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as abreviaturas. Êsses sinais cabalísticos eram o prognóstico das votações finais. Não pudemos averiguar se ele foi ou não bem feito. O que sabemos é que o seu competidor, Pedro Augusto Dias, de quem mais tarde Gomes Coelho foi amigo íntimo, conseguiu a primeira classificação. Ambos foram aprovados em mérito absoluto, mas em mérito relativo o júri inclinou-se para o seu competidor, que foi nomeado, por decreto de 14 de Março de 1864, demonstrador da secção médica. Gomes Coelho não desanimou com o insucesso e continuou a trabalhar.

Ao tempo, diga-se de passagem, já o seu nome literário começava a ser conhecido. Em 21 de Novembro de 1864 publicou, assinando, pela primeira vez, com o seu nome:-Gomes Coelho-no Jornal do Porto, o interessante conto Uma flor de entre o gélo (1). Esta circunstância fêz com que se denunciasse o autor das Cartas acerca de várias coisas, que assinou com o pseudónimo de Diana de Aveleda e que saíram em dois folhetins dedicados, em grande parte, à memória de Rodrigo Paganino, o autor dos Contos do tio Joaquim. As cartas a Cecília, Impressões do Campo, e

(1) Júlio Denis, Serões da Provincia, 24.a ed., Lisboa, 1922, pág. 321.

que eram assinadas pelo mesmo pseudónimo, são também dessa época.

Só mais tarde foram publicadas as Pupilas do sr. Reitor, mas já em 1864 o seu nome ecoava pelos centros de reunião do Pôrto, então muito orgulhoso dos seus literatos, como uma das suas melhores esperanças.

Em 1865 abre-se outro concurso para a secção médica. Gomes Coelho apresenta-se de novo. Teve como competidores Jerónimo António de Faria, que foi excluido, e António Maria Pinheiro Tôrres, médico pela Faculdade de Medicina de Coimbra, onde obteve altas classificações, e que foi um temível competidor. Desta vez Gomes Coelho saíu vencedor.

Talvez lhe valesse o ser a terceira vez que se apresentava na liça, um pouco a sua doença, o ser filho da Escola, e ainda o começar a ser conhecido como escritor de raça.

Prestou provas em 29 de Maio e em 2, 6 e 12 de Junho, tendo tido por ponto da primeira lição: «Contractilidade muscular. Rigidez cadavérica. Influência dos sistemas nervoso e sanguíneo».

Há cêrca de trinta anos, quando, pela primeira vez, em Coimbra, ouvimos falar Pinheiro Tôrres no «Congresso Nacional de Tuberculose», que a teimosia e o talento do professor Augusto Rocha conseguiu levar a bom têrmo, ficamos com a impressão de que se perdêra no

distintíssimo médico bracarense um admirável prelector. Nessa época ouvimos referências ao seu concurso e pessoas abalizadas em assuntos médicos afirmavam que fôra menos justa a preferência dada a Gomes Coelho.

A diferença não fôra grande na apreciação e vê-se que houve luta adentro do júri. Gomes Coelho obteve 12 esferas bancas e 2 pretas e António Maria Pinheiro Tôrres 10 brancas e 4 pretas (1).

Não queremos encerrar estas apreciações sem arquivar o que a tal respeito escreveu Ricardo Jorge (2) que, por muitos motivos, e até por ter sido professor na Escola do Pôrto, merece ser citado:

«Não tinha sorte nestas justas o desditoso Gomes Coelho. Ao terceiro rebate sái-se a defrontá-lo outra personagem médica de respeito, nada menos do que António Maria Pinheiro Tôrres. Inteligência, saber, vivacidade e eloqüência — reünia em sumo grau os dotes todos para brilhar num concurso, superando ou pelo menos igualando fôsse quem fôsse. As suas provas ficaram memoráveis. Quando uns vinte

(1) Maximiano Lemos, obra cit., pág. 37..

(2) Ricardo Jorge, Primeiro de Janeiro, 31 de Dezembro de 1922.

anos depois me relacionei em Braga com Pinheiro Tôrres, então justamente considerado um dos primeiros médicos do norte do País, maravilhou-me a fugacidade da sua palavra, a máscara agitada do seu rosto e a cerebração que refulgia através destas conquistadoras exterioridades.

«Gramacho era, sem disputa de ninguém, o primeiro paladino da Escola, o Aquiles da casa que a nenhum contendor deixava tocar nos calcanhares, floreando uma dialéctica cerrada sempre invencida, favorecido ainda por um semblante severo e uma dicção empolgante. Desta vez encontrou pulso e estoque que, longe de vergarem, se lhe enristaram diante, impàvidamente. Pinheiro Tôrres esgrimiu com o mestre e conseguiu tocá-lo.

«<¿Que figura havia de fazer, junto de lidador dêste talho, o simples, doce e débil Gomes Coelho? Devia ver-se em transes o júri, que já não podia fechar mais a porta na cara do pobre candidato, o que equivalia a excluí-lo de vez.

«Júlio Denis foi votado em mérito relativo e Pinheiro Tôrres, convidado e instado para apresentar de novo a sua candidatura na primeira monção. Legitimamente orgulhoso e despeitado, desprézou a instância».

Estas palavras do ilustre professor, que, por certo, colheu êstes dados na tradição da Escola

em que se criou, condizem inteiramente com as informações que, por mais de uma via, nos foram fornecidas..

«Infeliz concurso»,-continua Ricardo Jorge, «tão malogrado, de facto, para o estabelecimento; Pinheiro Tôrres, que tanto realçaria no professorado, não veio mais e Gomes Coelho resvalou a breve trecho para a sepultura sem aquecer as cadeiras».

E mais abaixo, e ainda corroborando o que atrás dizemos sôbre os prejuízos causados à sua saúde pelo esforço dado por Gomes Coelho aos seus concursos, tão grande que só podem bem avaliá-lo aqueles que têm passado por essas provas exaustivas de energias físicas e morais, acrescenta Ricardo Jorge:

«O ingresso no professorado era para Gomes Coelho um marco branco na sua carreira; di-lo a carta ao pai.

«As desilusões vieram logo; o lente demonstrador queixa-se dos cobres mesquinhos da mensalidade que o fisco lhe ratinha ainda com alcavalas sarnentas; depois a doença alanceia-o sem piedade. Quanto para a evolução do mal contribuiram os concursos, vislumbra-se dessas amarguradas lutas. No estudo de uma lição chegou a golfar sangue pela bôca. Tôda a saúde

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