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«Naturalmente sou levado destas considerações dizia êle a outras de um não menor interêsse e que se referem a um dos mais importantes factos que podem atrair a atenção do médico observador: as epidemias. Se nas constituições médicas tôdas as individualidades mórbidas, diversas em aparência, oferecem um modo de ser particular que as caracteriza, nas epidemias, a uniformidade patológica é mais completa ainda; tôdas as influências morbíficas parecem, absorvidas por elas, extinguir-se temporàriamente. Em épocas não determinadas estas singulares entidades mórbidas acometem uma povoação, persistem algum tempo com mais ou menos intensidade e perigo e acabam emfim por se desvanecer ou transmigrar para regiões diferentes» (1).

Daí o cair na explicação que já vem de Hipócrates: estes efeitos só poderem derivar da acção da atmosfera.

<<¿Mas de que maneira actua a atmosfera ? ¿ É ela que origina as doenças com as suas variações ou é apenas o veículo que leva ao organismo germes morbíficos, provenientes de um foco de infecção» ?

(1) Gomes Coelho, obra cit., pág. 49.

Gomes Coelho abalança-se a pôr o problema nos seus justos termos em que os menos misoneistas ousavam colocá-lo, admitindo a acção dos miasmas, como ao tempo se designavam os sêres invisíveis que deviam existir e eram a causa de muitos dos males que afligem a humanidade. A questão é posta desassombradamente pelo autor:

«Efectivamente os eflúvios e os miasmas, agentes que os sentidos desconhecem, mas que a razão admite, são geralmente as supostas causas geradoras dêstes fenómenos insólitos. ¿Mas que são os eflúvios e os miasmas? Ninguém com certeza poderá responder a esta questão; em vão os meios de análise se têm aplicado a estudar-lhes a essência; a física e a química não puderam coadjuvar neste ponto a observação clínica que marchou adiante delas».

Depois perde-se em conjecturas várias, apoiando-se nas palavras de Bouchut, nas prelecções admiráveis de Trousseau que, ao tempo, dominava na clínica médica do mundo, ou pelo menos na sciência de aquém-Reno, nos trabalhos de Pidoux, de Schoenbein, Wolff e outros. E, à falta de elementos, que só 20 anos mais tarde haviam de representar a maior conquista médica de todos os tempos, caminha, embora com uma certa descrença, ao lado dos mentores da medi

cina europeia, vacilantemente, apelando sempre para o futuro, para o progresso da sciência. Segue no cortejo defendendo que a atmosfera, pela sua acção directa, ou como meio modificador ou transmissor, devia ocupar o primeiro lugar nas causas das doenças.

Insiste em factos exactos, com pormenores dignos de serem tomados em conta:

«Uma lagôa num clima quente é um foco terrível e constante de infecção (1), tais são as Pontinas na Itália; num clima temperado tornam-se principalmente nocivas durante o estio e outono; num clima frio quási não exercem acção prejudicial: sôbre as margens das lagôas da Sibéria vive e multiplica-se uma robusta população» (2).

Faltava-lhe apenas conhecer o que hoje sabemos sobre os agentes produtor e transmissor do impaludismo. Estava-se em período de espectativa. Esperava-se o Messias genial. E não tardou a aparecer. Luis Pasteur preparava-se para a grande luta, que já então começava a esboçar-se, contra os preconceitos de séculos e até um pouco contra o mesquinho prejuízo de

(1) Refere-se ao impaludismo.
(2) Gomes Coelho, obra cit., pág. 54,

classe, que lhe custava a admitir que sendo apenas um químico, pudesse invadir a esfera da sciência médica!

O último capítulo da dissertação inaugural de Gomes Coelho, inteiramente defensável e judicioso no momento em que foi escrito, emite doutrina de que hoje pouco ou nada se aproveita. Versa sôbre as aplicações à Medicina operatória dos estudos meteorológicos. Nestes últimos cinquenta anos a cirurgia fèz uma revolução completa. Ninguém lhe pode hoje regatear as honras que merece pelas seus acentuados progressos. Estes foram o camartelo destruïdor de todas as falsas suposições de influências atmosféricas. Fica apenas a conside

a temperatura ambiente durante o acto operatório, a que Gomes Coelho faz referência no seu trabalho.

Não insistiremos mais neste exame. Se o levámos tão longe foi porque êle nos merecia alguns comentários como estudo scientífico, e especialmente pela forma elegante por que é apresentado.

Termina assim:

«Julgo haver observado, até onde mo permitiam minhas fôrças, o programa estabelecido no princípio dêste trabalho».

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«Se do exposto não ficaram bem patentes estas conclusões, é que as minhas fôrças, mal proporcionadas ao empenho, faleceram na execução» (1).

(1) Gomes Coelho, obra cit., pág. 67.

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