiramente exaustiva sôbre o assunto. Depois dêle outros psiquiatras a têm retomado de novo, mas sem novidades ou pontos de vista que mereçam menção especial.

Neste caso de Júlio Denis, o problema restringe-se ao estudo do psiquismo do tuberculoso, nada nos interessando o capítulo, bem mais importante para a psiquiatria, da psicose tóxica da tuberculose.

O que aqui nos interessa é tão-sòmente averiguar a influência da mentalidade do tuberculoso na orientação artística de Júlio Denis. Ora sabe-se que o carácter e a inteligência se encontram alterados nos tísicos, com maior ou menor intensidade. Duma maneira geral, como bem acentua Morselli, a sua afectividade está aumentada. Estamos convencidos de que assim sucedeu em Júlio Denis. A sua sentimentalidade vibra a cada momento, aureolando as personagens já escolhidas

meio são e entre pessoas de boa indole, duma candura e bondade por vezes exageradas. A vontade, em geral, está enfraquecida, mas a inteligência aparece-nos, ordinàriamente, sôbre

-excitada. Lombroso chega a afirmar que êstes doentes podem, no período inicial, atingir a categoria dos génios.

Júlio Denis não teve, na apreciação da sua doença, o ilusionismo delirante de que fala Letulle e que faz com que alguns tuberculosos aumentem as suas esperanças de cura à medida que as fôrças diminuem. Só em Ovar, oito anos antes do desenlace fatal, êle teve ilusões sôbre o futuro que o esperava.

A propósito das perturbações psíquicas dos tuberculosos, citaremos a opinião dum autor, Moreau, que, nem por ser antiquado, merece ser esquecido. É que êle aborda, de perto, o problema literário. A tuberculose é, para'êste médico, fonte de inspirações «ternas, eloqüentes, patéticas ou brilhantes.» Tudo parece viver. ao lado dêste morbo, tão enganador nas suas relações com a vida, que a exalta, consumindo-a; «<enganador, sobretudo, para o doente que nunca sabe em que ponto está do seu mal, a despeito dos seus pressentimentos e das suas melancolias.>>

Como temos insistido, esta afirmação não é inteiramente exacta. Muitos tísicos, e Júlio Denis foi um dêles, se apercebem, na fase final, da morte próxima. Todos os clínicos têm casos desses e alguns bem dolorosos nos hão tocado pela porta.

Acrescenta Moreau:

« AnteriorContinuar »