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tirizar as pobres plantas que têm a desventura de te caír nas mãos. São os teus únicos amores!

GUSTAVO

(Examinando a planta.)

«Grãos numerosos, presos a placentas laterais; perisperma nulo...

ADELAIDE

«E êsses mesmos! Amas as flores, é verdade; mas prosaicamente. Desfolhá-las, murchá-las, mirrá-las nos herbários e aborrecê-las nos jardins; esqueces a linguagem singela, e quási sempre poética, pela qual o povo as designa e baptisa-las com nomes extravagantes e bárbaros que mal cabem a essas pobres flores, coitadas, tão pouco pretenciosas. E aí está a tua vida, os teus prazeres, as tuas emoções.

GUSTAVO

«És doida! Julgavas mais interessante, mais útil que eu ocupasse o meu tempo a ouvir ler as insulsas frioleiras que te escreve todos os dias a numerosa coorte dos teus admiradores?

ADELAIDE

«Não; mas desejava que elas te dessem mais cuidado. Tens uma confiança que, ou depõe

muito contra os meus atractivos, ou demasiado a favor do teu merecimento.

GUSTAVO

«Minha querida, graças ao meu modo de viver retirado, o mundo é para mim um elemento nulo que não introduzo nos cálculos da minha vida. Esses cuidados que dizes, tem-nos o homem que os receia; eu não. Tu, porém, que vives na sociedade e portanto a respeitas, se a pretendes dominar, te precaverás para não ofereceres aos seus golpes nenhum lado fraco; pois ela, quando pode, não deixa de os desçarregar.

ADELAIDE

(Sorrindo.)

«Engraçada teoria! Se todos os maridos a adoptassem, felizes as mulheres!

GUSTAVO

«Felizes os maridos!

ADELAIDE

«E felizes se... Mas deixemos isto; quero pedir-te um momento de atenção. (Levantando-se.)

GUSTAVO

«Pèssimamente escolhido, impossível conce

der-to.

ADELAIDE

(Aproximando-se dêle.)

«Exijo-o.

GUSTAVO

«Recuso-o.

ADELAIDE

(Encostando-se às costas da cadeira.)

«Ouve-me. Não se trata de nenhum gracejo. É um negócio sério.

CUSTAVO

(Sorrindo.)

«Ó! Eu conheço, por experiência, a qualidade dos teus negócios sérios!

ADELAIDE

«Juro-te que te preciso falar um instante. Depois voltarás ao teu estudo.

GUSTAVO

«Inverte. Deixa-me no meu estudo e fala

rás depois.

ADELAIDE

«Gustavo!

GUSTAVO

«Adelaide!

ADELAIDE

«Sê, por um pouco, como os outros homens, atende ao que te dizem.

GUSTAVO

«Deixa de ser, por um pouco, como tôdas as mulheres, não teimes.

ADELAIDE

«Ó, meu Deus! Mas é preciso, é absolutamente indispensável que eu te fale...

GUSTAVO

«Mas esta planta que tenho quási classifi

cada?

ADELAIDE

(Impaciente.)

«Ora a planta que espere.

GUSTAVO

«E porque não hás-de esperar tu?

ADELAIDE

«Porque não quero. (Mudando de tom.) Porque não posso, ó meu Gustavo! Acredita que te preciso falar. Que te custa? Lembras-te, quando éramos solteiros? Pelo menos quatro horas por dia deixavas as flores para pensares

em mim.

GUSTAVO

«É justo que, depois de casado, compense o perdido...

ADELAIDE

«Perdido?... Gustavo!

GUSTAVO

Vá. Fala; mas sê breve. (Fechando os livros e suspirando). Que pena! Tinha quási esclarecidas todas as dúvidas. Só me faltava... (Abrindo outra vez.) Embrião recurvado em semi-circulo...»

Durante a comédia, esta nota volta por mais de uma vez à scena, como era de presumir depois desta apresentação de personagens.

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