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tantos estudos que levou do natural para as páginas das Pupilas.

As personagens da Morgadinha estudou-as especialmente em casa de sua tia, D. Rosa Gomes Coelho, onde esteve hospedado; como já antes se servira de modelos familiares para a Familia inglesa.

Os próprios Fidalgos, escritos já em estado adiantado da sua doença, também têm estudos do natural. Estamos convencidos de que algumas das suas personagens foram estudadas no Funchal.

Da realidade trouxe Júlio Denis a vida para os seus romances. Ela palpita em cada scena e em cada personagem.

Para terminar devemos dizer que esta qualidade de grande observador não lhe é contestada por nenhum dos seus críticos, mesmo por aqueles que supuseram ser, de pura fantasia, as figuras que êle movimenta na acção dos

seus romances.

XV

A CRÍTICA DOS ROMANCES

J

ÚLIO Denis foi apreciado como merecia logo que começou a publicar o seu romance as Pupilas no Jornal do Pórto. O sucesso foi espon

tâneo, dizem os coevos e atestam-no os testemunhos insuspeitos da maioria dos seus críticos. Nem todos, porém, fizeram côro. Houve a êste respeito uma nota discordante. Andrade Ferreira, a quem já nos referímos, julga que o sucesso do romance foi devido à maneira como Herculano o apreciou. E, a êste propósito, conta a conhecida história do Paraíso perdido. Milton, vinte anos depois da sua morte, foi proclamado por Addison, no Spectateur, como

autor de uma maravilhosa obra de arte. Desde êsse momento, chamada a atenção do

público sôbre o Paraiso perdido, êste passou a ser lido e admirado como merecia.

Addison era um literato ilustre e um ministro de Estado, o que levou alguém a dizer que a obra de Milton não foi aceita, foi decretada.

Em primeiro lugar, não foi bem assim. Digamo-lo em homenagem à cultura inglesa dessa época. A obra de Milton deveu a Addison o chamar para ela a atenção do público britânico. Foi muito e não foi nada. Foi êle o primeiro inglês, de nome, que a achou de rara beleza. Aplaudiu-a sem reservas. Outros, também com méritos literários, a apreciaram por sua vez e a corrente estabeleceu-se em favor de uma das melhores criações artísticas da humanidade. Se assim não fôsse, talvez tivesse caído no esquecimento; talvez só mais tarde fôsse exumada do olvido a que a lançariam os seus contemporâneos.

Mas quantas vezes isso tem sucedido nos mais variados ramos da arte! Obras feitas para as gerações futuras, que os contemporâneos não puderam compreender, ou que só raros puderam atingir, dormem o sono de longos anos para, mais tarde, alcançarem o ruïdoso sucesso que têm tido, por exemplo, algumas composições musicais de génio ou as tábuas admiráveis de alguns esquecidos pintores dos séculos xv e xvi.

O artigo do Spectateur valeu, pelo menos,

para apressar a glória de Milton, a quem só se fêz justiça depois da sua morte; mas, se Milton não fôsse Milton, o brado de Addison, com toda a sua autoridade literária e com todo o seu poder ministerial, não teria ecoado além dos leitores do Spectateur.

Os grandes mestres nas artes e nas sciências têm querido, por vezes, impor discípulos; mas, quando a êstes falece o talento, não há louvores que lhes bastem. A opinião de Herculano poderia ter sido um auxiliar valioso para a expansão da obra, mas nunca conseguiria transformar em óptimo o que apenas fôsse regular. E, na opinião do severo crítico, não sabemos se a obra de Júlio Denis mereceria, ao menos, êste qualificativo.

Nem tudo foram louvores! Alguém o considerou apenas um imitador dêste ou daquele romancista célebre e, contudo, comparado com êsses que julgam ter sido seus mestres, que de diferenças e que de originalidade!

As críticas ainda foram mais longe!

Também sôbre Júlio Denis caíu a acusação, tanta vez atirada em rosto de quem menos a merece, de plagiário. Nada menos!

Júlio Denis deixou uma nota, entre os seus apontamentos, que é uma interessante resposta aos seus comentadores mais injustos. É escrita no Funchal em 1869 e deriva de pôr em confronto uma passagem da Histoire de Sibylle,

de Octave Feuillet, e um trecho do seu romance Uma Família inglesa, que notàvelmente se correspondem. É a descrição de uma trovoada após um dia de verão que, ao amanhecer, aparece «puro e formosíssimo».

Octave Feuillet e Júlio Denis aplicam o simile, um a Sibylle, o outro a Cecília. O romancista aprecia esta equivalência da seguinte forma:

«Com estas e outras descobertas aprende-se, à custa própria, a não ser precipitado em atribuir propósitos de plagiário a quem inocente mente muitas vezes o foi. Ninguém se deve persuadir de que, depois de tantos séculos de literatura, ainda qualquer possa ter pensamentos ou conceber imágens absolutamente novos. Esta, de mais a mais, que é já chamada por Octave Feuillet une vieille image.»

Quantas vezes essas imagens são inspiradas nos mesmos factos; quantas outras não provêm da leitura remota dos mesmos livros, mas que permanecem de tal sorte esquecidas que, ao surgirem de novo, parecem inteiramente originais; quantas vezes ainda são sugeridas pelo meio ambiente, e assim esvoaçam por tôda a parte, sendo fácil reproduzir-se em autores muito distanciados pelo tempo e pelo espaço!

Ocorre-nos agora um episódio passado nes

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